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PF apura troca de arma por diamante em reserva

O Globo, O Pais, p.5
24 de Abr de 2004

PF APURA TROCA DE ARMA POR DIAMANTE EM RESERVA
Oito das 29 vítimas de massacre em garimpo clandestino na área dos cintas-largas são sepultadas em cova coletiva

PORTO VELHO. A Polícia Federal está investigando o envolvimento de grandes contrabandistas de diamantes no fornecimento de armas para os índios cintas-largas, acusados de massacrar com tiros e golpes de bordunas 29 garimpeiros no dia 7. Ontem, os restos mortais de oito garimpeiros foram enterrados numa cova coletiva no cemitério de Espigão do Oeste.Um dos principais suspeitos de negociar armas com os índios é o empresário paulista Marcos Glika. Ele é acusado de usar armas para pagar parte do diamante comprado na reserva Roosevelt, dos cintas-largas. Só ano passado, Glika teria desembolsado R$ 2,3 milhões para comprar diamantes na reserva, como consta em documentos da Operação Kimberley, da PF. Glika está preso desde dezembro.— Temos indícios fortes de que ele (Glika) repassou aos índios pistolas, revólveres e rifles — afirmou o superintendente da PF em Rondônia, Marcos Moura.600 quilates de diamante por R$ 205 milSegundo a PF, Glika começou a fazer negócios com os caciques cintas-largas no início de 2003, e fez pelo menos quatro transações com Pio Cinta-Larga, cacique da aldeia onde os 29 garimpeiros foram mortos. No primeiro negócio, comprou 600 quilates de diamantes por R$ 205 mil. Os diamantes foram retirados da reserva no avião PT-JXO, que pousou numa das três pistas clandestinas da área. Pelas investigações iniciais, Glika foi à aldeia com o agente federal Marcos Soares, que atuava como segurança particular do empresário, e de um avaliador contratado em Cuiabá.Segundo a PF, a maioria dos pagamentos era em dinheiro, mas algumas vezes ele repassou armas ou fez investimentos nas máquinas usadas na extração de diamantes.Somente no garimpo controlado pelo cacique João Bravo, Glika teria aplicado R$ 700 mil. A polícia suspeita que os diamantes fossem adquiridos a preços inferiores aos de mercado. No ano passado, a PF apreendeu R$ 3 milhões em diamantes que estavam em poder de dois sócios da organização supostamente chefiada por Glika. Um policial civil acusado de envolvimento com a quadrilha recebeu R$ 175 mil depois de um negócio com os índios. Pelos acertos do grupo, este agente receberia 5% do valor de cada transação.— Os índios não têm noção do dinheiro, vêem R$ 200 mil e acham que é muito. Às vezes, o diamante vale R$ 5 milhões e eles vendem por R$ 200 mil — afirma Eugênio Ribeiro Cavalcante, um dos diretores do Sindicato dos Garimpeiros de Espigão do Oeste.Parentes protestam no enterro dos garimpeirosOntem, no enterro de oito garimpeiros em Espigão do Oeste, parentes e colegas dos mortos carregaram faixas pedindo punição para os culpados. Também cantaram o Hino Nacional.A prefeita da cidade decretou ponto facultativo e os colégios estaduais ficaram fechados. Um corpo foi sepultado em Pimenta Bueno e outro em Primavera Leste, em Mato Grosso. Os outros 16 corpos, que ainda não foram identificados, deverão ser liberados hoje. A identificação deverá ser feita por intermédio de exames de DNA. — Mas não são apenas esses. Pelas nossas contas, ainda existem mais 34 corpos de garimpeiros mortos dentro da reserva Roosevelt — afirmou o presidente do sindicato dos garimpeiros de Espigão do Oeste, Gilton Muniz.

Ataque de surpresa
• Na manhã do dia 7 deste mês, cerca de 200 garimpeiros procuravam diamantes clandestinamente na mina que batizaram de Gruta do Sossego, dentro da reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, que tem uma das maiores jazidas da pedra do país. Por volta de 11h, eles foram surpreendidos por um grupo de guerreiros cintas-largas.
- Os índios chegaram atirando - disse o garimpeiro Expedito da Silva, que conseguiu fugir.
Foram 29 mortos. Somente no dia 11 a Polícia Federal conseguiu resgatar os três primeiros corpos. 0 atraso na operação de busca aumentou a tensão em Espigão do Oeste, cidade a cerca de cem quilômetros da reserva, onde centenas de garimpeiros se concentraram e ameaçaram invadir as terras indígenas para procurar os corpos de outras vítimas.
Os outros 26 corpos foram encontrados pela Polícia Federal na sexta-feira retrasada. Segundo laudo do IML, tinham marcas de pauladas, flechadas e também de armas de fogo. Alguns dos garimpeiros tiveram os braços amarrados e foram assassinados a pauladas.
Há pelo menos três anos a exploração ilegal de diamantes provoca conflitos entre índios e garimpeiros. O governo busca uma solução para o problema. Os índios exploram as jazidas, sem controle das autoridades, o que abre o flanco para garimpeiros ilegais e traficantes internacionais de diamantes. Desde o início da exploração desordenada, 36 índios e garimpeiros já foram mortos.

O Globo, 24/04/2004, p. 5

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