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Pioneiro, projeto alia preservação ambiental e tecnologia para levar energia a ribeirinhos, produtores e indígenas em áreas isoladas do Pantanal

G1 - https://g1.globo.com/
Autor: Anderson Viegas
19 de Ago de 2021

Até 2022, Ilumina Pantanal vai atender 2.090 famílias em áreas remotas do bioma em Mato Grosso do Sul.

Um projeto pioneiro no Brasil, o Ilumina Pantanal, aliou a preservação ambiental as novas tecnologias, para levar energia elétrica e inclusão social a ribeirinhos, indígenas, trabalhadores e produtores rurais que vivem em áreas isoladas no bioma, em Mato Grosso do Sul. Veja acima video com reportagem sobre o assunto.

O Pantanal é uma das maiores áreas úmidas contínuas do planeta. Dos seus 138 mil quilômetros quadrados de área, 65% estão em território sul-mato-grossense. Pela importância para o meio ambiente é considerado Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela Unesco. Já foram identificadas no bioma 3,5 mil espécies de plantas, 325 peixes, 53 anfíbios, 98 répteis, 656 aves e 159 mamíferos.

Em razão das características hidrogeomorfológicas, das vegetações e dos períodos de alagamento, o Pantanal apresenta 11 subdivisões, sendo oito em Mato Grosso do Sul: Paiaguás, Nhecolândia, Paraguai, Nabileque, Porto Murtinho, Abobral, Miranda e Aquidauana. Em algumas delas, o acesso ocorre somente pelos rios da região - principalmente o Paraguai, ou por via área - avião ou helicóptero.

Segundo Héber Selvo, gerente do projeto Ilumina Pantanal na Energisa - concessionária que atende a maior parte dos municípios de Mato Grosso do Sul, as soluções tradicionais de eletrificação, com redes de distribuição, fiação exposta, postes e subestações não teriam viabilidade econômica, técnica e ambiental para essas áreas quase isoladas.

"Toda esta diversidade de biomas, fauna e flora são sensíveis as soluções tradicionais de eletrificação, como as redes de distribuição com a fiação exposta, que pela característica do Pantanal podem afetar aves de médio e grande porte. Para a instalação dos postes destas redes é necessário a abertura de faixas de passagem, estradas para transporte e infraestrutura pesada de construção. Além do mais, seria necessário a construção de duas subestações de porte para distribuir energia na região. A configuração de uma subestação é muito sensível ao regime de alagamentos da região e a sua construção exige o transporte de equipamentos pesados por uma região que não possui infraestrutura viária para tal", explica.

Héber Selvo, diz que a estimativa de custo para eletrificar o Pantanal por meio de uma estrutura convencional de distribuição seria de R$ 700 milhões, o que causaria um impacto tarifário de aproximadamente 15%.

Ele explica que diante desses desafios a empresa iniciou em 2015 um projeto de pesquisa e desenvolvimento fomentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em busca de uma solução para levar energia as áreas isoladas do Pantanal.

"Foi realizado um levantamento inicial via imagens de satélite, buscando identificar, pelo tratamento das imagens digitais, a localização das potenciais unidades consumidoras. Posteriormente foi realizado o levantamento de campo a cada unidade a fim de verificar efetivamente o número de famílias e residências daquele local. Este levantamento indicou um total de 77 unidades que poderiam ainda ser atendidas com a extensão do sistema convencional de distribuição, e mais 2090 unidades que estavam distantes das redes, inviabilizando seu atendimento pela solução convencional", recorda.

A pesquisa identificou aproximadamente 3,4 mil moradores que vivem nas regiões mais isoladas do Pantanal, sendo que 45% desse total, são ribeirinhos.

O gerente do Ilumina Pantanal explica que neste mesmo projeto foram desenvolvidos estudos de viabilidade para o uso na região de diversas fontes de energia renováveis e intermitentes, como: eólica, biomassa, hidráulica e também a solar. "A fonte de energia solar fotovoltaica se mostrou a mais viável do ponto de vista técnico, por não possuir partes girantes (turbinas, eixos, mancais) e exigir menor manutenção, bem como do ponto de vista econômico pois a tecnologia é mais adequada a centrais de pequeno porte".

Ele diz que definida a fonte solar voltaica, como melhor alternativa técnico-econômica, os estudos se voltaram para identificar a tecnologia de armazenamento mais adequada para a região. "Dada a natureza intermitente da fonte solar é necessário armazenar sua produção para utilização nos momentos em que a fonte não está disponível, quando não tem sol. Para isso iniciamos a fase dois do projeto, voltado a definir a melhor tecnologia de armazenamento para aplicação neste case".

A melhor alternativa, conforme ele era a utilização de baterias com a tecnologia de Lítio ferro fosfato (LiFePO4), a mesma dos veículos elétricos, que seria capaz de atender as necessidades de consumo de uma unidade consumidora por até dois dias sem sol.

As pesquisas duraram cinco anos,envolvendo a CSA, Calden e Lactec, e R$ 10 milhões de investimento. Os estudos levaram até o desenvolvimento do Sistema Individual de Geração com Fonte de Energia Intermitente (Sigfi).

A iniciativa foi criada, conforme ele, levando em conta a preservação do meio ambiente - desenvolvendo uma tecnologia que não agredisse o bioma; e a questão logística - com a utilização de materiais que tivessem um volume e um peso menor, possibilitando reduzir os custos com transporte e com manutenção.

"O sistema é um conjunto de 4 módulos fotovoltaicos de 345 Wp (watt-pico) cada, que totalizam uma potência instalada de 1.380 Wp. A energia gerada pelos módulos é convertida para carga do banco de baterias por um controlador carga de 2.500W Studer, que faz a conexão com um banco de baterias com dois módulos de 48V/50Ah. Este banco de baterias, de tecnologia Lítio ferro fosfato totaliza uma capacidade de armazenamento de 4.800 Wh", detalha.

Héber Selvo explica que a energia gerada e armazenada em corrente contínua é convertida para "corrente alternada por meio de um Inversor de frequência de 2.000 W onda senoidal pura", para ser entregue então na residência do cliente. O sistema, de acordo com ele, tem capacidade para atender uma casa com geladeira, televisão, rádio, três pontos de luz e um tanquinho de lavar roupas. "Por ser uma solução leve e compacta a interferência no bioma é a mínima possível".

Interferência mínima
O sistema, de acordo com o gerente do Ilumina Pantanal, utiliza componentes de várias parte do mundo. Os módulos fotovoltaicos (placas solares) são da China. O controlador de carga é da Suíça. O inversor de frequência também é chinês. O banco de bateria é brasileiro, assim como a estrutura de sustentação, também, toda em alumínio.

Além da interferência no bioma ser mínima, Héber Selvo relata que outra vantagem do sistema é ter um menor volume e ser mais leve. "O banco de baterias de Ion Lítio ferroso tem um sexto do tamanho e um terço do peso em comparação com um banco de Chumbo ácido - PbSO4, da mesma capacidade."

Mudança de vida
"Tudo era muito difícil. Tínhamos que fazer lamparina de óleo diesel para clarear", relembra a catadora de iscas Enaurina da Silva Rodrigues, de 59 anos, falando do único recurso que tinha para enfrentar a escuridão da noite em sua casa, uma moradia simples, feita de lona e madeira, nas margens do rio Paraguai, na região do Pantanal do Paiaguás, a cerca de 100 quilômetros de Corumbá. O acesso a região é somente por barco ou por via aérea.

Enaurina foi uma das primeiras ribeirinhas a ser beneficiada pelo projeto Ilumina Pantanal e diz que sua vida mudou a partir da chegada da eletricidade. Ela comemora, principalmente, ter ganhado uma geladeira - da executora do projeto, a concessionária Energisa.

"Mudou muitas coisas, inclusive com a geladeira, porque nunca ia ter condições de ter uma geladeira. Agora tomamos água gelada. A comida não estraga. Antes, nos dias muito quentes tínhamos que pedir gelo para os turistas e não eram todos que ajudavam", recorda.

A chegada da energia elétrica com o novo sistema fez outro morador ribeirinho, o pescador profissional, Aparecido Lima, de 55 anos, aposentar o gerador a óleo diesel. "Foi muito tempo esperando por isso. Mas chegou, foi uma benção de Deus. E agora mudou tudo. Eu gastava muito com combustível para o gerador, que agora tá encostado. A criançada agora pode brincar a noite tem geladeira, que ganhei da Energisa, para guarda o peixe, a carne e a verdura".

Aparecido conta que já tem até planos para usar a eletricidade. "Quero trazer uma TV melhor. A que está em casa hoje é so para assistir DVD. Quero arrumar a casa e a coisa vai ficar melhor ainda", diz o pescador, que mora com a esposa, filhos e netos no local.

Mas enquanto alguns celebram a chegada da energia com o projeto, que começou a instalar os kits em junho deste ano, outros moradores do Pantanal ainda aguardam com ansiedade pelo benefício.

Esse é o caso do produtor rural Waldemar Magalhães, de 78 anos. Filho de desbravadores da região da Serra do Amolar, ele conta que nasceu e sempre viveu no local. Hoje tem uma pequena lavoura de subsistência e algumas cabeças de gado leiteiro.

Em sua casa tem uma geladeira que funciona a gás e um gerador a óleo, que só liga em ocasiões especiais, quando precisar conservar algum alimento ou quando recebe visitas.

"Aqui não é fácil. Tem essa geladeira velha, a gás, que só esfria e male mal. E o gerador sai muito caro. Você não aguenta pagar o preço do diesel. Ligo ele somente quando precisamos. Se tenho que sair uso uma lanterna".

Ele disse que ja ouviu falar do projeto Ilumina Pantanal e que aguarda a sua vez de receber o benefício. "Vai facilitar muito a nossas vida. As vezes tá um calorão. Vou poder comprar um ventiladorzinho", planeja.

Visita técnica
Em 28 de julho, autoridades dos governos estadual e federal, além da diretoria da concessionária fizeram uma visita técnica a região de Porto São Pedro, no Pantanal do Paiaguás, um dos locais atendidos pelo projeto.

O CEO da Energisa, Ricardo Botelho, comentou que a iniciativa pioneira se tornou uma referência para esse serviço chegar a outras localidades de difícil acesso no país. "A Energisa está presente em grande parte da Amazônia Legal. Temos projeto no Acre, no Alto Jurua, onde essa tecnologia está sendo aplicada em uma vila de 200 unidades consumidoras e pretendemos usar também em outros lugares remotos em que trabalhamos aqui em Mato Grosso do Sul, em Mato Grosso, no Acre, em Tocantins. Tem muitas possibilidades", apontou.

Para o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, o Ilumina Pantanal é uma "recompensa", uma mostra do quão são importantes as políticas públicas. "É um programa de inclusão social tão importante para essas localidades que estão isoladas. Eu estou muito feliz, estou recebendo um verdadeiro presente, uma recompensa por esse programa que já traz tantos benefícios".

O ministro apontou ainda que tem dentro do planejamento executado pela pasta cresce em importância o uso das fontes renováveis na matriz energética do país, como a energia solar, a eólica e a biomassa. "São muito importantes, ainda mais nesse período de escassez hídrica. Essas fontes são fundamentais para que a sociedade brasileira tenha segurança energética".

O governador Reinaldo Azambuja (PSDB), por sua vez, ressaltou que a chegada da energia elétrica ao Pantanal é uma conquista histórica. "Energia no Pantanal há muitos anos era falada e sonhada por muitos. Nós que temos esse bem de consumo muitas vezes não entendemos o valor que tem a energia elétrica. Esse projeto é um ganho extremamente importante para todos nós de Mato Grosso do Sul, mas especialmente ao homem e a mulher pantaneira, pelo esforço que fazem para preservar esse bioma".

Para o presidente do sindicato rural de Corumbá, Luciano Aguilar, a univesalização é uma conquista para o produtor pantaneiro, que sempre lutou pela chegada da energia, além de buscar sempre a melhoria da infraestrutura local. Ele destaca que a chegada da eletricidade vai facilitar até mesmo o combate aos incêndios florestais, ao possiblitar uma rápida comunicação entre os moradores da região e a cidade.

Cliente convencional
Héber Selvo diz que o pantaneiro que é beneficiado com o projeto é um cliente convencional da empresa, tanto que pode usufruir, por exemplo do benefício da tarifa social. Ele diz que após a implantação do kit, a própria empresa se encarrega de fazer uma instalação primaria na casa da família, com três lâmpadas de LED e duas tomadas.

O valor da conta pode variar, conforme ele, se a família for beneficiária da tarifa social de R$ 35 até cerca de R$ 60, se o consumidor for um produtor rural.

Se a família for indígena ou quilombola e contar com a tarifa social, o desconto pode chegar a 100% do valor da conta.

Custo e cronograma
O custo de cada kit é de aproximadamente R$ 64 mil e 60% é custeado pelo Programa Luz para Todos, do Ministério das Minas e Energia. Além da Energisa, são parceiros do projeto o governo de Mato Grosso do Sul, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Eletrobrás e o Ministério das Minas e Energia.

Ao todo, a Energisa e o Governo Federal estão investindo R$ 134 milhões no projeto. O investimento é 80,86% menor do que se a eletrificação fosse feita com o sistema convencional.

O projeto piloto foi iniciado em 2018 com 23 instalações nas mais variadas regiões do Pantanal, atendendo a 22 famílias e uma escola.

Até dezembro a Energisa pretende beneficiar 1.359 famílias com a iniciativa, atingindo a meta total do programa, 2.090 famílias espalhadas por uma área de 92 mil quilômetros quadrados em Corumbá, Aquidauana, Coxim, Ladário, Porto Murtinho, Rio Verde de Mato Grosso e Miranda, até abril de 2022.

Esta tecnologia, desenvolvida dentro do projeto Ilumina Pantanal será utilizada para o Programa Mais Luz para a Amazônia (MLpA), que vai atender a 30.745 unidades consumidoras até 2026 nos estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins.

https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2021/08/19/pioneiro-…

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