VOLTAR

Petróleo e polêmica no Ártico

O Globo, Planeta Terra, p. 10-11
27 de Set de 2011

Petróleo e polêmica no Ártico
Degelo recorde abre caminho para exploração e aumenta risco ambiental

Graça Magalhães-Ruether
ciencia@oglobo.com.br
Berlim Correspondente

Uma das regiões mais selvagens do planeta se tornou agora uma das mais promissoras para a exploração de petróleo. O Ártico derrete e causa reações antagônicas.
De um lado, cientistas e ambientalistas se preocupam com a degradação de um dos ambientes mais intocados da Terra, protegido pelo gelo. O derretimento do Ártico, que este mês voltou a atingir níveis recordes, não é um problema apenas para ursos polares. O Ártico é parte fundamental da regulação do clima planetário e o degelo pode ter consequências globais. Esse mesmo degelo abriu caminho para a exploração de petróleo e gás. Rússia e Estados Unidos assinaram um contrato milionário.
"Horizontes são abertos", declarou o primeiro-ministro russo Vladimir Putin, ao assinar o contrato da petroleira estatal russa Rosneft com a americana Exxon, no inicio do mês, em Sotchi, um negócio de US$ 3,2 bilhões. Ambientalistas vêem um horizonte pesado. Segundo Jörg Feddern, especialista em petróleo do Greenpeace, os "horizontes" mencionados por Putin marcam o inicio da catástrofe ecológica no Ártico. Com o derretimento do gelo, as passagens nordeste e noroeste tornaram-se navegáveis pela primeira vez no atual verão, tornando a exploração de petróleo nessa região polar um negócio viável.
As duas empresas, que nos anos 90 já exploraram juntas um campo de petróleo na ilha russa de Sacalina, no Pacífico Norte, começarão em 2015 a perfurar no Lago Kara, ao norte da Sibéria, onde os especialistas prevêem a existência de reservas de 110 bilhões de barris, ou seja, cerca de 20% das reservas mundiais ainda não exploradas.
Já antes do início do projeto, o especialista do Greenpeace, que acaba de voltar da região ártica de Komi, na Rússia, registrou mudanças graves na região, que foi até o final da Guerra Fria um dos poucos recantos do mundo com um sistema ecológico intacto.
Na verdade, o gelo começou a derreter já antes do fim da Cortina de Ferro. Rüdiger Gerdes, do Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Marítima e Polar (AWI, na sigla em alemão), afirma que o derretimento permite a exploração dos recursos naturais do Ártico, na terra e no mar, antes bloqueados pelo gelo, que não derretia nem no verão.
O instituto registrou pela quinta vez consecutiva uma diminuição na camada de gelo do Ártico, que encolheu 50% de 1972 até agora. No verão de 2011 no Hemisfério Norte, a área congelada registrada, de 4,24 milhões de quilômetros quadrados, foi a menor desde o início das medições via satélite, em 1972. O derretimento foi causado pelo aumento excepcional da temperatura, mais significativo no Ártico do que em outras regiões. E a previsão de cientistas é que a temperatura continuará a subir. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) projeta um aumento de 2 graus a 9 graus Celsius até 2100.
Ambientalistas temem a destruição do ecossistema ártico. O pior cenário seria um acidente como o do ano passado no Golfo do México, nos EUA, ou o do Exxon-Valdez, há 22 anos, quando 40 mil toneladas de petróleo foram liberadas no Alasca.
- Ainda há áreas onde o petróleo continua intacto e afetando os animais - diz o Jörg Feddern.
Um acidente como o do Golfo do México seria uma "catástrofe não controlável", segundo ele. No longo inverno ártico, gelado e escuro, não seria possível combater um vazamento.
Além disso, no frio polar não há bactérias que naturalmente ajudam a decompor o óleo.
O assunto já chegou a ser discutido pelo Conselho do Ártico, mas não foi tomada nenhuma decisão porque os países participantes (Rússia, EUA, Canadá, Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia) priorizaram interesses econômicos. O Greenpeace defende a criação de uma área de proteção no Ártico, semelhante a que existe para a Antártica. Feddern receia também o aumento da disputa territorial entre os países árticos.
- Quanto maior é a expectativa de riquezas minerais, maior a ambição territorial dos países. Por isso, tem havido atritos.

O Globo, 27/09/2011, Planeta Terra, p. 10-11

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.