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PF chega amanhã à reserva

OESP, Nacional, p. A12
13 de Abr de 2008

PF chega amanhã à reserva
Missão será garantir convivência pacífica entre índios e arrozeiros até que Supremo decida o futuro da área

Roldão Arruda

Nuvens pesadas cobrem o céu de Roraima e anunciam o inverno local - estação de chuvas pesadas que se estende por seis meses, até o verão, quando o sol brilha sozinho por outros seis meses. Neste ano, na terra indígena Raposa Serra do Sol, o inverno chega acompanhado de medos e incertezas.

Amanhã a Polícia Federal começa a despejar seus homens naquele território, dividido em dois grandes ecossistemas, o lavrado, com suas planuras e a vegetação rasteira, e as áreas de montanhas, nas linhas de fronteira com a Guiana e a Venezuela. A missão declarada dos federais será garantir a segurança e a tranqüilidade dos moradores nos próximos dois meses.

Este é o prazo previsto pelo Supremo Tribunal Federal para chegar a uma definição sobre a Serra do Sol: vai decidir se mantém o decreto assinado em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que homologou a criação da reserva e determinou a retirada dos não-indígenas da área; ou se atende à reivindicação de grupos que discordam da medida e defendem a permanência de enclaves não-indígenas no meio da terra dos macuxis, uapixanas, ingaricós, taurepangs - povos que ali vivem desde antes da chegada dos portugueses ao Brasil. Em outras palavras, é a disputa entre os que querem a reserva como área contínua, de uma ponta à outra; e os que exigem seu fracionamento em ilhas.

A PF pretende evitar confrontos entre esses dois grupos. Mas a nova missão corre o risco de expor ainda mais as dificuldades da Upatakon 3 - a operação policial desencadeada com o propósito de cumprir as determinações legais de retirada de todos os não-indígenas da área.

A PF está em Boa Vista desde o dia 27 de março. Passados quase 20 dias, a operação não avançou. Nos bastidores da Upatakon (que significa "nossa terra", em macuxi), fala-se que os problemas da operação são devidos à ausência do apoio logístico das Forças Armadas. Para se ter uma idéia do que isso significa, basta dizer que até agora a PF está transportando homens para Roraima. Se tivesse tido o apoio da Aeronáutica, todo o contingente poderia ter sido desembarcado num só dia.

Os agentes devem agora deixar a cidade e ir para o sertão, o território indígena. É impossível prever qualquer coisa sobre a convivência forçada entre eles, os índios e os soldados do Exército, espalhados por ali.

O grupo de oito grandes produtores que comanda a ação de resistência ao decreto presidencial também vive um momento de incertezas. Estão prestes a iniciar mais uma colheita e temem que a PF crie obstáculos para o seu trabalho. Um dos líderes do grupo, Paulo César Quartiero disse ao Estado que tem pela frente uma colheita que vale R$ 2,8 milhões.

Mas é entre os índios que são mais visíveis as marcas do medo e da insegurança. Estão divididos entre os que apóiam a criação da reserva em área contínua (a maioria deles) e os que discordam. A discordância é tão forte que as aldeias chegam a ser divididas: de um lado moram os favoráveis à homologação e do outro, os contrários. Os grupos evangélicos, em sua maioria defensores da proposta de ilhas, são mais radicais: afastam-se para criar comunidades.

Nos últimos dias, os mais sacrificados foram os integrantes da Comunidade do Barro, no Distrito do Surumu - ponto emblemático nessa briga, por estar na entrada da reserva e próximo aos arrozais. Quando os arrozeiros queimaram pontes e ergueram barreiras para impedir a passagem da PF, acabaram isolando a comunidade. Durante dez dias não se podia entrar ou sair.

Na tarde de quinta-feira, o repórter conversou com líderes ligados ao Conselho Indigenista de Rondônia, entidade que defende a área contínua. Alguns falaram na necessidade de um levante dos índios, para expulsar por conta própria os arrozeiros. Mas não havia convicção na fala, nos corpos e nem nos olhares deles e de outros que foram se juntando ao grupo. É uma gente muito humilde que foi obrigada a conviver há séculos com pecuaristas, garimpeiros, agricultores, militares, numa terra que já foi toda deles, como atestam os nomes dos rios, das árvores, dos vilarejos, quase todos na língua macuxi.

OESP, 13/04/2008, Nacional, p. A12

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