VOLTAR

Pesca predatória ameaça reserva em Arraial

O Globo, Rio, p. 26
09 de Nov de 2008

Pesca predatória ameaça reserva em Arraial
Pesquisa mostra redução de 50 por cento na quantidade de peixes e também no número de espécies capturadas

Paulo Roberto Araújo e Taís Mendes

Na quinta-feira passada, Joaquim Duarte, de 53 anos, lançou a rede no mar da Praia Grande, em Arraial do Cabo, uma rotina de 40 anos, e, após 11 horas de espera, conseguiu pegar 500 bonitos, mas para dividir com outros nove pescadores. Há pelo menos quatro meses Joaquim não conseguia nada ali, uma escassez que ameaça a pesca artesanal na única Reserva Extrativista Marinha do estado e a segunda das 13 do Brasil.

- Há cinco anos, todos os dias eu deixava passar cardumes de três mil enchovas porque logo atrás vinha um com cinco mil. Hoje, não consigo cercar 50 - diz ele.

Pesquisa da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) da UFRJ revela que o uso desordenado dos recursos naturais vem provocando a redução do número de espécies de peixes capturadas nos últimos anos na costa de Arraial do Cabo: de 89 espécies capturadas em 1993, pesquisadores conseguiram registrar apenas 48 em 2007. Ainda de acordo com a pesquisa, entre 1992 a 2006, houve uma redução de 50% da produção pesqueira no município. Repórteres do GLOBO acompanharam a pesca na Praia Grande quinta-feira passada. Foram 11 horas de espera para capturar os 500 bonitos, quatro tartarugas (devolvidas ao mar) e alguns baiacus, que serviram de banquete para os mergulhões.

- Pelo nosso costume é pouco, mas o que Deus manda é bom - conformou-se Joaquim.

Uso de rede proibida não deixa peixe chegar à costa
Os pescadores culpam os barcos que chegam de longe, do Sul, de Santos e de Macaé, com a chamada três malhas (rede de espera ou predatória) que não deixa o peixe chegar na costa, uma prática proibida que ameaça a sobrevivência de 300 pescadores artesanais de Arraial.

- Há dez anos, um pescador conseguia sustentar a família com a pesca. Meu pai criou quatro filhos. Hoje, não consigo manter a casa - disse Joaquim, do alto da montanha, assumindo a tarefa de vigia, o pescador que anuncia a entrada do cardume na costa. - Nos tempos de pesca farta, bastava um sinal do vigia para surgir na areia uma multidão de pessoas para ajudar a puxar a rede.

O Projeto Ressurgência - Rede Arraial Sustentável, da Coppe, sugere um modelo de gestão participativa para a Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo (Resex-Mar), que abrange uma área de um quilômetro e meio de costa. A idéia é promover a utilização sustentável de seus recursos naturais e valorizar a comunidade pesqueira local, oferecendo assessoria técnica, oficinas nas escolas e um sistema de comunicação nos barcos para denúncias de pesca predatória, entre outras iniciativas. O projeto, iniciado em 2004, é coordenado pela Coppe/UFRJ, em parceria com diversas instituições de ensino, de pesquisa e do terceiro setor.

- O objetivo é integrar e orientar a comunidade sobre a melhor forma de utilização da reserva. Uma das metas do projeto é garantir a manutenção da atividade pesqueira artesanal com métodos tradicionais de exploração e proibir as pescarias predatórias, como o arrasto de fundo - disse Ricardo Coutinho, biólogo marinho e coordenador do Instituto do Mar Almirante Paulo Moreira, em Arraial do Cabo.

Coordenador executivo do projeto, Antônio Marcos Muniz Carneiro destaca que a escassez de peixes revela uma sobrepesca, uma captura maior do que o ambiente sustentável permite, conseqüência da falta de um plano de manejo e de fiscalização para a Resex-Mar. De acordo com a pesquisa, a comparação dos três primeiros meses de 2008 com igual período de 2005 indica um aumento no número de espécies capturadas.

- A biodiversidade do local pode ser mantida com manejo tradicional. O que não pode são excursões, barcos de fora que exterminam os peixes. São comuns em Arraial grupos de amigos que alugam barcos e pescam sem respeitar o período e os locais permitidos, conseqüência da falta de fiscalização - diz o pesquisador.

Com a escassez, nem as espécies menos nobres escapam. O peixe espada, por exemplo, antes descartado por pescadores, virou referência nos restaurantes de Arraial.

- É o peixe que tem garantido o cardápio. Para se ter uma idéia, atualmente um quilo de corvina é vendido para o comerciante por R$ 10. Como trabalhar assim? O turista acaba reclamando do preço - lamenta Celso Nogueira, de 61 anos, dono de um quiosque na Praia Grande há 40 anos.

Além da pesca predatória e da falta de fiscalização, com o fechamento em 2006 da Companhia Alcalis, indústria de carbonato de sódio que se estabeleceu no município durante 40 anos, cerca de 700 pessoas perderam seus empregos e a pesca passou a ser a única opção.
- É muita gente para pescar.
Em 94, chegamos a pescar 24 toneladas de xaréu. Em 96, foram 312 cações de uma só vez. Esses peixes nunca mais apareceram aqui - conta o pescador Ubiratan de Aguiar, de 73 anos.
O pescador Nilson de Souza Carvalho Júnior conta que foi criado até mesmo um revezamento de pescadores para preservar as embarcações que já quase não entram no mar: - As canoas estão ressecando na areia. Para reduzir o problema, adotamos um revezamento: cada pescador tem um dia para colocar a canoa no mar e divide a pesca com os outros. Em geral, formam-se grupos de dez, 15 pescadores.

Fiscalização fica sem seu único barco
A Resex-Mar foi criada em 1997, mas até hoje conta apenas com quatro funcionários, sendo que dois estão em processo de aposentadoria. Álvaro Braga, diretor da reserva, alega que o problema é nacional:
- Houve um aumento da pesca, com embarcações modernas e redes maiores, em toda a costa brasileira. Aqui, temos uma embarcação para fiscalizar, mas ela ficou muito tempo parada e estamos tentando colocá-la para funcionar.

Prefeito eleito de Arraial, Wandernson Cardoso de Brito, filho de pescador, diz que vai ajudar na fiscalização:
- Vamos buscar recursos para capacitar os pescadores, principalmente os jovens.

Eraldo Teixeira da Cunha, presidente Associação da Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo e pescador há 39 anos, conta que os barcos irregulares conseguem burlar a pouca fiscalização que há:
- Já foram apreendidos mais de 15 quilômetros de rede de três malhas e alguns barcos este ano, mas agora eles entram à noite ou na madrugada e não temos recurso para fiscalização permanente.

O Globo, 09/11/2008, Rio, p. 26

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.