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Piscina de problemas no coração do Cerrado

O Globo, Ciência, p. 27
16 de Jul de 2013

Piscina de problemas no coração do Cerrado
Apenas 1% da área do Parque Nacional de Brasília concentra os visitantes

Vinicius Sassine

Brasília - Com 43 mil hectares, uma área equivalente a 6,3 mil estádios do Maracanã, o Parque Nacional de Brasília tem sua finalidade distorcida. Apenas um por cento concentra quase toda a visitação. A área conhecida como Água Mineral funciona quase como um clube - é tão procurada que, para evitar a superlotação, a entrada de turistas é limitada ainda na parte da manhã durante os fins de semana. Porém, 99% do parque, que abriga vegetação de Cerrado, são pouco visitados e não contam com projetos de fomento ao ecoturismo.
O Parque Nacional de Brasília tem características únicas. Encravado no Distrito Federal, é fundamental para o fornecimento de água ao Plano Piloto, para o microclima da região e como opção de lazer. A relação tão próxima com a cidade, porém, gera pressões de diferentes ordens sobre a vegetação nativa e a própria qualidade da água.
Nas últimas décadas, as bordas do parque sofreram a pressão de invasões e grandes loteamentos. Ao lado do parque, numa região chamada Estrutural, um lixão recebe os rejeitos produzidos na capital, com influência direta em nascentes e cursos d'água. Plantações vizinhas são responsáveis pela introdução de espécies exóticas. Não à toa, as recorrentes queimadas nos longos períodos secos na região central do país são mais agressivas na unidade de conservação.
- Os loteamentos estão mordendo áreas do parque, com a construção de setores urbanos e industriais. Antes, as pessoas levavam garrafões de água mineral para casa, era a melhor água de Brasília. Hoje, é imprópria para consumo humano - lamenta o professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, especialista em planejamento urbano.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela administração dos parques nacionais, testes periódicos da água mineral que abastecem as duas piscinas do parque atestam sua boa qualidade e as condições adequadas para banho.
'Clube' superlotado
Nos fins de semana ensolarados, secos e de céu limpo, típicos da capital federal, 3 mil pessoas se aglomeram na área da Água Mineral, um espaço com duas piscinas, poucos trilhas e áreas verdes ainda mais escassas. O "clube" enche antes das 10 horas. A partir daí, os portões da unidade são fechados para evitar sua superlotação.
Em 2012, o Parque Nacional de Brasília recebeu 300 mil visitantes - e este contingente não para de crescer. Nas condições atuais, portanto, a Copa do Mundo poderá trazer um volume de turistas insustentável para a unidade de conservação.
O acesso à Água Mineral custa R$ 6,50 para adultos e é livre para crianças. Nos fins de semana, um intenso comércio de comida, água de coco e roupas de banho se forma na entrada do parque. É comum visitantes levarem alimentos em caixas de isopor, uma vez que os restaurantes dentro da unidade estão embargados pelo ICMBio. O acúmulo de lixo é frequente, diante da pequena quantidade de cestos para coleta.
Enquanto sobram banhistas, faltam servidores. O número de funcionários do ICMBio à disposição da unidade caiu de 70, na década de 1990, para apenas 32.
- Hoje, não há como absorver mais visitantes. E a falta de servidores não afeta apenas as áreas de uso público - admite Paulo Henrique Carneiro, gestor da unidade.
Propostas engavetadas
Como uma das cidades-sede da Copa do Mundo, Brasília terá que se apressar para ampliar as opções de turismo ecológico em seu parque. E não faltaram oportunidades. Desde 1997, o plano de manejo da unidade de conservação prevê atrativos fora da região da Água Mineral.
Entre as novidades planejadas estaria uma trilha para ciclismo, com início em um dos portões de acesso do parque e término na represa de Santa Maria, responsável por fornecer água para os moradores das áreas centrais de Brasília. A proposta não saiu do papel.
O centro de educação ambiental fica fechado nos fins de semana, justamente nos dias de maior visitação. Além das duas piscinas - uma delas está em reforma -, duas trilhas e um lago são acessíveis ao público.
A restrição da área aberta aos visitantes é tamanha que, para os pesquisadores, quem quiser conhecer de fato o Cerrado terá de viajar 230 quilômetros, em direção ao Nordeste de Goiás, e se aventurare na Chapada dos Veadeiros, um parque nacional com trilhas entrecortadas por cachoeiras.
Integrante do Grupo Cerrado Vivo, o arquiteto Paulo Fiúza lamenta o desconhecimento da população em relação à sua área verde.
- Não há problema algum no fato de as pessoas usarem a unidade como um grande clube. Mas elas precisam saber que estão num santuário - ressalta. - Conhecemos muito pouco sobre o Cerrado, e o parque poderia ser usado como vitrine.

O Globo, 16/07/2013, Ciência, p. 27

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