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Porto causa revolta do setor turístico

OESP, Vida, p. A24
02 de Mai de 2010

Porto causa revolta do setor turístico
No sul da Bahia, empresários se sentem 'traídos' por obra que desmatará bioma

Afra Balazina

Ele pesquisou por dois anos onde instalaria seu resort. Passou pela Costa do Sauípe, por Maceió e pelo litoral paulista. Acabou escolhendo um ponto entre Ilhéus e Itacaré. Agora que investiu R$ 15 milhões e seu hotel em estilo moderno e voltado para a contemplação da natureza está pronto para funcionar, encara a possibilidade de ser vizinho de um porto, na Ponta da Tulha.
Thilo Scheuermann comprou uma área de 50 hectares. Ocupou 7 para criar o resort Makenna e deixou os 43 restantes preservados com Mata Atlântica. "Olhei todos os documentos municipais e estaduais. Quando já tinha investido 80% dos meus recursos, ouvi pela primeira vez a história do porto e não tinha como voltar atrás", conta. O porto a que se refere é um empreendimento da empresa Bahia Mineração (Bamin), por onde será escoado o minério de ferro de uma mina em Caitité.
Não é a única mudança anunciada para a região. Segundo o governo estadual, a obra privada integra o projeto Porto Sul, que inclui ainda um porto público, um aeroporto internacional e uma ferrovia.
Scheuermann se sente traído, assim como outros empresários que creem que a vocação do lugar seja o turismo. "Não tenho plano B", afirma, de frente para a praia paradisíaca, com muitos coqueiros e nenhum quiosque.
Luigi Massa, dono do hotel La Dolce Vita e presidente da Associação de Turismo de Ilhéus (Atil), diz que o grupo está se sentindo ameaçado. Ele faz questão de mencionar que, nos 20 anos que está em Ilhéus, nunca viu um dia inteiro de chuva. "É o local ideal para turismo, com sol o ano todo e muita natureza."
Robert Godoy, proprietário da Pousada Casa de Praia, afirma que chegou a receber isenção fiscal por dois anos como incentivo ao negócio ligado ao turismo. "Ficamos surpresos. A traição não foi somente verbal. Fomos convencidos pelo governo com ações que davam a entender que a prioridade para a região era o turismo e o meio ambiente."
Claudio Maretti, da ONG WWF Brasil, lembra que o País se comprometeu na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) a zerar o desmatamento de Mata Atlântica - a meta deveria ser cumprida neste ano. Porém, só para a construção do porto privado será destruída uma área equivalente à metade do Parque do Ibirapuera.
A região é tão importante do ponto de vista ambiental que faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. "O próprio País pede esse reconhecimento à Unesco e se compromete com o desenvolvimento sustentável", diz Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Aratu. ONGs ambientalistas, como a Floresta Viva, defendem que o minério de ferro da Bamin seja escoado pelo porto de Aratu, na região metropolitana de Salvador. Argumentam que ali já existe uma ferrovia (que precisaria de melhorias) e que, em razão de a área ser mais degradada, não haveria tantos impactos.
Clovis Torres, presidente da Bamin, responde que a empresa estudou Aratu por quatro meses e o descartou. "O calado tem 12 metros e precisamos de 21. Teríamos de tirar um volume enorme de areia e as ONGs também impediriam", afirma.
Segundo ele, a atividade portuária e o turismo podem conviver. "Acredito plenamente na convivência pacífica. E se abre uma possibilidade para o turismo de negócios", diz.
As ONGs criticam também o fato de que a mina poderá ser explorada por apenas 25 anos. Torres, porém, diz que a empresa comprou todas as 105 minas da Vale na Bahia e vai aproveitar a estrutura ao máximo.
O secretário estadual do Meio Ambiente do governo baiano, Eugênio Spengler, admite que "nenhum empreendimento desse porte deixa de ter impacto". Mas afirma que o Estado criará, como compensação, uma Unidade de Conservação de proteção integral (como um parque) na região da bacia do Rio Almada, um viveiro para ajudar na recomposição de áreas degradadas e fará a recuperação da mata ciliar na região. Ele diz que, de um total de sete áreas analisadas, a Ponta da Tulha é a que sofreria menos impacto.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100502/not_imp545816,0.php

Gente contra e a favor

Os moradores da Ponta da Tulha, onde será construído o porto, esperam que o empreendimento traga empregos e melhorias na infraestrutura local. Muitos não têm acesso à água tratada nem à coleta de esgoto. Entretanto, eles temem prejuízo ao meio ambiente.
"Poluição vai existir, mas, em termos de trabalho, acho que vai melhorar", afirma Wellington de Souza Lima, que tem uma lanchonete no local. Sua mulher, Raimunda Ferreira, reclama que o movimento é muito fraco. "A gente precisa que o governo venha calçar a rua, que coloque esgoto. Se o bairro fosse arrumado, os turistas viriam. Hoje eles passam direto", diz. Os moradores também reclamam da falta segurança e da precariedade do posto de saúde.
A divisão da cidade é bastante visível: há faixas espalhadas favoráveis e outras contrárias ao projeto. A empresa colocou outdoors - um deles diz: "Porto Sul - mais sustentabilidade para Ilhéus."
"Somos contra a localização do porto, dentro de uma Área de Proteção Ambiental. Isso pode acabar com a Lagoa Encantada", diz Jailson dos Santos, dono de um restaurante nas proximidades da lagoa.
Segundo ele, na região estão ao menos seis cachoeiras e algumas grutas.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100502/not_imp545817,0.php

Para governo, projeto salvará a região da crise

O prefeito de Ilhéus, Newton Lima Silva (PSB), vê o projeto Porto Sul como uma forma de "resgatar" a região após a crise do cacau. "Em uma enquete que fizemos no município, o desemprego apareceu como o principal problema para a população. E, depois, a segurança." O prefeito diz que, após o anúncio do porto, o Makro e o Atacadão começaram a se instalar na cidade.
Questionado, Silva não soube responder qual é a taxa de desemprego ou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Ilhéus. De acordo com o IBGE, no ranking de 2000 Ilhéus aparece com 0,703 - o ideal é atingir 1 e o melhor colocado, São Caetano do Sul, tem 0,919.
"Nós estamos a favor do crescimento econômico (...). Não sei até que ponto vai haver danos ao ambiente, mas a licença ambiental está sendo vista pelas autoridades pertinentes", afirma Silva.
O secretário extraordinário da Indústria Naval e Portuária do governo baiano, Roberto Benjamin, diz que o governo quer dar "um novo futuro" para a região com o complexo intermodal. "Se o turismo tivesse dado resposta à população, não estaríamos propondo o porto. Mas o setor turístico gera poucos empregos lá e muitas vezes os postos são ocupados por pessoas de fora", afirma. Segundo ele, a ordem do governador Jaques Wagner (PT) é "descentralizar o desenvolvimento".
Já as ONGs ambientalistas afirmam que se trata de "descentralizar a desgraça".
Utilização.Benjamin explica que a produção agrícola de grãos e algodão poderia utilizar a ferrovia e o porto público. Afirma que existe a intenção também de criar uma área industrial. "É um sacrifício que terá de ser feito numa pequena área e será compensado pelo benefício que o projeto trará."
De acordo com o secretário, mais de 3 mil pessoas da região onde será construído o porto não possuem água encanada. "É essa realidade que estamos tentando mudar."

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100502/not_imp545818,0.php

OESP, 02/05/2010, Vida, p. A24

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