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Plantar árvores só não basta

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: RICARDO, Beto; ROCHA, Ricardo Salgado
06 de Ago de 2007

"Plantar árvores" só não basta

Beto Ricardo e Ricardo Salgado Rocha

Após a divulgação recente dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na sigla em inglês) sobre o agravamento da situação do clima em conseqüência do aquecimento global, com ampla cobertura na mídia e sensibilização da opinião pública brasileira, se multiplicam iniciativas de empresas e de outras instituições anunciando a "neutralização" das suas emissões de gases de efeito estufa. "Carbono neutro" tornou-se uma grife concorrida.
É indispensável que pessoas, empresas, outras instituições e governos adotem práticas sustentáveis e medidas concretas para reduzir ou compensar as emissões. Há iniciativas positivas que podem contribuir para atenuar a crise climática, e é louvável que essas medidas e seus resultados sejam divulgados e reconhecidos.
Porém, aqueles que têm compromisso com a causa climática, e não só uma intenção de marketing fácil, não precisam e não devem recorrer a afirmações falsas, como a de que "neutralizaram" as suas emissões sem que isto já tenha efetivamente ocorrido. O plantio de árvores é uma das alternativas para compensar emissões.
Mas, se uma empresa emite gases queimando combustíveis fósseis, tais emissões contribuirão imediatamente para o aumento da concentração, já excessiva, desses gases na atmosfera.
E o crescimento das árvores seqüestrará carbono lentamente, no decorrer de décadas, até que elas atinjam a sua idade madura.
Portanto, nesse caso, a compensação de emissões só ocorrerá no longo prazo, enquanto estas terão ocorrido de imediato. Qualquer incidente que aconteça nesse período, de modo a comprometer o crescimento das árvores, implicará a não-compensação das emissões já realizadas.
Assim, projetos de reflorestamento que visem à compensação de emissões precisam ser monitorados durante todo o período de crescimento das árvores, e somente ao final se poderá afirmar que a compensação, ou "neutralização" das emissões passadas, efetivamente se deu.
E se o plantio não gerar uma floresta capaz de se reproduzir naturalmente, em algum momento as árvores, mesmo crescidas, morrerão, e o carbono seqüestrado retornará à atmosfera à medida que sua massa florestal se decompuser ou de imediato, caso essa massa seja queimada. Somente florestas permanentes podem repor a massa vegetal perdida com a morte das espécies mais antigas.
Embora qualquer iniciativa que contribua para atenuar a crise climática seja positiva, incluindo o plantio de árvores, a eventual publicidade enganosa que afirme uma "neutralização" de emissões não ocorrida prestará um desserviço à causa. Se vier a ser objeto de denúncia, produzirá efeito negativo para a credibilidade dos envolvidos e a formação de consciência social relativa a essa crise.
Empresas e instituições que decidam contribuir para o combate ao efeito estufa precisam mais do que de uma estratégia de marketing e não podem se limitar à execução de projetos pontuais ou delegar sua responsabilidade a terceiros.
Devem construir parcerias de longo prazo, pois longo será esse combate, e definir políticas permanentes, visando reduzir suas emissões, compensar aquelas que não sejam passíveis de redução imediata e mobilizar fornecedores e clientes para que façam o mesmo, despoluindo cadeias produtivas, sistemas de serviços e redes de cooperação a que pertençam.
Para tanto, podem e devem recorrer ao plantio de árvores e contribuir para agregar outros valores socioambientais, melhorar as condições de vida dos que participam desse trabalho e prestar mais serviços ambientais, como proteger fontes e cursos d'água, a biodiversidade, o solo, a qualidade do ar. O clima depende desses valores e serviços, e a concentração de gases estufa é só uma de suas dimensões.
Devem, ainda, considerar outros projetos, como erradicação de lixões, substituição de pastagens, economia de energia, simplificação de embalagens e tantos mais que possam potencializar ou complementar os efeitos.
O Instituto Terra e o Instituto Socioambiental se dispõem a somar forças com empresas e instituições parceiras para compartilhar tais políticas e os desafios e resultados do trabalho que desenvolvem em várias regiões do país. A gravidade da crise climática exige esforços adicionais e continuados, alianças ampliadas, responsabilidades compartilhadas e, sobretudo, uma abordagem mais holística e menos segmentada do mundo que queremos deixar a nossos descendentes.

Beto Ricardo, 57, antropólogo, é diretor do ISA (Instituto Socioambiental).

Ricardo Salgado Rocha, 50, engenheiro, é superintendente-executivo do Instituto Terra.

FSP, 06/08/2007, Tendências/Debates, p. A3

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0608200708.htm

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