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Pistoleiros acusam prefeito de Anapu

OESP, Nacional, p. A8
01 de Mar de 2005

Pistoleiros acusam prefeito de Anapu
Matadores da freira dizem que Luiz Carvalho (PTB) foi citado por fazendeiro como um dos que pagariam advogados se fossem presos

Leonencio Nossa
Enviado especial

Os matadores da missionária americana Dorothy Stang disseram que o fazendeiro Vitalmiro de Moura, o Bida, suposto mandante do crime, citou o prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho (PTB), como um dos envolvidos. Segundo o senador Demóstenes Torres (PFL-GO), Rayfran Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Batista, o Eduardo, explicaram que o prefeito foi mencionado por Bida como um dos que pagariam um advogado se eles fossem presos. Os dois deram essas declarações ontem, na delegacia de Altamira (PA), ao falar com a comissão de senadores que acompanha a apuração do assassinato.
Os delegados das Polícias Civil e Federal prometem investigar a acusação, mas duvidam dela e a acham "temerária". Logo que foi preso, Fogoió disse à Polícia Civil que o mandante do crime era o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho, ex-vice prefeito e aliado de Dorothy. A participação de Chiquinho no caso foi desmentida horas depois pelo próprio Fogoió, que admitiu ter inventado a história para confundir a investigação. Nos inquéritos concluídos ontem pelas Polícias Civil e Federal, Luiz dos Reis Carvalho não é mencionado.
A Torres, presidente da comissão, Ana Júlia Carepa (PT-PA), Eduardo Suplicy (PT-SP) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA), os pistoleiros disseram que no dia seguinte ao crime, o dia 13, em reunião na sede da fazenda de Bida, ele cobrou segredo - que não o incriminasse nem o capataz Amair Feijoli da Cunha, o Tato, suposto intermediário do crime. A recompensa para o silêncio, explicaram, era a contratação de um "bom advogado do sul do País", que custaria de R$ 50 mil a R$ 100 mil. Ontem à tarde, os senadores ouviram o prefeito e líderes empresariais e sindicais de Anapu.
No relato aos senadores, Fogoió e Eduardo disseram que o gasto com advogado seria pago por Bida, que teria citado o prefeito como colaborador. Ana Júlia contou que Fogoió falou do prefeito ao comentar o suposto consórcio para matar a freira. "Ele (Fogoió) fez um movimento abrindo as mãos: ah, tem o prefeito também", relatou a senadora. "Fogoió e Eduardo contaram que Bida disse ainda que um advogado de R$ 10 mil não conseguia tirá-los da cadeia, pois o governo era Lula, amigo de Dorothy Stang."
FAZENDEIRO
Fogoió e Eduardo também relataram que Bida teria dito que o fazendeiro Délio Fernandes, seu vizinho, emprestaria um avião se precisasse fugir. Segundo Torres, as acusações dos dois teriam sido confirmadas pelo vaqueiro de Bida Cleoni Santos, que a comissão ouviu. Tato, por seu lado, negou aos senadores ter participação no crime, assim como a nova história contada pelos pistoleiros.
Os delegados Walame Machado, da PF, e Waldir Freire, da Polícia Civil, desconfiam do relato dos dois. "Não acredito nessa informação, mas vou investigar", assegurou Machado. Freire disse que "a mente humana é fértil", insinuando que duvida que o prefeito tenha participação no crime.
Reis Carvalho, também fazendeiro, era forte adversário da adoção do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), idealizado pela irmã Dorothy. Na campanha eleitoral do ano passado ele tinha como bandeira a expulsão da freira de Anapu.

No debate fundiário, uma briga de partidos
Petistas defendiam Planalto e acusavam o governador; tucanos faziam o inverso

Lourival Sant'Anna
Enviado especial

ANAPU - Quatro senadores da Comissão Externa de Acompanhamento das Investigações do Assassinato de Dorothy Stang desceram ontem de helicóptero em Anapu, trazendo as disputas partidárias nacionais para dentro da Câmara Municipal da outrora pacata cidade. Por 3h30, cerca de 50 pessoas se acotovelaram no pequeno salão, e outras cem ouviram no pátio de fora. Enquanto senadores petistas tentavam arrancar dos depoentes que nada havia de errado com órgãos do governo federal, o do PFL procurava provar o contrário e o do PSDB defendia o governador paraense, o tucano Simão Jatene.
A senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) perguntou várias vezes ao presidente da Associação Madeireira dos Municípios de Anapu e Pacajá, Leivino Ribeiro, se os atrasos na emissão de autorizações permanentes de exploração de madeira nos assentamentos, em parceria com o Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS) da irmã Dorothy eram culpa da direção atual do Incra ou problema do baixo escalão. Ana Júlia aplaudiu quando ouviu finalmente que o motivo "não é a má vontade do presidente do Incra, mas de funcionários que estão lá há 30 anos".
O padre José Amaro Lopes de Souza, da Comissão Pastoral da Terra, e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco de Assis dos Santos Souza, o Chiquinho do PT, candidato derrotado à prefeitura, em entrevistas ao Estado, responsabilizaram o Incra pelos conflitos da região. "Não adianta mudar a cabeça se o corpo continua podre", disse o padre, separando a presidência dos funcionários do Incra.
A discussão esquentou quando o presidente da Associação Agrícola do Rio Água Preta, Josildo Carlos Freitas, responsabilizou o presidente do Incra, Rolf Hackbart, e o da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pela morte da missionária. Chamando o líder dos colonos de irresponsável, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT-SP) disse, alterado, que "podia provar" que Hackbart e Lula nada tinham a ver com a morte da freira. Já Ana Júlia ameaçou processar Josildo, convocado por causa da reportagem do Estado de domingo sobre colonos expulsos de sua gleba e excluídos de cadastro de cestas básicas por não concordarem com o PDS. "Ué, não é o Incra que tem de demarcar terras? E o presidente do Incra não é amigo do Lula?", insistiu Josildo.
Enquanto depunha, Laudi Witeck, presidente da Associação dos Produtores da Terra do Meio, região que não inclui o município onde a missionária foi assassinada, mas que foi interditada pelo Ministério do Meio Ambiente em resposta ao crime, o senador Demósthenes Torres (PFL-GO) quis saber se o chamado "pacote verde" federal resolveria o problema fundiário. "Problema fundiário se resolve com a presença do Estado", enfatizou Witeck. Ana Júlia perguntou-lhe se as polícias estaduais estavam presente na região. "Eles nunca investigam os crimes lá", foi a resposta. Ao que o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) protestou: "Não dá para colocar um policial em cada fazenda."

'Ou o Bida foi infeliz ou esses assassinos estão delirando'

Lourival Sant'Anna

COLETA: O prefeito de Anapu, Luiz dos Reis Carvalho (PTB), negou, perante a Comissão Externa do Senado de Acompanhamento das Investigações do Assassinato de Dorothy Stang, que tenha sido chamado a ajudar na coleta de dinheiro para custear os advogados de Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, detidos em Altamira sob acusação de terem matado a missionária. Os quatro senadores ouviram dos dois homens em Altamira que o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, suspeito de ser o mandante do crime, teria dito em sua fazenda, antes da fuga, que, para livrar os pistoleiros, caso fossem pegos, "um advogado de R$ 10 mil não ia resolver" e precisavam de um "de R$ 50 mil a R$ 100 mil". Ele teria acrescentado que o dinheiro seria recolhido entre várias pessoas e que o prefeito teria algum papel nessa coleta. "Se o Bida fez esse comentário, foi muito infeliz, ou esses assassinos estão delirando", reagiu o prefeito. "Fiquei indignado porque não conheço os assassinos. Conheço o Bida, mas não tenho nenhum relacionamento com ele." A senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) quis saber se Bida havia ajudado na campanha de Reis, que derrotou o candidato petista Francisco de Assis dos Santos Souza, o Chiquinho do PT. "Pelo contrário", respondeu Reis. "Foram os humildes que apoiaram minha campanha. Os que se dizem fazendeiros apoiaram o candidato do PT." Reis também negou que tivesse declarado, em comícios, que seria melhor se a irmã Dorothy fosse embora da cidade. De acordo com Chiquinho, o prefeito ajudava a organizar, para dia 17, uma manifestação de repúdio à freira e aos seus Planos de Desenvolvimento Sustentável, na qual seria interditada a Transamazônica, informação que Reis também nega.

Para os outros crimes da cidade, nenhuma pressa
Viúva de Cláudio, assassinado no dia 15 perto de Anapu, pede que polícia encontre culpado: 'Fiquei com 6 crianças para criar'

ANAPU - Com duas semanas de vida, o recém-nascido de Nicivalda Miranda de Souza ainda não tem nome. "Todo bebê que nascia, quem dava o nome era o pai", diz Valda, como é conhecida, a feição de menina desmentindo os 28 anos e 6 filhos, e o travo de angústia no olhar. "Não tive ânimo ainda para dar nome." Enrolado num manto amarelo, o bebê balança na rede no alpendre do sobrinho de Valda, em cuja casa, na periferia de Anapu, ela se refugiou, depois do acontecido.
Às 10h30 do dia 15, Cláudio Muniz Dantas, o marido de Valda, vinha trazendo um novilho seu da fazenda do Gaúcho, na gleba Mandacuari, área de assentamento de 150 famílias, a 29 quilômetros de Anapu. Já estava em sua terra, quando foi colhido por dois tiros. "Terminaram de matá-lo a pauladas", conta Valda. Cláudio, de 29 anos, permaneceu ali caído até as 13 horas, de chapéu, espora, o laço ainda preso no dedo, quando a polícia chegou. Valda recebeu a notícia na maternidade de Altamira, onde tinha dado a luz na véspera.
Uma investigação da morte de Cláudio teria dois fios condutores. José Vicente, o gerente da Fazenda Cospel, ocupada hoje pelo assentamento, teria oferecido R$ 25 mil pela cabeça de Cláudio, segundo o rumor que correu na mata. Para a polícia, é dinheiro demais para os padrões da região. A irmã Dorothy Stang, um alvo muito mais importante, teria sido morta com a promessa - não cumprida - de R$ 50 mil. José Vicente não foi mais visto na região.
Em abril, Cláudio foi com a mulher e os filhos para Repartimento, a 200 quilômetros de Anapu, para visitar sua família. Ficaram por lá mais de seis meses. Quando voltaram, em novembro, encontraram no lote de 100 hectares um homem chamado Madiano, que o havia comprado de outro assentado, Salvador, por R$ 8 mil. Salvador disse que já tinha gastado o dinheiro e não ia devolver. "A comunidade apoiou a gente e tiramos o Madiano de lá", recorda Valda. "O Madiano falou que ia perder os R$ 8 mil, mas meu marido não ia desfrutar da terra." Num entrevero com Madiano, Cláudio sacou de uma arma e disparou, ferindo um filho dele. Salvador e Madiano continuam no assentamento.
Alguns dias antes do assassinato, um outro assentado, chamado Divino, perguntou ao filho mais velho de Cláudio, de 12 anos: "Cadê seu pai, neguinho?" O menino respondeu: "Tá na roça." Divino arrematou: "Tenho muita coisa séria para falar com ele." Foi até o lote de Cláudio e fez alguns disparos, mas não atingiu ninguém. "Só não matou meu marido porque tinha mais gente lá." Há duas semanas Divino está desaparecido, diz sua mulher, que mora a duas quadras de onde Valda está hospedada.

ENERGIAS
Mas as investigações da morte da irmã Dorothy têm consumido todas as energias da Polícia Civil de Anapu. Assim, o assassinato de Cláudio - assim como o de Adalberto Xavier Leal, ocorrido às 23 horas do dia 13 - continua não esclarecido. "Não sei nem falar para você", diz Valda, os olhos marejados. "A gente quer só providência, investigar para pegar o culpado." "Fiquei com seis crianças para criar sem pai", continua. "Ele só deixou essa terra para mim." O lote tem manga e laranja no pomar, plantação de cacau e lavoura de arroz, além de cinco cabeças de gado, e uma cachoeira que é motivo de cobiça no assentamento. "Minha velha, no dia que eu morrer, essa terra é para deixar meus filhos em cima", dizia Cláudio a Valda. "Mas não tenho como, não sei cuidar de terra", aflige-se ela.
Em Repartimento, onde moravam, Cláudio ganhava a vida pescando. Em 2001, vieram tentar a sorte em Anapu. Aqui, ficaram sabendo do acampamento de sem-terra na Fazenda Cospel. Cláudio foi para lá. Ficaram acampados seis meses, até entrar para a terra. "Ele era muito iludido com terra, desde pequeno queria ter", conta Valda. "Estávamos caçando moradia. Foi pior. Se a gente soubesse que ele ia perder a vida, ficava onde estava." Pouco antes do assassinato, a família toda pegou malária - menos Cláudio e o recém-nascido. Ainda estão tomando remédio, mas já estão todos bem. "É uma coisa que a gente nunca adivinha, a morte."

Suplicy entrevista Fogoió

Em Altamira, a Comissão Externa de Acompanhamento das Investigações do Assassinato de Dorothy Stang tomou o depoimento de Rayfran Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Batista, o Eduardo, que confessaram o crime. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) fez as perguntas a Fogoió. A seguir, o depoimento:

Eduardo Suplicy - Por que te chamam de Fogoió?

Fogoió - Não sei. Todos me chamam de Rayfran, mesmo. (Um delegado interrompe: Fogoió, fogo, cabelo de fogo, que atirou.)

Suplicy - Quando você encontrou o Bida, antes ou depois do assassinato da irmã?

Fogoió - No domingo (Dorothy foi morta sábado, dia 12.)

Suplicy - Nesse momento você pediu os R$ 50 mil a ele?

Fogoió - Ele não me prometeu, quem prometeu foi o Tato.

Suplicy - Você chegou a cobrar do Tato o dinheiro no domingo?

Fogoió - Ele disse que não tinha dinheiro, mas era para eu ficar num lugar com contato, que iria arrumar para a gente.

Suplicy - Ele (Tato) chegou a mencionar quem iria colaborar?

Fogoió - Falou que tinha o prefeito... (ele abre os braços)... tem o prefeito, tem o prefeito, tem o prefeito.

Suplicy - O prefeito Luiz dos Reis Carvalho, de Anapu?

Fogoió - É. Ele (Bida) disse que um advogado de R$ 10 mil não adiantava, tinha de ser um advogado de R$ 50 mil, de R$ 100 mil. Ele (Bida) disse: vou fazer uma coleta, disse o nome do prefeito e disse que ia pedir o avião do Délio para fugir.

Suplicy - Está arrependido?

Fogoió - Nunca fiz isso, me arrependo demais. Estraguei a minha vida (chora).

Suplicy - E o que pretende fazer, reconstituir sua vida?

Fogoió - Entregar a Deus (chora novamente).

Suplicy - Você percebeu que muitas pessoas foram à missa do sétimo dia da irmã?

Fogoió - Não.

OESP, 01/03/2005, Nacional, p. A8

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