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Plano do governo federal para pôr fim aos conflitos não saiu do papel

O Globo, O País, p. 4
27 de Fev de 2005

Plano do governo federal para pôr fim aos conflitos não saiu do papel
Violência No Campo: Verbas Para A Área Foram Reduzidas Em 8,34% este ano
Proposta de criação divulgada em abril de 2003 ainda aguarda oficialização

Jailton de Carvalho e Evandro Éboli

BRASÍLIA E ALTAMIRA (PA). Depois do assassinato da freira Dorothy Stang, o governo federal começou a correr contra o tempo para diluir os focos de conflito no campo. Mas parte desse esforço poderia ser dispensado se o programa de combate à violência no campo tivesse sido implementado. A proposta de criação do programa foi divulgada em abril de 2003, mas não saiu do papel e sequer foi lançada oficialmente.

Este ano o governo reduziu em 8,34% as verbas destinadas ao Paz no Campo, com iniciativas destinadas à redução de conflitos agrários. O governo reservou R$4,182 milhões para medidas do Paz no Campo. Esse valor é R$380 mil menor que os R$4,563 milhões de 2004. Os dados constam de um levantamento feito no sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) por técnicos da liderança do PFL na Câmara.

"O plano está sendo construído," disse Rossetto

Quatro meses depois de tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixou um decreto criando a Comissão de Combate à Violência no Campo, presidida pelo secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e coordenada pelo ouvidor agrário, Gercino José da Silva Filho. A comissão deveria se reunir a cada 15 dias e elaborar a política de prevenção de conflitos. O calendário não foi cumprido e o Plano Nacional de Combate à Violência no Campo sequer foi concluído.

O ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) negou que o plano de combate à violência esteja na gaveta.

- O plano está sendo construído - disse Rossetto.
Mas Gercino reconhece que há dificuldades para implementar as medidas necessárias para conter os conflitos agrários. Responsável pela elaboração desse plano, Gercino atribui os problemas ao fato de que as ações para conter a violência no campo dependem de parcerias com os estados e com outros poderes. Previsto para ser anunciado em 2004, o Plano Nacional de Combate à Violência no Campo deverá ser apresentado em março.

O ouvidor agrário afirmou que, apesar das dificuldades, várias ações do plano já foram postas em prática, como a criação de varas agrárias, ouvidorias e promotorias. Mas ele reconhece que o número dessas unidades ainda é insuficiente. Gercino disse que, mesmo com todos os problemas, o Pará, estado com os piores índices de violência no campo, já conta com vários desses órgãos.

Plano prevê criação de ouvidorias e promotorias
O Plano Nacional de Combate à Violência no Campo prevê 31 ações, que vão desde a criação das varas, ouvidorias e promotorias a ações como desarmamento em áreas de conflitos e criação de polícias judiciárias. O ouvidor encontra problemas até dentro do próprio governo para executar o plano. Uma das ações prevê a fiscalização da atuação das empresas de segurança particulares em imóveis rurais. Essa fiscalização deveria ser da Polícia Federal. Mas Gercino afirmou que a PF apenas informa se essas empresas estão legais ou não no mercado.

O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Raul Jungmann reclama da falta de verbas para o setor, mas acha que o problema vai além.

- A reforma agrária tem que ser descentralizada. Enquanto governadores e prefeitos não se sentirem responsáveis pela reforma agrária, vamos viver essa agonia lenta - disse.

Foco de Tensão em Pernambuco
Número de invasões aumenta todos os anos, diz CPT

TRACUNHAÉM (PE). Quando o assunto é conflito agrário, Pernambuco está para o Nordeste como o Pará para a região Norte. Em Camutanga, a 113 km de Recife, na região da Zona da Mata, os presidentes dos sindicatos de trabalhadores rurais só fiscalizam o cumprimento de obrigações trabalhistas andando em grupos, com medo de morrer. O presidente do sindicato local, Waldecir José da Silva, justifica:

- Um é fácil matar, mas nove ficam de testemunha. Se matar todos é um escândalo.

Embora o maior foco de tensão social seja na Zona da Mata, onde se concentra a agroindústria açucareira, a pressão também começa a crescer no Agreste, zona de transição entre a área canavieira e o Sertão. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, nos últimos dez anos ocorreram 24 homicídios no campo, 50 ameaças de morte e igual número de tentativas consumadas de assassinato a líderes de movimentos sociais que promovem ocupações.

As invasões vêm aumentando a cada ano. De acordo com a CPT, foram 28 em 2002, 125 em 2003 e 141 em 2004. A CPT lista mais de 40 áreas de conflitos graves, e o Incra reconhece que a situação começa a ficar insustentável.

Nesta semana a superintendente do Incra, Maria de Oliveira, solicita à direção da autarquia em Brasília o envio a Pernambuco de uma força-tarefa integrada inclusive pelo Exército.

- Temos histórico de presidentes de associações mortos, servidores do Incra perseguidos ou impedidos de entrar em propriedades. Nossas equipes só têm conseguido trabalhar com auxílio da Polícia Federal. A reforma agrária é necessária, mas está difícil de andar desse jeito. Ou se desarma o campo ou não se tem condições de trabalhar - afirma ela.

No chamado conjunto Prado, formado por cinco engenhos, a situação é de tensão permanente há mais de oito anos. Lá acamparam 300 famílias ligadas à CPT e ao MST. Como as terras estavam abandonadas, eles ocuparam, pediram vistoria e começaram a plantar. Já sofreram três despejos e hoje vivem em barracas à margem da PE-45, que corta o município de Tracunhaém, a 60 quilômetros do Recife. Dos conflitos já resultou um morto, Ismael Filipe, que hoje é nome de acampamento.

A questão do Prado encontra-se no Supremo Tribunal Federal. O engenho foi tido como improdutivo, a sua desapropriação foi liberada mas a usina contestou, alegando que precisa das terras para plantar cana.

Mais Dois São Presos Pelo Assassinato Da Missionária
Suspeitos serão acusados de homicídio qualificado

Mais dois envolvidos na morte da missionária Dorothy Stang, no último dia 12 em Anapu, foram presos ontem. Cleone Santos e Magnaldo Santos, os detidos, são funcionários da fazenda de Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, apontado como mandante do crime. A prisão preventiva deles foi determinada ontem pelo juiz Lucas do Carmo, da Vara de Justiça de Pacajá (PA). O juiz também mandou prender um funcionário de Amair Fijoli da Cunha, o Tato, que ainda está foragido.

Os três são acusados pela PF de terem ajudado os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, que confessaram ter matado a freira, e também a Tato. Cleone e Magnaldo já foram ouvidos pelo delegado da PF Ualame Fialho, que os denunciará por favorecimento pessoal. O funcionário de Tato foragido seria o intermediário que contratou os dois pistoleiros que mataram a freira.

Irmão de Dorothy cobra ações do governo
Ontem, Fialho disse que vai denunciar Tato, Rayfran e Clodoaldo à Justiça por homicídio qualificado, cuja pena varia de 12 a 30 anos, porque premeditaram o crime e foram pagos para matar a freira. O inquérito, conduzido pelo delegado, será enviado à Justiça na segunda-feira. Se Bida, acusado de ser o mandante, não se entregar até lá, Fialho afirmou que vai indiciá-lo pelo mesmo crime.

O ex-missionário David Stang, irmão de Dorothy, chegou ontem a Altamira, no Pará. Ele classificou o assassinato como uma vergonha e cobrou do governo brasileiro ações para combater a violência no campo. Stang, que mora em Denver (EUA), visita hoje o túmulo da irmã.

- Acho uma vergonha o que aconteceu com nossa irmã. Espero que o governo brasileiro tome esse caso como exemplo e adote medidas para melhorar a vida dos que lutam por terra no Brasil - disse o irmão de Dorothy.

Os rumores ontem no Pará eram que Bida, que está foragido, poderia se entregar a qualquer momento. O advogado do fazendeiro, José Augusto Septimio, afirmou que ele só deverá se entregar após a conclusão do inquérito, com a denúncia enviada ao Ministério Público e a ação penal em curso. Mas no fim da tarde Septimio reuniu-se com o delegado da PF.

Os três agentes do FBI, a Polícia Federal dos Estados Unidos, que acompanham as investigações do caso em Altamira viajaram ontem para Anapu. Anteontem, eles estiveram no presídio Centro de Recuperação Regional de Altamira, e tiraram fotos de Rayfran, Clodoaldo e Tato.

O Globo, 27/02/2005, O País, p. 4

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