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Peritos confirmam incêndio criminoso

Folha de Boa Vista-Boa Vista-RR
Autor: RIBAMAR ROCHA
13 de Fev de 2004

O incêndio de uma casa, um galpão e um depósito, ocorrido na terça-feira, na comunidade indígena do Canta Galo, foi proposital. A afirmação foi feita ontem pela manhã pelo delegado da Polícia Federal, Eduardo Alexandre Fontes, responsável pelo caso.
Embora o laudo final só esteja concluído em oito ou dez dias pelos peritos da PF, o delegado afirmou que não restam dúvidas de que o incêndio foi proposital. Eduardo Fontes tomou como base para sua afirmação as primeiras informações detalhadas pelos peritos.
"Alguns detalhes chamam a atenção como, por exemplo, o fato de que o fogo nas três casas começou ao mesmo tempo, queimou de cima para baixo e de dentro para fora", detalhou o delegado.
Os peritos chegaram a Boa Vista por volta da meia-noite desta quarta-feira e ontem pela manhã estiveram com o delegado Fontes mostrando as fotos do local. Com base nisso e no que afirmou os peritos, o delegado vai apenas aguardar a conclusão do laudo técnico pericial para instaurar o inquérito policial.
"Vamos intimar as pessoas envolvidas e líderes indígenas da região para serem ouvidos aqui na Polícia Federal", disse. Depois de concluído, o inquérito será encaminhado ao Ministério Público para que as devidas medidas penais sejam tomadas. "Quer sejam índios ou não índios, os responsáveis serão punidos da mesma forma", enfatizou.
Clima tenso pode levar PF a pedir reforço ao Estado

O delegado Eduardo Alexandre Fontes afirmou que o agente que acompanhou a equipe esteve conversando com pessoas da comunidade e constatou que o clima está tenso na região.
"Já entramos em contato com as lideranças da Sodiur e diretores da Funai no sentido de tentar conter os ânimos dos envolvidos", disse Eduardo Fontes informando que todos os dias tem a preocupação de conversar com os tuxauas da região em conflito.
Preocupado com a situação, o delegado afirmou que já existe a preocupação da administração da Polícia Federal em trazer reforço policial para Boa Vista. "Em casos específicos como este, é necessária a vinda de reforços. Caso os líderes não contenham os ânimos dos seus povos, teremos que pedir intervenção para conter o clima tenso que toma conta da região, e assim tentar evitar que aconteçam coisas piores", afirmou.
As lideranças da Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), contrários à homologação da reserva Raposa/Serra do Sol, acusam os índios do CIR (Conselho Indígena de Roraima) de serem os responsáveis pelo incêndio. O CIR defende a homologação da reserva em área única, daí o confronto entre os próprios indígenas.
Temos que frear a expansão de reservas indígenas indeterminadas, diz Flamarion

"Ninguém é contra a demarcação de terras indígenas, mas é preciso colocar um freio na expansão indeterminada destas reservas". A afirmação é do governador Flamarion Portela (licenciado do PT), ontem na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal.
No seu argumento, o governador comparou as reservas indígenas em Roraima com as do Mato Grosso do Sul. "Enquanto o Mato Grosso do Sul tem 122 mil hectares demarcados, Roraima tem mais de 10 milhões de hectares. Estamos aqui discutindo a Raposa/Serra do Sol, que é emblemática, mas nesse momento mesmo a Funai já fala em ampliar a reserva Malacacheta, que chegaria ao perímetro urbano de Boa Vista", afirmou.
O governador elogiou a iniciativa do Senado de ouvir vários segmentos envolvidos, inclusive enviando uma comissão externa a Roraima. "Nosso objetivo é construir o consenso, encontrando alternativas que sejam boas para todos, mas esta situação precisa ser decidida de uma vez por todas. O que não podemos é viver sob essa ameaça expansionista constante", declarou.
Depois de fazer estas observações, o governador foi apartado pelo senador Ramez Tebet (PMDB/MS), ao final da reunião. "Isto que o governador está dizendo é muito importante", comentou. Segundo ele, está claro que as terras indígenas precisam ser demarcadas, mas o Brasil precisa superar este momento de sua história.
"Está na hora de colocarmos um ponto final. Não dá para transformar em terra indígena cada palmo de chão que o índio pisa. E agora é revelado aqui nesta comissão que índios de outros países estão vindo para o Brasil. Vamos ter que dar terras a eles também? Nenhum país vive esta situação. Quer dizer que onde o passarinho voar é do índio?", ironizou.
A reunião de ontem contou, além do governador Flamarion Portela, com a presença do secretário de Justiça e Segurança de Mato Grosso do Sul, Dagoberto Nogueira Filho, representando o governador Zeca, do PT, e das subprocuradoras da República, Déborah Duprat e Ela Wiecko Wolkner de Castilho.
Quinze senadores compareceram à audiência pública. A Comissão de Relações Exteriores tem 19 titulares. Participaram também seis dos oito deputados federais de Roraima, parlamentares de Mato Grosso do Sul, o presidente da Associação Brasileira de Antropologia, além de representantes de Ongs e muitos jornalistas. Segundo um funcionário da comissão, o plenário nunca havia ficado tão cheio antes, com tantas pessoas em pé.
Mozarildo faz críticas a subprocuradoras

O senador Mozarildo Cavalcanti (PPS), em seu pronunciamento de ontem, no Senado, bateu de frente com as duas subprocuradoras da República Déborah Duprat e Ela Wiecko Wolkner de Castilho, dizendo que o discurso delas se assemelha muito ao das Organizações não governamentais (Ongs), quando na verdade o Ministério Público Federal tem que ser o fiscal da lei.
Ele ressaltou que o Senado tem que participar das decisões sobre demarcações e que estas devem, obrigatoriamente, ser submetidas ao Conselho de Defesa Nacional, por estarem em áreas de fronteira.
Para mostrar seu sentimento em relação às decisões que estão sendo tomadas, o senador disse que a demarcação de terras indígenas é muito importante para ser decidida por servidores de segundo e terceiro escalões do Governo Federal, através de simples portarias.
Para ilustrar seu pensamento em relação a essas decisões, o senador usou uma frase de efeito atribuída a Clemenceau para mostrar a gravidade da ilustração. "A guerra é assunto muito sério para ficar nas mãos apenas de generais", reforçou.
Jucá vai propor projeto sustando demarcações de terras indígenas

"Enquanto o Governo Federal não colocar no orçamento os recursos necessários às indenizações para os proprietários de terras que forem retirados, vou apresentar projeto de decreto legislativo sustando as demarcações de terras indígenas em todo o país." A frase é do senador Romero Jucá (PMDB) durante a reunião da Comissão de Relações Exteriores do Senado.
"Esta Casa aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi um avanço na administração pública no Brasil. Esta lei obriga os governos a só contraírem despesas previstas no orçamento. Como o Governo Federal pode desapropriar terras se o orçamento não prevê os recursos para as indenizações?", questionou.
Jucá também criticou as posições dos que defendem a demarcação da Raposa/Serra do Sol em área contínua sob o argumento de que os índios correm risco de extinção. "Quem está ameaçado de extinção? Os índios que ao invés de ter 1,7 milhão de hectares teriam 1,4 milhão, ou as famílias que lá vivem em cerca de 200 hectares e que não têm para onde ir?", indagou mais uma vez.
Ele salientou que as famílias que foram desapropriadas de outras terras indígenas em Roraima estão há mais de uma década esperando as indenizações devidas pela Funai, e isto deve ocorrer também com as que saírem da Raposa/Serra do Sol.
Sugeriu que o governo crie o Título da Dívida Indígena, com as mesmas características dos TDAs (Títulos da Dívida Agrária), colocando as despesas no orçamento antes de desapropriar as terras. "Se não for feito isso, Roraima vai ficar igual a Chiapas", disse referindo-se ao estado mexicano em permanente situação de conflito.
Perez compara diferenças entre Yanomami e Raposa/Serra do Sol

Ao se manifestar na audiência pública sobre a demarcação de terras indígenas ontem pela manhã, o senador Jéferson Pérez (PDT/AM) deixou claro que não tomou parte na comissão externa que esteve em Roraima, na semana passada, apenas para fazer figuração. Embora tenha permanecido apenas um dia no Estado, ele tem na ponta da língua detalhes importantes sobre a problemática fundiária roraimense.
"Esta visita a Roraima me deu a convicção de que estão dando tratamento uniforme para duas questões completamente diferentes, no caso as demarcações das terras indígenas Yanomami e Raposa/Serra do Sol. Eu fui um entusiasta da reserva Yanomami. Os índios vivem ainda em estado primitivo, existe homogeneidade étnica, ausência de ocupação por não índios e a floresta é densa. Não há o que discutir. Fizeram muito bem em demarcar da forma como foi feita".
Já a Raposa/Serra do Sol, de acordo com Pérez, é exatamente o contrário. "Os índios estão integrados com os não índios e existe heterogeneidade étnica com os Ingaricó, Wapichana, Macuxi e Taurepang que se falarem suas línguas jamais se entenderão, até porque o ramo lingüístico Aruak está tão distante do Karib quanto o português do inglês", explicou.
O senador disse que essas etnias são muitas vezes hostis umas às outras. Além disso, ao contrário da reserva Yanomami, na Raposa/Serra do Sol há a presença de não índios com posse legítima há muitas gerações, além de duas cidades instaladas, uma delas, Uiramutã, desde 1911. "Sem se falar na miscigenação. É difícil saber quem é índio, e quem é descendente de índio", afirmou.
O senador também destacou outra diferença. Raposa/Serra do Sol, observou, está em área de lavrado (savana), não havendo portanto risco de devastação. E ressaltou que os não índios presentes são pequenos proprietários. "Quando se fala de conflito entre fazendeiros e índios, parece que está se falando de senhores feudais oprimindo os pobres coitados, quando não é isso".
"Por que só os índios que são contra a demarcação são manipulados pelos fazendeiros, como afirmam as Ongs? Ora, eu tenho experiência para saber quando estou lidando com marionetes e, ao contrário, ouvi depoimentos muito incisivos de índios em Roraima".
O senador ainda denunciou que a terra indígena Raposa/Serra do Sol vai absorver o Parque Nacional do Monte Roraima, uma área preservada e de riquíssima biodiversidade. "Não haverá garantia nenhuma de que a preservação será mantida, uma vez que estes índios são aculturados e terão que desenvolver atividades econômicas para sobreviver".
Para Jéferson Pérez, o resultado mais óbvio é que a terra indígena, após demarcada, se transforme em um paraíso para os narcotraficantes, como já ocorre em outras regiões de fronteira na Amazônia.

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