VOLTAR

Plano: especialistas criticam emenda que flexibiliza ocupação de encostas

O Globo, Rio, p. 17
29 de Jun de 2010

Plano: especialistas criticam emenda que flexibiliza ocupação de encostas
Coordenadora de laboratório alerta para situação de fragilidade dos morros

Luiz Ernesto Magalhães

A emenda proposta pelo prefeito Eduardo Paes ao novo Plano Diretor da cidade, permitindo a abertura de ruas e a construção de condomínios em encostas, voltou a criar polêmica entre especialistas. Desta vez, as críticas partem do Laboratório de Geo-Hidroecologia do Departamento de Geografia da UFRJ (GeoHeco). A coordenadora do GeoHeco, Ana Luiza Coelho Netto, disse ontem que os deslizamentos provocados pelos temporais de abril mostram o quanto estão frágeis as encostas do Rio.

A proposta da prefeitura permite que novas ruas sejam abertas a partir da chamada cota 60 (calculada a partir do nível do mar), exceto em alguns bairros da Zona Oeste, onde a restrição se dá a partir da cota cem (acima da qual nenhuma construção é permitida). Na prática, as restrições fazem com que apenas casas sejam construídas em encostas.

Ana Luiza mapeou os 71 pontos de deslizamentos de encostas em abril no Maciço da Tijuca. Na metade deles, constatou a existência de estradas próximas cujo sistema de drenagem não conseguiu dar conta da enxurrada.Com isso, o processo de erosão do solo se intensificou, causando deslizamentos que atingiram não apenas comunidades carentes (como o Morro do Escondidinho, em Santa Teresa, e o Laboriaux, na Rocinha), como áreas nobres no Alto Gávea.

Estudo: temporais de abril não foram os piores
Os dados do levantamento foram apresentados num congresso internacional de geologia com países de língua portuguesa, realizado na semana passada no campus do Fundão. No estudo, Ana Luiza contesta, com base em informações pluviométricas, a tese de que os temporais de abril foram os piores da cidade.

Segundo ela, a enchente que arrasou a Baixada de Jacarepaguá em 1996 foi pior, embora a deste ano tenha causado estragos mais generalizados.

Naquele ano, choveu cerca de 400 milímetros em 24 horas.

No temporal de abril, foram registradas precipitações semelhantes em pluviômetros instalados no Sumaré (473 milímetros), na Rocinha (407 milímetros) e no Jardim Botânico (387 milímetros), mas num intervalo de 72 horas.

- A drenagem de estradas localizadas nas encostas foi projetada apenas com a preocupação de que a água escoe da pista. Não foram implantadas redes de tubulações para que a água que desce das montanhas escoe diretamente para um rio. A drenagem superficial faz com que a água desça pela encosta, facilitando a erosão.

Mesmo se as novas construções forem feitas respeitando essas (novas) regras, temos um passivo que pode criar problemas - disse a professora.

O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ também critica a proposta da prefeitura. Em março, o ex-diretor do Ippur Adaulto Lúcio Cardoso e dois colegas divulgaram um documento criticando o processo de tramitação do Plano Diretor.

O motivo foi a falta de audiências públicas para discutir novas emendas apresentadas pelo governo municipal.

- A sociedade não sabe o que está sendo discutido. Cabe prever a ocupação de encostas no Plano Diretor? Claro que sim. Mas era preciso que o governo apresentasse um mapa de risco atualizado, identificando desde já os pontos que podem ser liberados ou não para construção.

Isso não foi apresentado - diz Adauto.

Vereador: objetivo é mudar ocupação do Alto
Na semana passada, o secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, alegou que a mudança teria como objetivo apenas padronizar a legislação. Disse ainda que nenhum projeto seria liberado sem análise de impacto ambiental e urbanístico. Apesar da emenda aparentemente ter o apoio da maioria dos integrantes da comissão de revisão do plano na Câmara dos Vereadores, o líder do governo, Adilson Pires (PT), admitiu que o texto é genérico demais. Segundo ele, o interesse do governo seria flexibilizar a legislação para mudar o perfil de ocupação do Alto da Boa Vista, onde predominam grandes mansões, por ser proibido abrir ruas acima da cota 60.

- Pessoalmente, defendo que as áreas onde se deseja de fato a redução de cota sejam identificadas no Plano Diretor.

Isso evita especulações, como a de que a prefeitura está interessada em construir casas nas encostas do Cosme Velho.

Mas ainda vou conversar com o prefeito - disse Adilson.

O Globo, 29/06/2010, Rio, p. 17

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.