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Portaria que protege do garimpo Terra Indígena com isolados na Amazônia perde validade; área pode ir a leilão em MT

g1 MT - https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/
17 de Mar de 2022

Portaria que protege do garimpo Terra Indígena com isolados na Amazônia perde validade; área pode ir a leilão em MT
O Ministério Público Federal (MPF) aguarda resposta da Justiça Federal sobre a renovação da medida e afirma que o fim da proteção abre brecha para que a área seja leiloada como fazenda.

Por Kethlyn Moraes, g1 MT
17/03/2022

O prazo da portaria que dá proteção legal à Terra Indígena Piripkura, localizada em Colniza e Rondolândia, no norte de Mato Grosso, venceu nesta quinta-feira (17). O Ministério Público Federal (MPF) aguarda resposta da Justiça Federal sobre a renovação da medida e afirma que o fim da proteção abre brecha para que a área seja leiloada como fazenda.

A portaria que protege a TI foi publicada em setembro de 2018 e prorrogou por três anos a restrição de entrada e permanência de pessoas estranhas ao quadro da Fundação Nacional do Índio (Funai) nos 242 mil hectares da Terra Indígena Piripkura, com o objetivo de assegurar a proteção aos índios isolados da etnia. O documento venceu em setembro do ano passado, mas foi renovado no dia 17 de setembro, por mais seis meses.

A Terra Indígena Piripkura é habitada por Tamandua e Baita, dois indígenas em isolamento voluntário que sobreviveram a sucessivos massacres contra seu povo nas décadas passadas. Eles são supostamente os dois últimos membros da tribo da etnia Piripkura, considerada em extinção. Por causa disso, o território é definido por essa portaria de restrição de uso.

De acordo com o MPF, a terra pode ir a leilão mesmo com a portaria, mas que precisa ser informado que está sobreposto a terra indígena.

De acordo com o MPF, o fim da validade da portaria abre brecha para que a área vá a leilão. Isso porque, com o documento, a TI pode ser leiloada desde que informada que está sobreposta à terra protegida. Ou seja, o proprietário teria o título da terra, mas não poderia usar a área.

No entanto, sem a medida, o MPF explica que o proprietário ganha o direito de usar a terra da qual tem o título.

O MPF também afirmou que a renovação é importante para não abrir caminho para a exploração do garimpo na área protegida. Caso o pedido seja aceito, a decisão impedirá que a área onde vivem dois indígenas isolados volte a ser invadida por garimpeiros.

Pelo menos oito cooperativas e empresas de garimpo pediram autorização para a Agência Nacional de Mineração (ANM) para explorar o subsolo do entorno da Piripkura e aguardam retorno.

Presidente Bolsonaro e a proteção indígena

Nesta semana Bolsonaro o presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu a medalha do mérito indigenista, concedida a pessoas que se destacam pelos trabalhos de proteção e promoção dos povos indígenas brasileiros.

A condecoração, instituída em 1972, foi concedida pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, nessa quarta-feira (16). O despacho foi publicado no "Diário Oficial da União". A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmou que vai contestar o ato na Justiça.

Para Sônia Guajajara, liderança indígena e coordenadora-executiva da Apib, a concessão da honraria para Bolsonaro é uma "afronta".

"É claro que é uma afronta total ao movimento indígena, ao ato pela terra, a tudo que a gente está fazendo para contrapor todas essas maldades desse governo", afirmou Guajajara.

Jair Bolsonaro, quando ainda era deputado, já homenageou a Cavalaria Americana, por ter dizimado os indígenas no passado. Ele ainda lamentou que a cavalaria brasileira não tivesse agido da mesma forma. "Foi incompetente", sentenciou.

O discurso está transcrito no Diário da Câmara dos Deputados, na edição de 16 de abril de 1998. Disse Bolsonaro:

"Até vale uma observação neste momento: realmente a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país".

Trecho de discurso feito por Jair Bolsonaro em 1988 na Câmara, quando era deputado federal - Foto: Reprodução/GloboNews

Trecho de discurso feito por Jair Bolsonaro em 1988 na Câmara, quando era deputado federal - Foto: Reprodução/GloboNews

O presidente já foi também denunciado por 'crime contra a humanidade e genocídio' no Tribunal Penal Internacional de Haia pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O coletivo alegou que o chefe de estado cometeu crimes contra a humanidade e genocídio por ter incentivado invasão de terras indígenas por garimpeiros. Outras duas denúncias já foram apresentadas contra o Bolsonaro no TPI.

Decisões a favor dos Piripikuras

Em julho deste ano, uma decisão da Justiça Federal determinou que os invasores saíssem imediatamente da área, reintegrando assim a posse do território aos dois indígenas que vivem isolados no local. O juiz federal da Vara Única de Juína, Frederico Pereira Martins, enfatizou que existe sim o direito dos indígenas Piripkura ao território tradicional, apesar de o processo demarcatório não ter avançado.

Em outra decisão judicial, publicada em maio deste ano, a Justiça Federal determinou, a pedido do MPF, que a fundação constituísse um grupo técnico para proceder à identificação da TI Piripkura.

Porém, a constatação da inaptidão técnica dos servidores que compuseram o grupo, além da identificação de conflito de interesses com a demarcação de terras indígenas e a falta de experiência no trabalho com indígenas em isolamento voluntário, foram apontados por entidades indígenas, que apresentaram as razões que indicam a suspeição dos nomeados para a realização do trabalho.

A partir disso, o MPF realizou uma pesquisa sobre cada um dos componentes do grupo de técnico instituído pela Funai e confirmou as informações relativas à suspeição dos servidores para desempenharem a função.
Índios da etnia Piripkura vivem isolados em MT - Foto: Assessoria/Funai

Índios da etnia Piripkura vivem isolados em MT - Foto: Assessoria/Funai

Invasões e ocupação ilegal da Terra Indígena

O acesso à terra indígena é proibido. Em isolamento voluntário, os indígenas Piripkura fazem parte de um subgrupo Kawahiva que ocupa os municípios mato-grossenses de Colniza e Rondolândia, distantes 1.065 e 1,6 mil km de Cuiabá, respectivamente.

Ao menos nove pessoas foram identificadas e citadas na Ação Civil Pública de Reintegração de Posse proposta pelo MPF, por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, por ocupação ilegal de parte da Terra Indígena Piripkura.

De acordo com o MPF, a invasão da TI -e consequente degradação ambiental- ocorre pelo menos desde 2008, quando alguns dos citados foram autuados por desmatamento ilegal e outros crimes ambientais, como caça de animais silvestres.

As invasões do território e os atos de degradação ambiental tornaram-se mais intervalados desde 2015, sendo que a última e mais atual invasão teve início em 2019

Conforme o procurador da República, titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, Ricardo Pael Ardenghi, as invasões no referido território indígena foram sensivelmente impulsionadas pela redução das ações de fiscalização ao longo do ano de 2020, devido a pandemia de Covid-19.

Ele ainda alertou para um dado, demonstrado na ação civil pública, fornecido pelo Sistema de Indicação de Radar de Desmatamento (Sirad), utilizado pelo Instituto Socioambiental (ISA): a detecção de uma nova área de desmatamento, aberta em março deste ano, alcançando 518,8 hectares, estimando-se a destruição de 298 mil árvores.

Terra Indígena Piripkura

A Terra Indígena Piripkura, habitada por um grupo de indígenas em isolamento voluntário, localiza-se na região entre os rios Branco e Madeirinha, afluentes do rio Roosevelt, nos municípios de Colniza e Rondolândia, no estado de Mato Grosso, e ainda não está demarcada.

É um território indígena protegido apenas por medida de restrição de uso, que é um instrumento colocado à disposição da Funai para o resguardo de indígenas em isolamento voluntário.

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