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Por mais dias de céu azul

O Globo, Sociedade, p. 28
16 de Mar de 2017

Por mais dias de céu azul

Vivian Oswald

PEQUIM - Com o fim do Congresso Nacional do Povo, os chineses deram adeus terça-feira a duas semanas consecutivas de céu azul na capital. Por determinação das autoridades, a reunião mais importante do ano, realizada pelo governo com milhares de representantes do Partido Comunista para decidir os rumos da nação teve dias limpos, com baixíssima concentração de partículas tóxicas no ar, para a alegria dos locais. Fábricas foram temporariamente fechadas ou tiveram a produção reduzida para que isso acontecesse - o que sempre ocorre durante grandes eventos realizados na China.
Uma das maiores preocupações da sociedade hoje, a poluição foi destaque do encontro. Estava nas palavras de abertura e de encerramento do primeiro-ministro chinês Li Keqiang. Confrontado por uma jornalista chinesa (durante a única entrevista coletiva em que dá a oportunidade de chineses e estrangeiros lhe fazerem perguntas) sobre se o país teria mais dias de céu azul para além das datas importantes, ele voltou a prometer resultados:
- Temos um grande desafio em relação ao meio ambiente. Vamos lutar e ganhar a batalha contra a poluição. Mas será um processo - afirmou, duas semanas depois de avisar que "é hora de termos dias de céu azul novamente".
O governo anunciou um grande fundo com recursos para combater o problema e promover estudos para entender todas as razões que levam as cidades chinesas, sobretudo no Norte industrializado do país, a serem cobertas por nuvens tóxicas. No início deste ano, as primeiras semanas foram marcadas por dias cinzentos (até 50 vezes acima dos níveis de concentração considerados limite pela Organização Mundial de Saúde) e filas de pessoas com problemas respiratórios em hospitais.
- Não sabemos todas as causas. No inverno, a situação do Norte da China é bastante única quando comparada a outros países do mundo - salientou o primeiro-ministro.
TEMOR DE INSTABILIDADE SOCIAL
A inclusão do tema como prioridade do governo mostra que a insatisfação geral preocupa mais do que nunca as autoridades chinesas. A instabilidade social é um dos seus grandes temores, segundo o ambientalista Ma Jun, fundador da organização sem fins lucrativos Instituto para Negócios Públicos e de Meio Ambiente. Desde o final do ano passado, quando os medidores do PM 2.5 (micropartículas mais danosas ao organismo humano suspensas no ar, com menos de 2.5 micrômetros de diâmetro) dispararam, o assunto dominou as redes sociais. O tema foi estampado nas primeiras páginas dos principais jornais do país, a maioria estatais.
Nos últimos dias, os cidadãos não escondiam a felicidade. Os parques estavam repletos de gente jogando pingue-pongue, soltando pipas, passeando ou simplesmente tomando sol e respirando ar puro. As centenas de milhares de bicicletas de aluguel espalhadas por companhias privadas pela cidade anunciaram que as voltinhas seriam todas gratuitas durante o período do encontro em Pequim. Já não havia espaço para estacioná-las.
Os chineses querem mais. Querem dias iguais a esses que se passaram, em que puderam circular sem máscaras ou preocupação com a saúde dos filhos. No ano passado, a população conseguiu convencer as autoridades da capital a instalar purificadores de ar nas escolas - o que até então não havia: as aulas eram suspensas em dias mais poluídos.
Recentemente pequenos protestos foram realizados, embora rapidamente dispersados. Dados de especialistas apresentados por Ma Jun mostram que são registradas entre 350 mil e 500 mil mortes prematuras por ano causadas pela poluição do ar. O governo tem respondido.
- Nenhum outro país tem tantos medidores de poluição instalados como a China - afirma o ambientalista.
Segundo Jun, mais de 300 mil violações (fábricas abertas quando deveriam estar fechadas, por exemplo) foram computadas pelas autoridades. Deste total, 70 mil só no ano passado. Em 2006, eram 1.947. O governo anunciou novos cortes na produção na queima de carvão, matéria-prima responsável por 67% da matriz energética do país. A China já é o maior investidor do mundo em energias renováveis. Leis mais rígidas, com punições mais severas para os poluidores devem entrar em vigor no ano que vem. Resta saber se os resultados serão fortes o suficiente para provar ao grande público que o problema está perto de acabar. Pelas palavras do primeiro-ministro, ainda devem levar tempo.
Ontem, os medidores de poluição mediam 150 pela manhã, três vezes mais do que na véspera. Os números devem piorar à medida que as fábricas voltem a funcionar.

VITAMINA B PROTEGE O ORGANISMO DA SUJEIRA
Um grupo internacional de pesquisadores descobriu que altas doses de suplementos de vitamina B podem anular os danos causados pelo material particulado fino do ar, poluentes mais perigosos à saúde, provenientes de motores a diesel, fogões a lenha e como subproduto de reações químicas entre outros gases poluentes. Com cerca de 1/30 da espessura de um fio de cabelo, fragmentos de PM2.5 (material particulado com diâmetro de menos de 2.5 micrômetros) podem se alojar profundamente no pulmão e contribuir para sérios problemas de saúde.
Estudos anteriores já mostravam que a poluição do ar altera os genes no sistema imunológico, inibindo nossas defesas. E também já tinham mostrado que alguns nutrientes poderiam parar este processo. Agora, os cientistas mostraram que a exposição ao PM2.5 pode ser mitigado com suplementos diários de 2,5 mg de ácido fólico, 50 mg de vitamina B6, e 1 mg de vitamina B12.
Dez voluntários foram expostos inicialmente ao ar limpo enquanto recebiam um placebo para medir suas respostas básicas. Os mesmos voluntários foram depois testados com grandes doses de vitamina B enquanto expostos ao ar com altos níveis de PM2.5. A conclusão foi que a suplementação de vitamina B por quatro semanas limitou o efeito PM2.5 entre 28% e 76 % em dez localizações de genes. O estudo foi publicado na revista "Proceedings of the National Academy of Sciences" (PNAS).

Rigor pode evitar três milhões de mortes por ano
Estudo estima resultado a partir da redução de partículas em suspensão para padrões da OMS
Um estudo conduzido pelo Centro para Controle e Prevenção de Doenças da China, em Pequim, mostrou que os níveis de poluição no país estão fora de controle, constituindo um grave problema de saúde pública. O levantamento realizado entre janeiro de 2010 e junho de 2013, em 38 das maiores cidades chinesas, revelou que a concentração média diária de partículas em suspensão com diâmetro inferior a 10 micrômetros (PM10) é de 92,9 mcg/m3. A redução desse nível para os padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 20 mcg/m3, poderia evitar três milhões de mortes prematuras por ano.
"Esse número é uma estimativa para baixo do total de mortes relacionadas à poluição do ar, porque os efeitos dos poluentes podem ser maiores em áreas rurais e o PM10 provoca danos à saúde no longo prazo", disseram os pesquisadores, no estudo publicado no periódico médico "BMJ". "Nossos resultados sugerem que a adoção e o controle de padrões mais rigorosos da qualidade do ar na China trarão benefícios tremendos para a saúde pública".
Dentre as 38 cidades avaliadas, a mais poluída foi Urumqi, na província de Xinjiang, com média diária de concentração de PM10 de 136.0 mcg/m3. A menos poluída foi Qinhuangdao, na província de Hebei, com concentração média de 66,9 mcg/m3, ainda assim três vezes maior que o recomendado pela OMS. No período, foram computadas 350 mil mortes nessas cidades, e os pesquisadores encontraram associação entre a mortalidade e a exposição a poluentes.
Na média, um aumento de 10 mcg/m³ na concentração de PM10 está associado a um aumento de 0,44% na mortalidade total.
Analisando os dados, os cientistas perceberam que a poluição do ar tem grande impacto nas mortes por problemas cardiorrespiratórios, como as doenças pulmonares obstrutivas crônicas (enfisema e a bronquite, por exemplo). A poluição atmosférica afeta mais as mulheres que os homens, e as principais vítimas são idosos com mais de 60 anos.
Para tentar conter a poluição, o governo chinês anunciou no início deste ano a suspensão de 104 usinas a carvão que estavam em construção ou planejadas.
IMPACTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS Um outro estudo, publicado ontem na revista "Science Advances", sugere que os altos níveis de poluição no inverno chinês podem estar relacionados às mudanças climáticas, que alteraram a circulação atmosférica na região por causa da perda de gelo no Ártico e o aumento das tempestades de neve na Eurásia.
Com base em simulações no computador, pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos EUA, afirmam que essas alterações provocaram mudanças no ciclo das monções de inverno na China, criando uma condição atmosférica estagnada que aprisiona os poluentes sobre os grandes centros industriais.
- As emissões chinesas estão diminuindo nos últimos quatro anos, mas a poluição no inverno não está melhorando - disse o pesquisador Yuhang Wang. - Essas perturbações na região polar barram a entrada de ar frio nas partes mais orientais da China, o que varreria a poluição do ar.

O Globo, 16/03/2017, Sociedade, p. 28

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/china-anuncia-recurs…

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