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Plano prevê assentar 400 mil famílias até 2006

OESP, Nacional, p. A4
22 de Nov de 2003

Plano prevê assentar 400 mil famílias até 2006
Ao anunciar as metas do governo, Rossetto garante que "dinheiro não será problema"

Fabíola Salvador

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, anunciou ontem o Plano Nacional de Reforma Agrária do governo, com metas ambiciosas para serem cumpridas até o fim do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: assentamento de 400 mil famílias - ou mais de 1,5 milhão de pessoas - e concessão de crédito fundiário a outras 130 mil famílias. O primeiro desafio é ampliar de R$ 630 milhões para R$ 2,4 bilhões o orçamento para o setor em 2004. Tarefa que Rossetto, otimista, considera viável, por se tratar de "uma prioridade do governo Lula".
Em entrevista depois da reunião de Lula com integrantes do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, Rossetto sustentou que os recursos para o Plano Nacional de Reforma Agrária estão assegurados. "O dinheiro não será problema", disse. "Estamos diante de um momento de extrema importância para o País. O plano responde à demanda do País de construir uma reforma agrária qualificada."
Recursos - Ele deixou claro que não considera definitiva a previsão orçamentária de 2004 para obtenção de terra e pagamento do primeiro crédito para investimento nos assentamentos, de R$ 630 milhões, suficientes para assentar apenas 30 mil famílias. "Seguramente vamos quadruplicar nosso orçamento", garantiu. Se isso ocorrer, esse valor chegaria a R$ 2,54 bilhões, que daria para assentar 115 mil famílias.
"Há um posicionamento do presidente Lula e do conjunto do governo para assegurar esses recursos", afirmou. "O assunto foi amplamente debatido no governo, inclusive em todos os aspectos financeiros", disse, numa referência à concordância do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, com a proposta. Por duas vezes, Rossetto interrompeu a entrevista para falar com Lula ao telefone.
A expectativa do ministro é de que o Plano Nacional de Reforma Agrária reduza a violência no campo, que aumentou no último ano, apesar da promessa de reforma agrária feita pelo governo Lula. "Com o plano, estamos seguros de que produziremos um ambiente que vai gerar trabalho, dignidade, cidadania e paz. Também vamos organizar a agenda da produção e da renda", afirmou.
O plano foi elaborado de forma coletiva, afirmou Rossetto, ao ressaltar a importância da participação de movimentos sociais e de sindicatos nas discussões para implementação das medidas a partir de agora. "Ao elaborar o plano, o governo está atendendo às reivindicações dos movimentos sociais", disse "É o resultado de um processo coletivo de construção que estamos produzindo há vários meses e que vem sendo aperfeiçoado."
Rossetto garantiu que os conceitos fundamentais da proposta do professor Plínio de Arruda Sampaio estão reunidos no plano apresentado ontem. Ele explicou que a proposta de Arruda Sampaio previa assentamento de 600 mil famílias até 2006. Para 2007, o professor projetava assentar 400 mil famílias. "Nossa proposta é a de assentar 530 mil famílias até 2006, portanto, os números são muito próximos."
Números - O ministro retificou as metas de reforma agrária fixadas para o período de 2003 a 2006. A meta é assentar 400 mil famílias no período e dar crédito fundiário para outras 130 mil. No total, serão beneficiadas 530 mil famílias. Para 2007, a previsão do governo é de assentamento de 150 mil famílias e liberar crédito fundiário para outras 37.500, somando 187.500 famílias.
Para cumprir as metas, Rossetto explicou que a responsabilidade não será apenas do Ministério de Desenvolvimento Agrário, pois sua equipe vai trabalhar em conjunto com outros ministérios. O ministro citou como um exemplo de parceria o programa de eletrificação dos assentamentos. Os recursos para levar energia elétrica aos assentados sairão do Projeto Luz para Todos, do Ministério das Minas e Energia.
Renegociação - Ontem, Rossetto informou que o Conselho Monetário Nacional (CMN) deve aprovar, em sua reunião de novembro, a prorrogação do prazo para renegociação das dívidas dos agricultores familiares e assentados. O prazo para renegociação terminará em 28 de novembro e será prorrogado, após aprovação do CMN, para 30 de março de 2004.
Segundo o ministro, problemas operacionais impediram os produtores de renegociarem as dívidas. Ele estimou que cerca de R$ 3,2 bilhões em dívidas poderão ser renegociadas. A ampliação do prazo de renegociação pode beneficiar até 250 mil produtores, 60% no Nordeste. A maior parte dos financiamentos foi feito no Banco do Nordeste, no Banco do Brasil e no Banco da Amazônia.

Sem-terra e ruralistas recebem anúncio do governo com reservas
Entidades pró-reforma agrária queriam compromisso de assentar 1 milhão de famílias
Roldão Arruda
Entre os representantes dos ruralistas e os dos movimentos de defesa da reforma agrária, as metas anunciadas pelo governo Lula foram recebidas com reservas. Os sem-terra esperavam que o governo se comprometesse a assentar pelo menos 1 milhão de famílias.
Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), d. Tomás Balduíno acha que o número anunciado pelo governo pode ser considerado apenas um bom começo.
"Pode-se dizer também que é um bom estímulo para continuarmos brigando por uma reforma muito mais ampla, para milhões de pessoas, capaz de atingir, por meio do campo, todo o modelo social, político e econômico deste País."
Segundo João Paulo Rodrigues, da direção do Movimento dos Sem-Terra (MST), as organizações sociais vão monitorar os passos do governo, sem descartar a possibilidade de continuar promovendo ocupações de propriedades para fazer o processo andar mais rapidamente.
Custo - O presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Antonio Ernesto De Salvo, dividiu os seus comentários sobre o anúncio do governo em duas partes. "Como presidente da CNA, não vejo problema, desde que se faça tudo dentro da ordem jurídica, com respeito à propriedade", disse. "Como cidadão e contribuinte, tenho dúvidas quanto ao caminho escolhido. Acho um número ambicioso e que vai custar muito caro à sociedade, considerando o custo de R$ 30 mil por assentamento, podendo chegar a R$ 50 mil quando se somam todas as despesas da reforma. Além disso, já se sabe em todo o mundo que a pequena propriedade só sobrevive à custa de subsídios - o que significa investimentos por muito tempo."
Contramão - Para De Salvo, a aposta do governo na reforma, está na contramão do processo de desenvolvimento agrícola que se verifica em outros países, onde a propriedade é mais concentrada do que no Brasil. Ele lembrou que enquanto as terras brasileiras estão divididas entre 4 milhões de proprietários, as dos Estados Unidos são controladas por 1,9 milhão. Somadas, as terras da Argentina, do Canadá e da Austrália tem 600 mil proprietários.
"Para ter uma idéia do que o governo está anunciando, poderíamos dizer que corresponde à distribuição de mais de um quarto do número de propriedades nos EUA." Na outra ponta, d. Tomas Balduíno avalia que a reforma agrária no Brasil só seria efetiva se atingisse 4,5 milhões de famílias.

Início da reforma fica longe de metas anunciadas
Apesar das metas ambiciosas do governo para os próximos três anos, anunciando o assentamento de 400 mil famílias, o início de suas ações na área da reforma agrária foi lento. A proposta inicial de assentar 60 mil famílias neste ano já foi reduzida para 30 mil e existe a possibilidade de não ser alcançada. Até o fim de outubro só haviam sido assentadas 21.691 famílias - a maior parte delas em assentamentos planejados pelo governo anterior.
De acordo com a série histórica de números divulgada ontem pelo Incra, se as metas forem alcançadas, o presidente Lula vai superar a média anual de assentamentos registrada no governo de Fernando Henrique Cardoso (veja quadro). Será um salto considerável de 65 mil para 110 mil.
Uma curiosidade da série apresentada pelo Incra é a diferença em relação aos números divulgados pela mesma instituição durante os oito anos do governo FHC. Há uma subtração de pelo menos 80 mil assentamentos. De acordo com explicações de técnicos da instituição, foram depurados das estatísticas números de terras que haviam sido apenas regularizadas e figuravam como assentamentos, assim como as áreas compradas com recursos do Banco da Terra.

OESP, 22/11/2003, Nacional, p. A4

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