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Polêmica no IPCC 'faz parte do jogo'

Valor Econômico, Internacional, p. A13
30 de Set de 2013

Polêmica no IPCC 'faz parte do jogo'

Por Daniela Chiaretti
De Londres

O mais importante diagnóstico sobre mudança do clima sequer havia sido aprovado na semana passada, em Estocolmo, para os céticos da ciência feita pelo Painel Intergovernamental de Mudança Climática (o braço científico da ONU mais conhecido pela sigla em inglês IPCC) aproveitarem as brechas de incerteza e polemizarem sobre o estudo. "Isso faz parte do jogo", avalia Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). "A análise do IPCC precisa ser sustentável do ponto de vista científico e analisar a melhor ciência que existe sobre o assunto na época em que o relatório é feito. E é muito importante que este processo busque opiniões divergentes".
"Existe aí um ponto muito importante e sutil: o fato de ser científico significa que as evidências científicas que se têm naquela hora indicam que é daquele jeito. E às vezes isso é apontado como uma contradição ou que não se tem certeza absoluta", prossegue Brito, o único cientista brasileiro a participar do comitê internacional convocado para analisar, em 2010, o grau de solidez dos procedimentos do IPCC. "Certeza absoluta ninguém nunca tem de nada. A ciência está sempre progredindo ou avançando. Essa é uma das razões porque em ciência é tão importante publicar resultados e vê-los criticados ou confirmados por outros cientistas. Agora, isso não é sinônimo de ser criticado pela opinião de outros cientistas, mas por cientistas que fizeram ciência sobre aquilo", prossegue. "Ciência não é um fato de opinião".
Cada relatório do IPCC leva quatro ou cinco anos para ser produzido. O resultado não é um compêndio de novas descobertas científicas, mas um grande resumo dos estudos de centenas de cientistas feitos no mundo todo, sobre o aumento da concentração de gases-estufa na atmosfera, o impacto nos oceanos, o quanto derreteram as geleiras, quão frequentes serão as secas e inundações no futuro. Os relatórios exibem os pontos de consenso e são revistos por outros pesquisadores, no mundo todo.
Na coletiva de imprensa que lançou o "Sumário para Formuladores de Políticas Públicas" do 5o relatório do IPCC, o indiano Rajendra Pachauri, presidente do órgão, revelou alguns números desta edição: 14 capítulos sobre a ciência do clima, 209 autores e 50 revisores de 39 países, mais de 2 milhões de gigabytes de dados, mais de 9.200 publicações científicas citadas, mais de 50 mil comentários nos dois rascunhos do documento.
"Uma coisa que os cientistas, principalmente os do IPCC, precisam tomar cuidado é que não se pode ir muito rápido da conclusão do aumento do gás carbônico para a conclusão catastrófica", recomenda Brito. "Muitas vezes já aconteceu, na história do planeta, de o clima ter ficado mais quente ou mais frio por outras razões, são muitos os fatores que afetam o clima". Por isso, ele lembra que, "do ponto de vista da ciência é importante sempre manter um grau saudável de ceticismo e de cuidado ao analisar os resultados. Não é bom o cientista virar militante".
"Descobrir que existe o aumento da concentração dos gases de efeito estufa e que isso pode ter consequências desagradáveis para a Humanidade é uma das maiores descobertas da ciência dos últimos tempos", avalia.
Em 2010, o InterAcademy Council (IAC), organização que reúne as academias de ciências de vários países, recebeu da ONU a tarefa de rever processos e procedimentos do IPCC, depois que dois erros do 4o relatório vieram à tona questionando a reputação do estudo. Um deles, resultado da ação de hackers nos computadores de uma universidade britânica, sugeriu que alguns cientistas haviam manipulado informações. O outro era sobre previsões exageradas do derretimento das geleiras do Himalaia.
Embora tenham sido apenas dois escorregões em centenas de páginas de observações científicas e conclusões, a integridade do relatório e do próprio IPCC ficou abalada. O relatório do comitê concluiu que os procedimentos do IPCC eram bons, mas fez recomendações sobre governança, funções, processos e enfatizou a valorização de ideias contraditórias.
A jornalista viajou a Londres a convite da Fapesp

Valor Econômico, 30/09/2013, Internacional, p. A13

http://www.valor.com.br/internacional/3287736/polemica-no-ipcc-faz-part…

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