VOLTAR

Perigo é adiar programas ambientais

O Globo, Economia, p. 32
Autor: LÖWY, Michael
01 de Fev de 2009

Perigo é adiar programas ambientais
Para sociólogo, crise serve de desculpa para deixar questões ecológicas de lado

O Globo - Radicado na França há 40 anos, o sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, autor de mais de 20 livros - entre eles "Ecologia e Socialismo", da Editora Cortez - participou dos painéis do Fórum Social Mundial sobre a Amazônia, eixo central do encontro. Ele contesta o argumento dos governos de que faltam recursos para mudanças ambientais e diz que a prioridade tem sido socorrer bancos e montadoras, caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Maiá Menezes e Soraya Aggege

Dá para ter uma idéia das propostas mais concretas do Fórum, diante da crise?

Michael Löwy: É impossível ter uma visão geral do Fórum. É como aquele personagem do Tolstói que esteve na batalha de Waterloo e não entendeu nada: cavalo para cá, canhão para ali. Desta vez, em Belém, muito mais, porque está disperso territorialmente. Mas dá para perceber o impacto da crise e a percepção de que o mercado não resolve os problemas. Nosso ponto de vista se revelou mais acertado que o de Davos. Outro aspecto é a presença de grupos indígenas, tanto brasileiros quanto latino-americanos. Obviamente, a questão ecológica está muito central. Propostas há inúmeras, concretas e factíveis, mas com dinâmica de confronto com o sistema. Há uma que vi surgindo em vários lugares do encontro: desmatamento da Amazônia não, e já. Será consensual.

É possível fazer uma interface entre o que é a crise econômica e o que é a ambiental?

Löwy: É a convergência das crises. O fato é que as duas crises remetem para o mesmo problema: a inadequação do mercado capitalista para resolver os problemas da humanidade. A lógica do sistema é contraditória com uma economia racional que defenda o meio ambiente. Além disso, com a crise econômica, os governos estão dizendo que não há mais recursos para as mudanças exigidas pela crise ambiental. Essa é a maior ameaça que pesa sobre a Humanidade. Infelizmente é assim: "precisamos do dinheiro agora para socorrer os bancos, a indústria de automóveis e não há mais dinheiro para desenvolvermos a energia solar, eólica e outras". Mesmo em propostas modestas, como a dos países europeus de exigir que os fabricantes de automóveis reduzam a emissão de gases. Logo veio a Alemanha e disse: "Não posso, porque minha indústria não será mais competitiva". E o governo alemão bloqueou a medida modesta. Isso mostra como a crise serve de pretexto para se deixar para trás mudanças urgentes na questão ambiental.

O governo brasileiro cortou 79% do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, que já é um dos menores. O que achou?

Löwy: É uma lógica perversa. Deveria ser o contrário. Uma politica de meio ambiente cria empregos. Para combater desmatamento, são precisos milhares de fiscais na mata. O orçamento teria que ser multiplicado por dez. Até o Obama, que não é um ecossocialista, mas um modesto representante de uma versão soft do capitalismo, está dizendo que a maneira de sair da crise é desenvolver uma economia verde. Não sei se fará, mas pelo menos está dizendo.

Esse comportamento dos governos vai gerar mais pobreza?

Löwy: Sim, porque os pobres são as primeiras vítimas da crise ambiental, do aquecimento global. A questão social e a ecológica caminham juntas.

Ainda há tempo de se reverter essa situação?

Löwy: Nada é seguro. As coisas estão aceleradas, há o aquecimento global. Estamos apostando em um projeto socialista e ecológico, que é o ecossocialismo. Se vamos ganhar, não sei. O tempo trabalha contra.

A crise econômica então pode pressionar a ambiental?

Löwy: Exatamente. Esse é o perigo: que, com o pretexto da crise econômica, os programas ambientais sejam adiados.

Como o senhor supõe que o governo Lula vai enfrentar a crise do ponto de vista da ecologia? Dá para ter otimismo?

Löwy: Vendo as práticas do governo, vou mais para pessimismo. Mas, citando Gramsci, temos que ter o pessimismo da razão e o otimismo da vontade. O pessimismo da razão nos diz que a política do governo Lula é a de reduzir o compromisso do governo com a questão ambiental. Há uma regressão evidente, com essa decisão escandalosa de cortar créditos do Ministério do Meio Ambiente. Mas o otimismo da vontade é apostar que, se a opinião pública se tornar consciente, se houver uma mobilização social importante...

O Globo, 01/02/2009, Economia, p. 32

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.