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Poluição no Tietê encolhe 120 km

OESP, Metrópole, p. C1, C3-C5
24 de Fev de 2008

Poluição no Tietê encolhe 120 km
Recuo fica abaixo da meta para redução da mancha, de 160 km, mas já permite o renascimento de ecossistemas

Diego Zanchetta e José Maria Tomazela

Dezesseis anos de obras e R$ 3 bilhões depois, o mesmo Rio Tietê que ainda agoniza aos olhos dos paulistanos começa a dar sinais de vida a pouco mais de 100 quilômetros da capital. O mais importante manancial do Estado, castigado todos os dias com mais de 690 toneladas de esgoto na Região Metropolitana, ressurge com espécies de peixes que tinham desaparecido havia três décadas em cidades na região de Sorocaba, onde o nível de oxigênio dobrou entre os anos de 1992 e 2008.

O recuo da mancha de poluição do Tietê totaliza 120 quilômetros, segundo técnicos da Companhia de Saneamento Básico do Estado (Sabesp). O número é inferior à meta de 160 km estipulada para o fim de 2007 no início do Projeto Tietê, em 1992, mas ambientalistas comemoram a queda da poluição orgânica e de metais como chumbo e zinco. Foi essa redução que possibilitou a volta da vida ao rio em municípios como Porto Feliz, Cabreúva e Anhembi. Antes, o recuo da mancha anunciado pela Sabesp era contestado como "fato não comprovado cientificamente" por organizações não-governamentais e especialistas.

Nas análises de amostras coletadas no início do ano no bairro Parque das Monções, em Porto Feliz, a 110 km da capital, a entidade SOS Mata Atlântica constatou que o nível de oxigênio dobrou em relação ao início dos anos 90 - passou de 4 miligramas por litro para 8 mg. A ONG faz coleta em 81 pontos ao longo dos 1.160 km do Tietê, da nascente em Salesópolis, Grande São Paulo, até Ilha Solteira, no extremo oeste paulista, onde ele deságua no Rio Paraná.

"Podemos citar duas frentes para o reflexo positivo que permitiu o início da volta de ecossistemas em trechos do Tietê, como o rebaixamento da calha na capital e o combate à poluição industrial. Hoje temos 200 indústrias poluidoras do rio; em 1992, eram 1.160", diz Maria Lúcia Ribeiro, coordenadora do SOS Mata Atlântica.

Para o geólogo Ronaldo Malheiros Figueira, do Centro Universitário Santana, o principal mérito do Projeto Tietê é o recuo da mancha de poluição, mas falta uma política articulada entre as mais de 300 prefeituras de cidades margeadas pelo rio. "Não temos, por exemplo, um combate aos pontos de erosão nas cabeceiras da bacia."

BONS SINAIS

Na cidade de Anhembi, por exemplo, a 235 quilômetros da capital, 200 famílias voltaram a viver da pesca no rio. Subindo o Tietê na direção contrária ao curso do rio, em Porto Feliz, tilápias e curimbatás também reapareceram. Nesse trecho, a espuma que revelava lançamentos de poluição industrial no Tietê sumiu há quase um ano, segundo os moradores.

Mais 40 quilômetros acima, porém, o esgoto doméstico e a poluição química voltam a ficar visíveis em Pirapora do Bom Jesus. Lá dezenas de famílias garimpam no meio da espuma tóxica, recolhendo placas de alumínio e entulho.

Os resultados positivos do último ano do Projeto Tietê são reflexo de intervenções que ocorreram justamente num trecho do rio que ainda não apresenta melhoras - o da capital, onde o nível de oxigênio na água é zero. "Com as estações inauguradas na última década ampliamos o tratamento de esgoto de 4 metros cúbicos por segundo para 11 m³. Com isso, a poluição vem recuando cada vez mais", diz o presidente da Sabesp, Gesner Oliveira. Ele reconhece, no entanto, que muitas obras ainda têm de ser feitas. "Há uma carga residual de poluição carregada por afluentes ao Tietê que precisa ser combatida."

A inauguração, em agosto, de um emissário de esgoto entre os bairros de Pinheiros e Vila Leopoldina, na zona oeste, com 7,5 quilômetros de extensão, deve ajudar no processo de recuperação do rio. Até o fim deste semestre, 84 toneladas de esgotos deixarão de ser lançadas diariamente no Rio Pinheiros, um dos principais afluentes do Tietê - em testes, a estação já opera com metade da capacidade. Com a obra, um volume equivalente ao esgoto gerado pela população de Salvador deixará de ser lançado no Tietê.

Outra obra citada por especialistas como decisiva para o recuo da mancha, o rebaixamento da calha no trecho de 24,5 km entre o Cebolão, na zona oeste, e a barragem da Penha, na leste, tornou o Tietê 2,5 metros mais fundo. Além de evitar enchentes desde 2002, a intervenção de R$ 688 milhões aumentou a vazão, ajudando a dispersar poluentes. A largura do rio também foi ampliada de 28 para 40 metros. Mas isso não bastou para cumprir uma promessa feita em 2004 pelo governo: a de que em 2008 o Tietê já estaria sendo explorado nesse trecho para navegação.

Pescadores voltam a tirar sustento do rio
Em Anhembi, colônia espera conseguir 1.500 kg por dia
A aterrissagem desengonçada do tuiuiú espanta o bando de garças que espreita do tronco seco um cardume de piaus. Um biguá se antecipa, mergulha e emerge com um peixe no bico. O cenário é do Pantanal, mas as águas são do Rio Tietê, que cruza Anhembi, cidade de 6 mil habitantes a 235 quilômetros de São Paulo. Lá, onde parte da população tira sustento do rio, moradores esperam com ansiedade a virada do mês. No dia 1o, termina a piracema - período de reprodução dos peixes -, e a pesca, proibida desde novembro, volta a ser liberada para os cerca de 250 pescadores, que esperam nesta temporada conseguir 1.500 quilos de pescado por dia.

Anos atrás, fisgar tilápias, curimbatás, piaus, corvinas, traíras, cascudos e até pintados era sonho impossível. Com a poluição do Tietê, os peixes escassearam e pescadores migraram rio abaixo. Há duas décadas, só havia pesca depois que o rio passava pela hidrelétrica de Barra Bonita, quilômetros adiante.

Em 1992, teve início o Projeto Tietê. À medida que a qualidade das águas antes da barragem foi melhorando, os pescadores voltaram. Agora, eles vão subindo o rio na direção de São Paulo, acompanhando o recuo da mancha de poluição. De Conchas até a barragem, contam-se dez núcleos de pescadores como o de Anhembi. No total, são cerca de 2 mil famílias sustentadas pelos peixes do Tietê, vendidos principalmente em São Paulo, Piracicaba e Campinas.

Já se pesca até em Salto, a 100 km da capital, mas por diversão - ninguém come os peixes, porque há dúvidas sobre se eles são próprios para consumo. "Quando contei que estava pescando no Tietê, meus amigos não acreditaram", conta a pescadora Daniele Nogueira.

O problema agora passou a ser o lixo flutuante, que se enrosca nas redes de pesca. Garrafas PET, isopor, madeira e muito plástico se acumulam nas margens e ilhas de aguapés. Há também urubus, atraídos por animais mortos - como uma vaca que boiava perto de Anhembi, quarta-feira.

É esse lixo que ainda atrapalha os negócios do comerciante Milton de Quadros Rodrigues. Ele instalou um camping na beira do rio onde recebe turistas de todo o Estado. Muitos, como o aposentado Alacir Amaro, de 84 anos, são antigos pescadores e conhecem o Tietê de longa data. "Aqui já deu jaú, dourado, peixe de 25 quilos ou mais." Ele mora em Piracicaba e lamenta que o rio homônimo, que deságua no Tietê, ainda esteja bastante poluído. "Minha filha até levou uma garrafa com a água para mostrar aos amigos." O motorista Nelson Cardoso, de 66 anos, leva os peixes para casa. "Faço filezinho de tilápia", conta.

Animado com a possibilidade de fazer passeios turísticos no rio, Rodrigues está reformando uma chalana - barco chato, com 24 lugares. Mas lamenta a quantidade de lixo. "Num trecho de 150 metros da margem, juntei 300 quilos de sujeira."

19 das 34 cidades da Grande SP ainda jogam todo o esgoto no Tietê
Segundo Cetesb, houve maior redução no lançamento de detritos industriais no rio que dos dejetos domésticos
Sérgio Duran
Estação de tratamento de esgoto tem, rede coletora também, mas a ligação entre uma coisa e outra, não. Assim é a situação da região do ABC, Grande São Paulo, servida por uma estação da Sabesp: as cidades têm altos índices de coleta, mas os dejetos são lançados sem tratamento no Rio Tamanduateí, afluente do Tietê. Especialistas concordam que, se faltou alguma coisa ao Projeto Tietê, foi articulação entre as cidades e a estatal. Das 34 cidades que integram a bacia do Tietê na Região Metropolitana, 19 não tratam absolutamente nada do esgoto.

De acordo com o Relatório das Águas da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) de 2007, das sete cidades do ABC, por exemplo, só Ribeirão Pires trata o que recolhe de dejetos domésticos (veja quadro). São Caetano, por sua vez, uma das cidades de maior qualidade de vida do País, recolhe 100% do esgoto e não trata nada. A cidade é vizinha da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Sabesp. No ano passado, a prefeitura investiu na construção de duas ligações com a ETE, que deverão ficar prontas ainda neste semestre, para tratar 100% do esgoto.

Guarulhos é outro exemplo de corrida para recuperar o tempo perdido. Depois de ser pressionada em 2006 pela Prefeitura de São Paulo - que ameaçou recorrer à Justiça para impedir o lançamento de mil litros de esgoto por segundo na altura do Parque Ecológico do Tietê -, a cidade arrumou financiamento pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) federal para a construção de estações de tratamento e entrou em acordo com a Sabesp para usar a ETE de São Miguel, zona leste da capital. Hoje, o município, o terceiro maior do Estado, não trata absolutamente nada de esgoto.

"A gente pode contar a história da falta de articulação metropolitana em São Paulo pelo Rio Tietê", diz Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) e representante das entidades civis no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). "E não é apenas uma desarticulação política, entre Sabesp, governo do Estado e municípios, mas da sociedade como um todo", explica.

Bocuhy fala sobre o setor industrial e de serviços. Houve redução do lançamento de dejetos industriais, mais que do doméstico, segundo a Cetesb - a companhia, porém, não fiscaliza as pequenas indústrias, de confecção, por exemplo, tampouco setores de serviços como lavanderias. "Considerando o gigantismo da Região Metropolitana, é um erro", afirma Bocuhy, usando o exemplo da despoluição do Rio Tâmisa, em Londres, para embasar sua teoria.

Em 1610, o Tâmisa era um rio tão poluído quanto o Tietê. Muito tempo depois, os responsáveis pela despoluição disseram que foi preciso "muito dinheiro e mil cafés" com autoridades para concluir a obra (Veja box). "Aqui, estão faltando os mil cafés", diz Bocuhy.

Para o ambientalista, também falta empenho ao empresariado. "Mesmo as grandes indústrias, que precisam submeter suas plantas à aprovação da Cetesb, podem contar agora com um sistema de autofiscalização, que consiste em enviar relatórios periódicos à companhia. É civilizado demais para um país como o nosso", ironiza.

SEM MÁGICA

O engenheiro de saneamento José Mauro Moreira da Rocha, há 36 anos à frente da empresa de consultoria Hidroconsult, participou dos primórdios do Projeto Tietê e trabalhou no Plano Diretor das Águas da Região Metropolitana. Para ele, o resultado aquém do previsto pelo projeto, seja no porcentual de tratamento de esgoto, seja na redução da mancha de dejetos, faz parte da "margem de erro".

"Em se tratando de uma região como a de São Paulo, que perdeu população na área central e explodiu na periferia, onde não há rede de esgoto e onde fica mais caro levar rede de captação, o resultado foi até positivo", avalia Moreira da Rocha. "Veja bem, trabalho nisso há muito tempo, e não há mágica. A população aumenta, a produção de esgoto também, a cidade se espalha, e você vai atrás para coletar e tratar. Não tem outra coisa a ser feita."

Para ele, o crescimento desordenado da cidade faz com que questões urbanísticas tenham papel preponderante na projeção da produção de esgoto. "Talvez essas áreas de estudo, como urbanismo e educação ambiental, tenham de ser mais bem trabalhadas futuramente. Isso porque, além do aumento da produção de esgoto doméstico, o grande vilão da má qualidade dos nossos rios, há a produção de lixo. E parte desse lixo também acaba nos corpos d'água."

No Tâmisa, 150 anos de obras
Diego Zanchetta
Em 1858, uma sessão no Parlamento inglês foi interrompida pelo mau cheiro do Rio Tâmisa, chamado à época de "Grande Fedor". Foi então que começou a ser esboçado o mais bem-sucedido projeto de despoluição de um manancial da história.

Além do mau cheiro, as epidemias de cólera das décadas de 1850 a 1860 foram fundamentais para que o governo decidisse construir um sistema de captação de esgotos na cidade. Ao todo, foram quase 150 anos de investimentos na despoluição das águas do rio que corta Londres.

A limpeza do rio começou em 1895 e os primeiros resultados apareceram só em 1930. Mas houve um erro na estratégia dos engenheiros: foi criado um sistema de captação do esgoto de Londres que despejava os dejetos quilômetros abaixo de onde o rio cortava a região metropolitana. Por volta de 1950, a mancha de poluição subiu e o Tâmisa voltou a ficar poluído na região do centro londrino.

O governo inglês mudou a estratégia e construiu, em 1952, as primeiras estações de tratamento de esgoto da capital. Já na década de 70, um dos principais sinais de que os resultados estavam sendo alcançados era o reaparecimento do salmão, um peixe sensível à poluição, presente em águas limpas. Ainda hoje, a Thames Water, empresa de saneamento londrina, mantém investimentos em obras para conter a poluição.

Em Pirapora do Bom Jesus, 'garimpeiros' vivem de sujeira do rio
Mulheres e crianças enfrentam espuma tóxica para conseguir renda extra com garrafas PET, plásticos, latinhas
José Maria Tomazela
Moradores de bairros periféricos de Pirapora do Bom Jesus, a 50 quilômetros da capital, enfrentam as águas poluídas e cobertas de espuma do Rio Tietê para garimpar sucata no lixo que desce com a correnteza. Os "garimpeiros do Tietê" são, principalmente, mulheres e crianças de bairros carentes que desafiam o perigo e o risco de doenças para tirar do rio uma renda extra. O material - garrafas PET, plásticos, latinhas de alumínio, metais e embalagens de todo tipo - é amontoado, separado e vendido aos ferros-velhos e empresas de reciclagem. Muita coisa aproveitável, verdadeiros "tesouros" para os moradores, vai parar nos casebres e barracos da vila.

O garimpo de Pirapora é resultado do lixão a céu aberto em que se transformou o Rio Tietê, sobretudo quando atravessa a cidade de São Paulo. A garimpagem ocorre logo abaixo da barragem, onde a água desce em grande velocidade e o turbilhão empurra o lixo para as margens cobertas de pedras. Com o material preso nas rochas, os catadores recolhem aquilo que interessa aos compradores. Quase sempre eles precisam entrar na água fedida e revolver a espuma para resgatar alguma sucata. O PET, principal produto do garimpo, é vendido a R$ 0,35 o quilo. Em um dia bem trabalhado, cada pessoa consegue catar até 30 quilos, o que rende R$ 10,50.

A dona de casa Eva Conceição Nascimento, de 57 anos, conta que toda a sua renda sai do rio. "Não tenho aposentadoria nem outra forma de ganhar a vida." Três dos sete filhos também vivem da sucata do Tietê. "Mas é cada um por si", esclarece. Eva não usa luvas e entra no rio com os pés descalços, apesar das rachaduras no calcanhar que, às vezes, sangra por conta de cortes nas pedras. Quando sai do meio da espuma, ela usa a própria água do rio para lavar as mãos e as pernas, marcadas por uma espécie de óleo escuro. O par de chinelos de dedo também veio do rio. "Achei um pé e guardei. Logo o rio me trouxe o outro pé e formei o par."

O menino Gustavo Henrique, de 12 anos, ajuda a mãe Clenilza Alves da Cunha na garimpagem. Ele já encontrou bolas e brinquedos quase novos. Na quinta-feira, apanhou no meio da espuma um batente de porta em bom estado. "Isso vai lá pra casa." Pedaços de madeira e compensado são úteis para os moradores cobrirem frestas nos barracos. Quando o rio tem bastante espuma, a empresa que administra a barragem liga uma espécie de chuveiro para diluir os flocos. "A gente aproveita para lavar o plástico no chuveirinho", conta o esperto Gustavo.

Outro garoto, Maurício Assalin, de 15 anos, pegou uma geladeira "quase nova" no rio. Ele acredita que o eletrodoméstico rodou com alguma enchente. "Quando inunda em São Paulo, roda muita coisa boa para cá." Parte do dinheiro do garimpo ele entrega para a mãe. "Fico com um pouco para comprar roupa e tomar lanche."

A maioria dos moradores do Bairro da Barragem, um núcleo de barracos e casas simples que sobem pela encosta do vale, vive dessa atividade. O líder comunitário Mário César da Cunha, de 36 anos, trabalha para formar uma associação de catadores. Ele pediu à prefeitura a cessão de um terreno com galpão. "Com um pouco de estrutura, a gente pode conseguir luvas e botas para o pessoal."

Cunha trabalha com a família no garimpo e acredita que, unido, o grupo pode conseguir mais renda. "Se pudermos fazer a separação do material, o potencial de ganho de cada família pode chegar a R$ 600 por mês."

Na Vila das Casinhas, do outro lado do rio, também é feita a coleta. Apesar das condições insalubres do trabalho, Cunha acredita que o garimpo contribui com o meio ambiente. "Tiramos do rio uma parte do lixo que vai poluir mais para baixo." Ele acredita que a coleta se restringe a menos de 10% do que as águas carregam. "Se tivesse jeito de instalar uma tela ou rede no rio, a gente poderia aproveitar melhor o material."

3ª fase prevê coletar esgoto de 400 mil famílias
Sabesp lança em julho nova etapa do Projeto Tietê e quer ajuda do Japão para captar R$ 3 bi em investimentos
Diego Zanchetta
No barraco de 20 metros quadrados da dona de casa Juliana Vitória, de 32 anos, nas ruas de terra do Jardim Presidente Dutra, Guarulhos, um cano com remendos conecta o vaso sanitário ao Córrego Baquirivu, que passa ao lado. "Com as chuvas da semana passada, o rio subiu e a lama entrou na sala, ficou mau cheiro em casa quase dois dias", conta Juliana, mãe de cinco filhos, grávida do sexto.

Às margens do Baquirivu, Juliana vê passar pela janela do quarto parte das 66 toneladas de esgoto produzidas todos os dias por Guarulhos e arrastadas para o Rio Tietê sem tratamento. A família da dona de casa é uma das 400 mil da Região Metropolitana que vivem sem coleta de esgoto.

Na terceira etapa do Projeto Tietê, prevista para ter início em julho e término em 2018, a Sabesp planeja universalizar a coleta de esgoto e atacar a poluição dos afluentes do rio. "Existe uma carga residual de poluição indo para o Tietê por meio de outros rios, poluídos com a descarga de esgoto de casas sem coleta", afirma Gesner Oliveira, presidente da Sabesp.

Gesner diz ter iniciado as negociações com o Japan Bank For International Corporation para conseguir a captação de mais R$ 3 bilhões para os próximos dez anos de intervenções no Tietê. "O que eu posso dizer para o morador da Grande São Paulo, que ainda não vê tantas melhoras no rio aqui na capital, é que o problema da poluição não vai se agravar."

Os trabalhos para a despoluição de 42 córregos da capital já é realizado desde janeiro, numa parceria entre a Sabesp e 18 subprefeituras. No segundo semestre, com o início da terceira etapa do Projeto Tietê, o objetivo é estender a parceria a outras 300 prefeituras paulistas.

CUSTO

Mas mesmo nas regiões da Grande São Paulo atendidas pela rede de esgoto da Sabesp, moradores resistem à conexão, com receio do aumento na conta de água. "Eu já pago R$ 20 de água; se for pagar esgoto também, vai para R$ 40", diz a dona de casa Jeanette Xavier, de 42, moradora do Jardim Japão, zona norte da capital.

Sem a coleta, moradores que ligam suas fossas sanitárias em córregos acabam mais suscetíveis a doenças, afirma o sanitarista Odair Bongiovanni. "O morador acaba ficando rodeado pelo próprio esgoto, em áreas cheias de ratos. E quando esses córregos sobem com toda a poluição, na época das chuvas, quem mais sofre é a própria população, com o risco de contrair leptospirose."

Nas margens do Baquirivu, por exemplo, os moradores do Jardim Presidente Dutra falam da leptospirose como algo tão comum quanto a catapora. "Minha mãe quase morreu no mês passado com a doença desses ratos. Não tem jeito, em toda família existe alguém que já teve leptospirose", afirma o marceneiro Jaime Maximiliano, de 33.

VILÃO

Um dos principais vilões da poluição do Tietê, o Baquirivu sofre todo tipo de agressão, do lançamento do esgoto doméstico de uma população de quase 1,2 milhão de habitantes às pilhas de entulho depositadas nas margens por caçambeiros clandestinos. Depois do Rio Pinheiros, ele é o afluente que mais carrega poluição para o Tietê.

A sujeira do Baquirivu derruba até boi, conta Paulo Monteiro, de 33, caseiro que comanda toda semana a travessia de 52 cabeças de gado pelo córrego. "Tem boi que fica doente depois de passar pela água, mas fazer o quê? Tenho de passar por aqui uma vez por semana", diz Monteiro. A prefeitura de Guarulhos diz que o córrego será canalizado até o fim do ano.

Programa de despoluição vai avançar, diz Serra
José Maria Tomazela
O governador José Serra (PSDB) prometeu que as ações de despoluição do Rio Tietê terão avanço significativo durante seu governo. "Não vou dizer que no fim do meu mandato vai dar para tomar banho no rio, mas o projeto vai avançar e o rio vai ficar bastante limpo", disse, anteontem, em Tatuí.

O governador elogiou a iniciativa do Comitê de Bacias Hidrográficas do Médio-Tietê e Rio Sorocaba de exigir que os municípios também tratem seus esgotos. O protocolo, assinado na semana passada, prevê o afastamento dos esgotos lançados no rio desde Cabreúva até Botucatu, numa extensão de 170 quilômetros.

Serra reconheceu que o Tietê recebe, além dos esgotos, muito lixo lançado na região metropolitana de São Paulo.

O governador lembrou que a sujeira do "ultrapoluído" Rio Pinheiros acaba afetando a qualidade do Tietê e disse que o governo estadual está trabalhando. "Estamos com obras para desviar o esgoto, que é captado para tratamento em vez de ir para o rio", disse. "E também estamos fazendo uma experiência de flotação (processo de despoluição) no Pinheiros."

Rio Pinheiros pode voltar a ter peixe em 2011, calcula governo
Meta depende da construção de estações de flotação e de interceptores para bloquear despejo de esgoto
Bruno Paes Manso
Margeadas por prédios modernos e de alto padrão, cortando uma das regiões mais nobres da cidade, as águas negras e malcheirosas do Rio Pinheiros, que passam pelas zonas oeste e sul da capital, devem estar prontas para a volta dos peixes em 2011. Essa é a estimativa otimista dos técnicos da Secretaria de Saneamento e Meio Ambiente de São Paulo e da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), que prometem até o fim do ano bloquear cerca de 60% de todo esgoto que vem sendo despejado no rio.

Com os 26 quilômetros de interceptores de esgoto construídos ao longo das margens dos Rios Pinheiros e Tietê nos últimos quatro anos, 2 metros cúbicos dos 8 m³ de dejetos despejados por segundo no Pinheiros passaram a receber tratamento. Este ano, 10 quilômetros de interceptores serão construídos e devem bloquear mais 3 m³ de esgoto por segundo. "A despoluição do Pinheiros é fundamental por questões ecológicas, urbanísticas e econômicas", afirma a secretária estadual de Saneamento e Energia, Dilma Pena.

Para que a vida volte às águas do Pinheiros, no entanto, a secretaria ainda precisa construir um sistema de flotação capaz de acelerar a limpeza do rio. A idéia é fazer três estações de flotação - na altura do Cebolão, na Usina de Traição e na Usina Pedreira - com capacidade para limpar um volume de água superior a 40 m³ por segundo. O método exige que o curso do Pinheiros seja invertido, o que significa que o rio passará a desaguar na Represa Billings, em vez de seguir rumo ao Tietê. Com isso, existe a preocupação de que o principal reservatório de água da capital fique ainda mais poluído.

Para evitar problemas com o Ministério Público Estadual, a secretaria realiza testes em duas estações de flotação com capacidade para bombear 10m³ de água por segundo. Os dados obtidos nos testes servirão para o governo aprovar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do sistema de flotação. "A partir do funcionamento do sistema, que ocorrerá entre 2010 e 2011, começam a aparecer os peixes", diz Antônio Bolognesi, diretor de geração da Emae.

Os investimentos estimados para a construção do sistema são de R$ 350 milhões. Mas a reversão do Rio Pinheiros pode render dividendos. Com o projeto, a Usina Henry Borden, na Billings, funcionará com todo o seu potencial, o que significa que produzirá energia adicional para uma cidade de 1 milhão de pessoas. "Os custos da despoluição do rio podem ser cobertos pelo ganho da venda dessa nova energia", afirma Bolognesi.

OESP, 24/02/2008, Metrópole, p. C1, C3-C5

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