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Política indigenista - cadê?

RETS-São Paulo-SP
Autor: Mariana Loiola
20 de Set de 2003

Nove meses de um governo que se propõe a atender as demandas de grupos cujos direitos são restringidos ou freqüentemente violados, e nenhuma atenção aos povos indígenas. Esta queixa, que parte da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e de outras organizações indígenas do país, como a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e o Conselho de Caciques do Sul, é a principal motivação da Campanha Nacional e Internacional em Defesa dos Direitos Indígenas. Iniciada no último 26 de agosto, a campanha cobra do governo mais agilidade, clareza e determinação no atendimento das demandas dos povos indígenas do país.

A organização da campanha afirma que, apesar de assumir um compromisso com os povos indígenas durante a campanha eleitoral, até agora, o governo federal não deu sinais sobre qual será a política indigenista que pretende adotar para começar a mudar os inúmeros problemas que atingem os povos indígenas. E pior: o movimento indígena acusa o governo de total ausência de diálogo para a elaboração de uma política de etnodesenvolvimento para os povos indígenas. Enfim, a política adotada pelo governo atual, segundo o movimento, até agora foi de descaso e marginalização a respeito da implementação dos direitos dos indígenas.

"Não queremos ser inimigos do governo, mas estamos muito apreensivos. Esse governo copia os outros, pois em nenhum momento se posicionou quanto à construção de uma política indigenista. A diversidade de população indígena não é levada em consideração. Para outros grupos, como mulheres e negros, até existem diretrizes. Para os povos indígenas não tem nenhum rumo até agora", declara o coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Saterê Mawé.

Um dos pontos mais importantes da campanha - considerada a questão mais grave, de acordo com Jecinaldo - diz respeito às demarcações de terras indígenas. "Pela Constituição, os processos demarcatórios da terra deveriam ter sido concluídos há dez anos. Por causa dessa demora, são freqüentes as invasões de territórios e assassinatos de lideranças indígenas", diz o coordenador. A falta de vontade política é uma dos motivos apontados por Jecinaldo pela morosidade na demarcação das terras indígenas. Outro forte obstáculo é o interesse econômico de grupos políticos que, interessados nas terras, fazem pressão para que o processo de demarcações seja lento. "Esses grupos são anti-indígenas, ligados a fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e seringueiros. Eles querem aprovar projetos para a Amazônia com grandes impactos para os indígenas - como hidrelétricas, estradas e gasodutos - sem nos consultar sobre essas decisões", diz o coordenador. Nessa série de ações de desrespeito às populações indígenas, também está em jogo a preservação da natureza. Jecinaldo ressalta que os indígenas, junto com as unidades de bioconservação, garantem a biodiversidade da região amazônica.

Entre as propostas que integram um programa de etnodesenvolvimento para os povos indígenas está a elaboração de políticas de educação, ambiental e cultural, que atendam às realidades, demandas e aspirações diferenciadas dos povos indígenas. Quanto à questão do território, a campanha reivindica a homologação de todas as terras indígenas com o processo de demarcação já concluído e a formulação de um programa que dê continuidade a esse processo, proteção e sustentabilidade das terras indígenas. Outro ponto importante de reivindicação da campanha é a participação efetiva das lideranças de comunidades e organizações indígenas na elaboração e implementação de qualquer programa ou projeto de desenvolvimento que os afete.

O cronograma para este e para o próximo ano será divulgado somente na ocasião do lançamento oficial da campanha, durante o Fórum Permanente da Coiab, em Manaus, que acontecerá entre os dias 3 a 6 de novembro. Neste primeiro momento da campanha, as organizações envolvidas atuam junto às comunidades indígenas, no Sul, no Nordeste e Norte do Brasil, a fim de prepará-las para conhecerem as reivindicações e para estarem juntas nas futuras manifestações. A campanha pretende ainda alertar a sociedade brasileira, por meio da mídia, sobre o não cumprimento do compromisso assumido pelo governo federal e sobre a real situação dos indígenas. Lideranças indígenas farão viagens à Europa e aos EUA e articularão com instituições internacionais, a fim de que a comunidade internacional também se alie aos indígenas e pressione o governo brasileiro. "Queremos mostrar para o Brasil e para o mundo o que nós sofremos. A cada dia que passa cresce mais a dívida histórica com os índios", diz Jecinaldo.

A nomeação do antropólogo Mércio Pereira Gomes para a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), no último dia 4 de setembro, intensificou a campanha e ocasionou manifestações de lideranças indígenas das diferentes regiões do país, reunidas em Brasília. Os indígenas querem que o governo volte atrás nessa decisão e indicam o líder indígena Antônio Apurinã para a presidência do órgão indigenista. "Nós indicamos Apurinã por ele ter mais conhecimento dos povos indígenas e, por isso, estar mais sensível e apto para o cargo. A sua nomeação seria um pontapé para a construção de uma política indigenista no país", afirma Jecinaldo. Para o coordenador, se não houver investimento e uma verdadeira mudança na Funai, de nada serve a mudança do presidente. "Essa Funai que está aí está sucateada, sem moral, sem estrutura para desenvolver uma política que garanta aos índios o seu território. É preciso tratar esse órgão com responsabilidade. Respeito é o mínimo que nós merecemos", diz.

Para conhecer mais detalhes sobre as propostas das organizações indígenas e outras informações sobre a Campanha Nacional e Internacional em Defesa dos Direitos Indígenas, entre em contato com o escritório de representação da Coiab em Brasília, pelo correio eletrônico coiab@coiab.com.br.

Para complementar esta matéria, tentamos entrar em contato com a presidência da Funai, mas alegaram que o presidente não estava disponível para entrevistas.

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