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Política para bioindústria desconsidera aspectos socioambientais

ComCiência
03 de Ago de 2006

Política para bioindústria desconsidera aspectos socioambientais

Por Mariana Perozzi

A política nacional para biotecnologia, proposta no mês passado, já recebe críticas. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) ficou fora da discussão. O gerente de recursos genéticos do MMA, Rubens Nodari, em uma primeira avaliação, critica o enfoque excessivamente econômico do documento e a ausência de debate sobre os impactos socioambientais da bioindústria. "O tema biodiversidade não está inserido na proposta. É preciso lembrar que o Brasil é o país mais biodiverso do mundo e que a Food and Agriculture Organization (FAO), das Nações Unidas, declarou em 1999 que 'biotecnologia sem biodiversidade é pura retórica'", diz. Para ele, o documento é um ponto de partida, que precisa ser muito aperfeiçoado, pois, aparentemente, não teve a análise multidisciplinar que o assunto requer. Por transformar a biodiversidade em mercadoria, a biotecnologia é uma área marcada por aspectos técnico-científicos, sociais, econômicos, éticos e ambientais, instigando debates em diferentes setores da sociedade.
A Estratégia Nacional de Biotecnologia foi elaborada com a participação de quatro ministérios, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), da Saúde (MS), da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Representantes do setor empresarial, da academia e da sociedade civil também estão envolvidos.
O documento aponta quais deveriam ser as prioridades e ações do governo no segmento da biotecnologia, a fim de incentivar a competitividade brasileira, aumentar a participação do país no comércio internacional, acelerar o crescimento econômico e criar novos postos de trabalho. O objetivo da Estratégia é traçar condições para o Brasil tornar-se, em 10 ou 15 anos, um dos líderes mundiais na indústria de biotecnologia.
Para que a bioindústria brasileira se torne competitiva, a Estratégia propõe uma revisão na Lei de Propriedade Industrial, defende o aumento do número de depósitos de patentes por empresas biotecnológicas e sustenta que não deve haver interferência de outros órgãos governamentais - como o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen, do MMA) - no processo de concessão de patentes. A expectativa dos proponentes é de que o documento seja assumido como compromisso oficial de governo.
Fernando Mathias e Henry Novion, do Instituto Sócio Ambiental (ISA), argumentam em recente artigo que a proposta ignora prioridades de interesse público e, portanto, não representa uma estratégia nacional. "Além da notável ausência do Ministério de Meio Ambiente (MMA), responsável pela gestão do patrimônio genético no país, o documento pretende tão somente fortalecer o sistema de propriedade intelectual como forma de viabilizar a competitividade do setor privado no cenário internacional", dizem. Nodari, do MMA, também concorda com essa avaliação: "Não está bem explicitado o que é de interesse do país e o que é da indústria".
Os membros do ISA também destacam que a inserção de representantes do setor industrial nos comitês avaliadores de agências públicas de fomento a pesquisa - como prevê o documento - orientaria o perfil dos projetos de pesquisa às demandas da bioindústria e descaracterizaria o próprio papel da produção científica autônoma e de interesse público.
Liberdade para a biotecnologia
Enquanto o MMA e o ISA defendem que a política nacional para biotecnologia contemple os interesses públicos, incorporando as dimensões éticas e socioambientais ao desenvolvimento da bioindústria, a Associação Nacional de Biossegurança (ANBio) propõe uma maior liberdade para o setor. Em documento entregue ao ministro Luiz Fernando Furlan, do MDIC, no mesmo dia em que a Estratégia foi encaminhada ao presidente Lula, a ANBio defende, por exemplo, a liberação das tecnologias de restrição do uso (OGMs de geração de sementes estéreis, como o Terminator), hoje proibidos pela Lei de Biossegurança.
A ANBio também garante que o quorum excessivamente elevado para deliberação da CTNBio representa um gargalo para o processo de avaliação comercial, gerando incertezas para o setor produtivo e a impossibilidade de um planejamento dos investimentos no País. A instituição ainda classifica como "inadmissível" o fato de existirem "posições divergentes, sem sustentação científica e apenas com conotação ideológica, em um contexto de uma Comissão técnica". E afirma que "a biotecnologia, dentro de uma Política de Estado, merece ser vista como uma aliada para a preservação do meio ambiente e não como sua inimiga".
Para a ANBio, a falta de uma Política Nacional de Biossegurança pode inviabilizar a implementação da Estratégia Nacional de Biotecnologia do governo na área da engenharia genética.
Ações específicas
Dentre as ações previstas pela Estratégia Nacional, estão o apoio à produção, na área industrial, de biomassa para produção etanol e biodiesel, hidrólise enzimática para produção de etanol a partir da celulose, e biopolímeros (plásticos biodegradáveis feitos a partir de recursos renováveis, como cana-de-açúcar, milho, batata). Na área de saúde, são alvos as vacinas, hemoderivados, biomateriais (próteses), kit diagnósticos, proteínas recombinantes, novas biomoléculas, fármacos, antifúngicos, antibióticos e antitumorais.
Na agricultura, pretende-se aumentar a produtividade e competitividade dos produtos agropecuários, com a introdução de tecnologias que gerem produtos de alto valor agregado ou inovadores. "Isso evidencia o interesse da bioindústria pelas variedades locais cultivadas por povos indígenas e comunidades locais, na medida em que, devido ao alto grau de adaptabilidade ao ambiente natural, geralmente apresentam genes resistentes a fatores bióticos (doenças) e abióticos (secas), fundamentais para a produção de novas plantas e sementes transgênicas de alto rendimento destinadas ao mercado de commodities agrícolas", afirmam Fernando Mathias e Henry Novion.
Com foco estratégico nas áreas de saúde humana, agropecuária e biotecnologia industrial, a Estratégia prevê, caso seja implementada, investimentos públicos e privados de aproximadamente R$ 7 bilhões, ao longo dos próximos dez anos.

ComCiência, 03/08/2006

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