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Polícia prende brigadistas de Alter do Chão e apreende documentos de ONG

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ambiente
26 de Nov de 2019

Polícia prende brigadistas de Alter do Chão e apreende documentos de ONG
Brigadistas são suspeitos de causar incêndios; coordenador do Projeto Saúde e Alegria diz que ação quer desmoralizar os projetos da Amazônia

João Pedro Pitombo
SALVADOR

A Polícia Civil do Pará cumpriu na manhã desta terça-feira (26) quatro mandados de prisão preventiva contra brigadistas de Alter do Chão, em Santarém, no Pará (a 1.231 km de Belém).

As prisões aconteceram no âmbito da operação Fogo do Sairé, que apura a origem dos incêndios que atingiram a região de Alter do Chão em setembro deste ano.

Ao todo, o fogo consumiu uma área equivalente a 1.600 campos de futebol e levou quatro dias para ser debelado por brigadistas e bombeiros.

De acordo com a Polícia Civil, uma investigação de dois meses apontou indícios de que ONGs, entre elas a Brigada de Incêndio de Alter do Chão, tenham atuado como causadoras do incêndio.

Foram presos Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. Também foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão.

Um dos mandados de busca foi cumprido na sede do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs mais reconhecidas da região e que já recebeu vários prêmios por sua atuação na Amazônia. A ONG é integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais e, na semana passada, ganhou o Prêmio Melhores ONGs do Brasil com outras 99 organizações.

A polícia está na sede da entidade desde o início da manhã vasculhando computadores e documentos.

"É uma situação kafkaniana, um pesadelo. O que a gente percebe claramente é uma ação política para tentar desmoralizar as ONGs que atuam na Amazônia. É muito preocupante", afirma o coordenador do Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino.

Ele afirma que um dos presos pela polícia, que faz parte da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, é funcionário da ONG. "Conheço os meninos da brigada e todos me parecem pessoas extremamente comprometidas", diz.

Em nota, a Brigada de Alter do Chão informou que, desde 2018, tem atuado no apoio ao combate a incêndios florestais, sempre em parceria com o Corpo de Bombeiros. E informou que ainda tenta entender o que motivou a prisão dos brigadistas.

"Estamos em choque com a prisão de pessoas que não fazem senão dedicar parte de suas vidas à proteção da comunidade, porém certos de que qualquer que seja a denúncia, ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros devidamente reconhecida."

A Brigada ainda afirmou que brigadistas desde o início têm contribuído com as investigações policiais e já haviam sido ouvidos na pela Polícia Civil, fornecendo informações e documentos às autoridades policiais de forma voluntária.

A defesa dos brigadistas ainda afirma que não existem requisitos que autorizariam uma prisão preventiva e que atuará para libertá-los da prisão.

O delegado José Humberto Melo Júnior, responsável pelas investigações, afirmou que imagens, depoimentos e interceptações telefônicas apontam para a participação dos brigadistas no incêndio.

"Está muito bem configurada a participação deles no início de alguns incêndios. Eles trabalhavam posteriormente no combate a esses próprios incêndios. E faziam imagens. Com base nessas imagens eles vendiam a organismos internacionais e obtinham lucro aí", afirmou o delegado.

Segundo o delegado, uma das provas de que os brigadistas estariam no local no início do incêndio foi um vídeo publicado por eles mesmos na plataforma Youtube. "Eles publicaram uma imagem de um local onde estão só eles e o fogo começando".

Ainda de acordo com José Humberto melo Júnior, a partir dos incêndios, a brigada obteve um financiamento de R$ 300 mil, mas teria declarado publicamente apenas o recebimento de R$ 100 mil. "Estamos querendo saber para onde foi o restante desse dinheiro".

As doações seriam sido feitas por meio da s ONG Aquífero Alter do Chão e Projeto Saúde & Alegria, que repassavam à brigada de incêndio em forma de prestação de serviços.

Ele ainda citou contratos destas entidades com a ONG WWF-Brasil, que teria comprado fotos dos incêndios por R$ 47 mil. Essas fotos teriam, segundo o delegado, sido usadas para obter doações internacionais, inclusive uma de 500 mil dólares do ator Leonardo Di Caprio.

Questionado se os recursos doados foram usados no combate ao incêndio ou usados de forma pessoal pelos brigadistas, o delegado afirmou que "tudo isso está sendo avaliado" e que a investigação "ainda está muito no início".

"Podem surgir outras pessoas e outras linhas de investigação", diz o delegado. Questionado sobre as prisões preventivas, afirmou que estas foram pedidas porque havia "um corpo probatório muito robusto".

Com cerca de 6.000 habitantes, o balneário Alter do Chão é um dos principais destinos turísticos da Amazônia e chega a reunir até 100 mil visitantes na alta estação.

É conhecida por suas águas cristalinas, pelas áreas de floresta e pela forte influência da cultura indígena. Desde meados dos anos 1990, passou a atrair todos os anos hordas de turistas, sobretudo de São Paulo.

Os recentes incêndios, contudo, acenderam o alerta da comunidade e das autoridades para uma possível nova ofensiva sobre áreas de proteção ambiental deste paraíso amazônico.

Conforme reportagem publicada pela Folha nesta segunda-feira (25), o balneário vive um cenário de devastação de áreas de proteção ambiental, pressão imobiliária e disputas em torno de uma legislação que permitiria a construção até de edifícios nas margens do rio Tapajós.

O Ministério Público Federal suspeita que um dos focos dos incêndios tenha começado em área invadida por grileiros nas margens do Lago Verde, em uma região conhecida como Capadócia. A área foi alvo de ocupações irregulares nos últimos anos, quando tentaram erguer no local um loteamento privado.

Nas margens do rio Tapajós, a área de proteção ambiental tem 86% da sua área coberta pela floresta e pelo cerrado amazônico, bioma considerado fundamental para o ecossistema da região. Ali, existem 475 espécies de árvores e mais de 500 espécies de animais, incluindo algumas ameaçadas de extinção como a onça-pintada e o maracajá-peludo.

As queimadas não são incomuns nas regiões de cerrado amazônico, pois o cerrado possui uma vegetação rasteira e mais seca do que da floresta. Especialistas, contudo, atestam que os focos de incêndio são, necessariamente, resultado da ação humana, seja ela dolosa ou acidental.

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