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Plano prevê remoção de 30 mil famílias

OESP, Metrópole, p. C7
07 de Mar de 2007

Plano prevê remoção de 30 mil famílias
Estado e Prefeitura anunciam projeto para preservar represa; lojas de material de construção serão fechadas

Eduardo Reina

As Secretarias do Meio Ambiente do Estado e do Município anunciam hoje um plano de ação para a retirada de mais de 30 mil famílias do entorno da Represa Guarapiranga, zona sul. Para impedir novas ocupações no manancial que abastece 25% da capital, Estado e Prefeitura vão fechar casas de material de construção e de fabricação de blocos de cimento. O plano inclui a abertura de processo criminal contra vereadores, deputados e candidatos a cargos eletivos que usam invasões para obter votos; fiscalização de imobiliárias e loteadores ilegais; urbanização de favelas; e construção de rede de esgoto em bairros mais antigos.

Nas ações de repressão, as secretarias terão o apoio da Polícia Militar Ambiental, da Polícia Civil e da Guarda Civil Metropolitana (GCM). O Município se comprometeu a criar uma guarda ambiental, com cerca de 200 integrantes da GCM.

"A polícia ambiental, reforçada pela Polícia Militar e a guarda ambiental, vai orientar os moradores na Guarapiranga. Não queremos novas ocupações. A ação será ostensiva, de constrangimento mesmo", explicou o secretário de Estado do Meio Ambiente, Francisco Graziano. Ele fará hoje o anúncio de programa, de 22 itens, para desocupar parte das áreas invadidas do manancial. Além de Graziano, o secretário municipal do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, integra o comitê gestor que desenvolverá as atividades.

A intenção do poder público é frear o crescimento populacional e a construção de casas nas áreas de mananciais. A ação é considerada estratégica. É da Guarapiranga que saem 14 mil litros por segundo de água para abastecer 3,7 milhões de pessoas na zona sul e no município de Taboão da Serra. São 1,5 milhão de pessoas que moram nas regiões das Subprefeituras de Capela do Socorro, Parelheiros e M'Boi Mirim. A população que vive em áreas de risco ou muito perto da represa e afluentes chega a 86 mil pessoas.

As famílias que serão removidas moram numa faixa de 30 a 50 metros do espelho d'água. "Vamos retirar também famílias em áreas impróprias, de risco e de fundo de vale. A remoção será feita em parceria com a Secretaria de Habitação, encarregada de construir moradias em outros locais", disse Graziano.

O cerco aos loteadores, segundo o secretário, será efetuado pelas Subprefeituras de Capela do Socorro, M'Boi Mirim e Parelheiros. Elas já têm um levantamento das casas de venda de material de construção e fabricantes de blocos de concreto que serão fechadas.

O Estado já começou a identificar os políticos com base eleitoral na área. "Esses candidatos usam o chamado kit-barraco, que é madeira e telha para construir barraco. São incitadores do crime", disse Graziano, sem citar nomes.

Para apoiar a ação policial, o governo do Estado promete criar uma delegacia do meio ambiente no local. O trabalho deverá ter suporte do Procon, na análise de contratos de venda de lotes ilegais.

A Sabesp aguarda liberação de financiamento do Banco Mundial para urbanizar algumas favelas na Guarapiranga, onde moram mais de 90 mil famílias. As casas despejam o esgoto na represa, sem nenhum tipo de tratamento. O projeto foi orçado em cerca de R$ 200 milhões. Em 22 de março, o governador José Serra e o prefeito Gilberto Kassab devem ir ao Parque do Guarapiranga assinar a parceria.

Cronologia

1960: o entorno da represa abriga 43.118 habitantes. A Guarapiranga recebe mais água com a reversão do curso dos Rios Capivari e Monos. Torna-se a principal fornecedora de água da cidade

1970: a população se multiplica. São 192.916 pessoas. O prefeito Figueiredo Ferraz impõe restrições às construções no local e cria a Z-8. A Assembléia aprova a legislação de proteção aos mananciais

1980: no entorno da Represa Guarapiranga, moram 466.653 pessoas. Começam a surgir reclamações do mau cheiro das águas. Surgem também os primeiros planos de combate à poluição crescente, como o uso de tilápias que se alimentam das algas, apontadas como responsáveis pelo odor

1990: o Censo constata a presença de 650.266 pessoas nos bairros da Guarapiranga Prefeitura e Estado firmam o primeiro convênio de vigilância conjunta. Plano de reforma da represa, de US$ 228 milhões, é anunciado

2000: a população local não pára de crescer. São 818.288 habitantes. Leis de proteção aos mananciais são reformuladas. Prefeitura e Estado decidem novamente criar uma fiscalização conjunta

Tombado iate clube na represa

O Iateclube Santapaula, às margens da Represa Guarapiranga, e todo o entorno das avenidas Robert Kennedy e Berta Waitman foram tombados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Compresp). O despacho foi publicado ontem no Diário Oficial da Cidade.
O iate clube é um dos poucos resquícios da época em que a Guarapiranga foi pensada como um balneário refinado de São Paulo. Adquirido na década de 60 pela Santapaula Melhoramentos, o terreno abrigava a antiga estrutura do Grande Hotel Interlagos, um centro de convenções e de lazer. A empresa contratou os arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi para projetar o clube náutico.
O despacho tomba não só a sede social do clube mas também o túnel de ligação entre o prédio principal e a garagem dos barcos, a própria garagem e a rampa de acesso à represa, todos com indicação de preservação integral. Três quadras inteiras e todos os lotes às margens da Guarapiranga passam a ter restrições construtivas. S.D.

Especialistas duvidam da viabilidade da proposta

A geógrafa Eliza Miranda, autora de uma tese de doutorado pela Universidade de São Paulo que propõe soluções para a Guarapiranga, questiona o fato de o plano ficar restrito às secretarias do Ambiente. "Além de ser cínico e autoritário, sem diálogo com o setor de habitação, não se faz nada. Vamos esconder os problemas sociais atrás de mananciais verdinhos."

As propostas da geógrafa previam a criação de parques nas margens e verticalização com prédios de quatro andares. "Áreas vazias são muito mais difíceis de serem preservadas. É preciso usar as pessoas que vivem ali em um modelo de desenvolvimento sustentável e em uma urbanização moderna."

A coordenadora do Instituto Socio-Ambiental (ISA), Mariussa Whately, também se preocupa com a questão habitacional. "Fico com ressalvas se há viabilidade de exercer a remoção das 30 mil famílias. Também é preciso ocupar áreas desapropriadas com verde e lazer."

Uma remoção cuidadosa, que mantenha as famílias na região, também é defendida pela presidente do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular Campo Limpo (CDHEP), Célia Cymbalista. "Tirar as famílias das áreas de risco pode ser interessante, até porque elas não moram bem. Mas tem de ser uma remoção digna."

Segundo Mariussa, a ocupação urbana irregular da área, que equivale a 17% da Bacia da Guarapiranga, sendo menor do que as de atividades comerciais como a agricultura e mineração com 42% da ocupação. "Estas áreas também precisam ser regularizadas."

A coordenadora do ISA disse que 160 entidades entregaram a Carta de Guarapiranga com propostas para o secretário do Meio Ambiente, Francisco Graziano.

OESP, 07/03/2007, Metrópole, p. C7

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