VOLTAR

Pior seca em 50 anos muda vida da população às margens do Cantareira

OESP, Metrópole, p. A22-A23
23 de Fev de 2014

Pior seca em 50 anos muda vida da população às margens do Cantareira

Diego Zanchetta , enviado especial / Atibaia - O Estado de S.Paulo

Agricultores perderam suas safras e ficam à espera de um caminhão-pipa da prefeitura, famílias convivem com cheiro de esgoto, poços e minas estão secos e hoje há mato e pedras onde antes havia represas e cachoeiras. Quatro anos após as enchentes que obrigaram mais de 6 mil pessoas a deixar suas casas na região do Circuito das Águas, no interior paulista, a pior estiagem em 50 anos mudou a vida da população às margens dos principais mananciais do Estado, que normalmente estariam transbordando nesta época do ano.
Quem já foi resgatado de barco de sua residência, como o aposentado Alex Viegas, de 65 anos, agora vive sem água para lavar roupa e sob a ameaça de racionamento. "O Rio Atibaia secou de um jeito que nunca vi. O que era rio virou mato. Dá pra atravessar a pé em alguns lugares. Só tem pedra", conta. Nessas condições vive boa parte da população de cinco municípios visitados pelo Estado, todos cortados por rios que abastecem quase 10 milhões de paulistas: Itapeva e Extrema, em Minas, e Joanópolis, Atibaia e Bragança Paulista, no interior.
Viegas mora no Parque das Nações, bairro de classe média ao lado do Rio Atibaia. Nesta mesma época do ano em 2010, a água chegou a quase 2 metros de altura na rua onde ele mora. Como outros 1,3 mil moradores da área, ele ficou 40 dias fora de casa. Em 2011, os alagamentos voltaram a se repetir e, mais uma vez, o aposentado e seus vizinhos foram resgatados em botes da Defesa Civil.
O mesmo rio que transbordou virou um filete de água fétido, raso e cheio de esgoto. No quarteirão ao lado de onde mora Viegas, as marcas das enchentes ainda estão nas paredes do sobrado da dona de casa Maria Helena Xavier, de 40 anos, também resgatada de barco em 2010. "Aqui estou lavando roupa a cada 15 dias. Mas o pior é o cheiro de esgoto do rio. Muita gente continua jogando lixo no Atibaia com ele seco, e o cheiro de esgoto está no bairro inteiro", diz a dona de casa.
O trecho do Rio Atibaia que corta o Parque das Nações chegou a 4,27 metros de profundidade no verão de 2010. Na quinta-feira, o nível do manancial era de 72 centímetros.
Diante do colapso iminente no abastecimento, a prefeitura está multando quem lava as calçadas - o valor é equivalente à soma das últimas três contas de água do infrator. Há quatro anos, porém, o temor era outro: a mesma prefeitura e boa parte da cidade temiam que as represas do Sistema Cantareira, à época com nível de água em 99,8%, pudessem romper. Anteontem, os reservatórios baixaram para 17,7%.
Drama. A situação é ainda pior para agricultores, moradores e donos de pousadas que vivem ao longo dos 90 quilômetros do Rio Jaguari, a mais importante fonte de água para os paulistas. A agonia de quem vive do Jaguari pode ser observada desde as nascentes do manancial, no sul de Minas, até seu encontro com o Rio Camanducaia, em Jaguariúna, na região de Campinas. A vazão, que chegou a 50 metros cúbicos por segundo nas cheias de 2010, hoje está em 11 m³/s.
Agricultores de Itapeva, no sul de Minas, que perderam a safra de milho dependem hoje de duas visitas semanais de caminhões-pipa para conseguir tomar banho e cozinhar. As minas e poços secaram à medida que o nível do Jaguari também baixava. "Aqui nós não temos água mais. Tínhamos um poço para quatro famílias, de 25 metros de profundidade, que secou. O milho não teve adubo que resolveu, ficou pequeno demais. Perdemos tudo", conta a agricultora Irene Gercina, de 69 anos, que teve de sair de casa durante as enchentes de 2010.
Donos de pousadas na estância turística de Extrema, também no sul de Minas, estão à beira da falência após a Cachoeira do Salto, reduto de praticantes de rafting, praticamente secar. Outras cachoeiras e trechos do Rio Jaguari usados por praticantes de esportes radicais também estão com baixa vazão. "Em 2010, nós paramos porque a correnteza do rio era muito forte, encheu demais. Agora estamos parados por causa da seca", diz o operador de turismo Carlos Santana, de 39 anos.
Mais para baixo, em Bragança Paulista, o Rio Jaguari, de tão pequeno e raso, parece um córrego. Na zona rural do município, onde o manancial transbordou em 2010 e deixou 700 desabrigados, hoje é necessário fazer uma trilha pelo meio do mato para encontrar seu curso, escondido na mata fechada, com 86 centímetros de profundidade.
"Nem os lambarizinhos conseguem mais nadar, está muito raso mesmo. Estou com medo é de quando chegar o inverno. Aí, sim, o Jaguari vai sumir de vez", lamenta o agricultor Salmo Ceni, de 49 anos, todos vividos às margens do Jaguari.
Silêncio. Procurados pela reportagem, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado informaram, na sexta-feira, não ter porta-vozes disponíveis para comentar a estiagem que afeta os principais reservatórios do Estado.

Reduto de paulistanos, represa a 120Km da capital fica sem água
Casas de veraneios às margens de reservatório em Joanópolis são postas à venda e setor turístico é afetado com pousadas vazias na alta temporada

JOANÓPOLIS - O Estado de S.Paulo

Em Joanópolis, a 120 km de São Paulo, condomínios com casas de veraneio e pousadas que funcionam como marinas para muitos paulistanos permaneceram vazios nos fins de semana nos últimos dois meses. Nesta mesma época do ano passado, havia filas de barcos para entrar na represa, cuja profundidade atingia dez metros, segundo relatos de quem vivia do turismo no município paulista.
Hoje a mesma represa virou uma imensa cratera de terra seca, com espinhas de peixes à mostra. No alto dos morros onde a água chegava é possível ver atracadouros de madeira antes usados por proprietários de lanchas e de jet skis. A Represa de Joanópolis movimentava o turismo na região de Atibaia e sempre atraiu paulistanos apaixonados por esportes náuticos desde os anos 1970.
Administrador do Condomínio Represa da Serra, onde turistas endinheirados mantêm mansões com barcos na garagem, Geraldo Cavalcanti diz que até os proprietários mais assíduos pararam de frequentar o lugar. "A represa tinha 10 metros de profundidade. Isso aqui lotava, eu ajudava a colocar mais de 30 barcos na represa por fim de semana. Jamais achei que isso aqui iria acabar. Virou um deserto", diz.
O canal por onde as lanchas entravam secou por completo. O pouco de água que sobrou na parte mais funda está sumindo com o assoreamento das margens - a terra seca desmorona dos barrancos e contribui para a morte lenta do que era uma imensa lagoa de águas claras.
À venda. No condomínio Entre Serras e Águas, a Represa de Joanópolis também secou. Muitos proprietários que mantêm barcos nas casas do local colocaram seus imóveis à venda. "Nunca tinha visto a represa descer a esse ponto, de virar um terrão. O pessoal de São Paulo sumiu", conta a administradora Silvia Rosa e Silva. "Não dá mais para entrar com barco na represa. Não tem nem como chegar com o barco na parte onde ainda tem água", diz ela.
Até setembro do ano passado, segundo os administradores, ainda era possível nadar e andar de barco na represa. Mas o reservatório formado com águas do Rio Jaguari não resistiu à falta de chuvas nos meses de dezembro e janeiro.
"A água foi baixando, mas achei que em janeiro viriam as chuvas e tudo voltaria ao normal. Jamais na minha vida achei que fosse ver isso aqui virar mato", afirma o mecânico de barcos Ronaldo Ferreira, de 60 anos, que está pensando em mudar de ramo após quatro décadas de trabalho.
"Minha família está passando necessidade, não tenho trabalho desde o ano passado. Em janeiro eu sempre garantia o dinheiro até o meio do ano. Agora já estou pensando em ficar sócio de um restaurante na (Rodovia) Fernão Dias", diz o mecânico de barcos de Joanópolis. / DIEGO ZANCHETTA, ENVIADO ESPECIAL

Há 4 anos, população invadiu usina elétrica
Moradores furiosos em Atibaia, com medo de barragem romper, abriram comportas; cidade estava alagada

Diego Zanchetta - O Estado de S.Paulo

Em momento de fúria, cerca de 30 moradores do Parque das Nações, em Atibaia, invadiram, no dia 29 de janeiro de 2010, a hidrelétrica do centro empresarial da cidade e abriram 40 centímetros de uma das duas comportas da barragem, construída no Rio Atibaia. A cidade estava debaixo d'água e famílias desabrigadas culpavam o represamento na usina como um dos vilões dos alagamentos.
Passados quatro anos, a mesma usina tem cenário completamente diferente. No lugar das águas que entravam nas comportas hoje só existe terra e mato. Uma queda d'água de 5 metros de altura dá lugar a um paredão de pedras seco. A usina também não produz mais energia elétrica - as bobinas ficam em uma sala empoeirada sem nenhum operador.
Dentro da usina, duas casas ainda são ocupadas por antigos funcionários. "Aqui não tem mais água nem para nossa luz", brincou Robson Carvalho, de 51 anos, que hoje faz bico de jardineiro. Na época da invasão, ele lembra que moradores usaram cordas para puxar a madeira das comportas da barragem. "Parecia uma guerra, eles estavam loucos, não tinha polícia que pudesse pará-los", lembra o ex-funcionário.
Em guerra. O Estado acompanhou a invasão. Homens e mulheres se organizaram em caminhonetes com tração 4X4 importadas e jipes para chegar ao local.
Seis homens com cordas ajudaram a puxar a madeira da comporta e liberaram uma vazão de 5 metros cúbicos de água por segundo do Rio Atibaia, cuja volume estava represado para produzir energia.
Para os invasores, era o transbordamento da represa da usina que causava os alagamentos no Parque das Nações. "E era a usina mesmo, porque depois que abriram as comportas a água do rio baixou", defende ainda hoje o pescador Moisés Araújo, de 61 anos.

Pedreiro de Atibaia faz obra de enchentes há 3 anos

Diego Zanchetta - O Estado de S.Paulo

Celso Aparecido Bueno, de 53 anos (na foto), trabalha há três para recuperar um terreno de Atibaia onde houve deslizamentos de terra nas enchentes de 2010. Até hoje, a área de 15 mil metros quadrados está interditada. Bueno tentou até acelerar a contenção dos barrancos com medo das chuvas de dezembro e janeiro.
"Agora estou muito mais preocupado com o fim da água no poço lá do meu bairro. Temos um poço para dividir em quatro famílias que está secando", conta o pedreiro, que mora no Bairro do Portão, uma das regiões de Atibaia que ficaram submersas há quatro anos, na cheia do Rio Atibaia.
Bueno diz que o Córrego Onofre, um dos afluentes do Atibaia e que corta seu bairro, secou. "Do jeito que a seca está, nós vamos, com certeza, ficar sem água no inverno. É só ver as pessoas atravessando a pé o Rio Atibaia, pelas pedras, para saber disso", conta o pedreiro. "A chuvinha que caiu até agora não deu nem para limpar os bueiros. Nunca vi chover tão pouco em 53 anos por aqui."
O pedreiro está certo em sua impressão. Depois das enchentes que fizeram os reservatórios do Cantareira atingirem nível recorde de 100% em janeiro de 2010 e 2011, os três verões seguintes tiveram pouca chuva. Ao longo de 2013, apenas 1.090 milímetros foram registrados nas quatro represas que formam o sistema. A média histórica anual é de 1.566 mm.
Em nove dos 12 meses do ano passado a precipitação foi inferior ao esperado, segundo dados da Sabesp. O mês de dezembro foi o pior em 84 anos: teve 62 mm de chuva, ante a média histórica de 226 mm. Janeiro se manteve seco e o índice pluviométrico ficou em 87,8 mm - a média é de 260 mm.
Em nota, a Sabesp informou que não adianta chover forte na capital porque não existe meio de represar a água em São Paulo. "Não há mais possibilidade de criar uma represa na capital, pois o espaço necessário é imenso. Seria como construir uma nova Guarapiranga."

OESP, 23/02/2014, Metrópole, p. A22-A23

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,pior-seca-em-50-anos-muda-v…

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,reduto-de-paulistanos-repre…

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,ha-4-anos-populacao-invadiu…

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,pedreiro-de-atibaia-faz-obr…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.