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Perdidos na selva

O Globo, Ciência, p. 29
04 de Out de 2013

Perdidos na selva
Expedição procura espécies de primatas em risco de extinção na Amazônia

Renato Grandelle

Uma equipe de pesquisadores percorrerá centenas de quilômetros quadrados no Oeste maranhense em busca de duas espécies de primatas, classificadas como criticamente em perigo de extinção. A expedição de dez dias, que será iniciada terça-feira, vai procurar o cuxiú-preto e o caiarara-Kaapor. Suas populações vivem dentro de uma unidade de conservação, a Reserva Biológica Gurupi, invadida por traficantes de animais silvestres e madeireiros.
Segundo o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, a área da Gurupi é uma das últimas remanescentes de floresta na Amazônia Oriental. O desmatamento, no entanto, está intensificando a fragmentação da área verde, isolando populações de primatas.
- Sabemos que na região há conflitos territoriais com terras indígenas e assentamentos rurais - ressalta Leandro Jerusalinsky, coordenador do CPB. - Estas são algumas razões para que as populações dos primatas estejam divididas. Quando isso acontece, a variedade genética das espécies é comprometida, e aumenta seu risco de extinção.
Rabo cortado para espanador
O caiarara está na lista dos 25 primatas mais ameaçados do mundo, elaborada pelo Grupo Especialista em Primatas da União Internacional para a Conservação da Natureza e pela Sociedade Internacional de Primatologia. A espécie é altamente sensível mesmo aos níveis mais leves de perturbação ambiental, como o corte seletivo.
Segundo Jerusalinsky, os primatas de Gurupi são caçados principalmente para alimentação e prisão em cativeiro. Mas outros fatores menos conhecidos contribuem para o desaparecimento das espécies. O cuxiú, por exemplo, tem o rabo cortado para servir como espanador.
A equipe do CPB quer estudar a densidade populacional do cuxiú e do caiarara. A partir deste cálculo, seria possível estimar quantos indivíduos dessas espécies ainda restam na floresta.
A conta também influenciaria o traçado da reserva do Gurupi. Sua área poderia ser expandida se os primatas ameaçados estiverem fora da unidade de conservação.
O analista ambiental, porém, descarta a possibilidade de que os primatas sejam remanejados para áreas no interior da floresta, mais protegidas da ação humana.
- Os primatas não iriam se adaptar à nova região, e ainda ameaçariam as espécies que vivem naquela localidade - explica. - Devemos descartar qualquer possibilidade de retirá-los de sua área original.
De acordo com o pesquisador, a ameaça a espécies presentes no arco do desmatamento - a região às margens da floresta, explorada pela agroindústria - exige uma reação urgente do governo federal.
- Estamos no limiar entre ter que partir para medidas extremas: remanejar as espécies ou assegurar a preservação de seu habitat - alerta. - A decisão é fundamental para assegurar a sobrevivência dessas unidades de conservação e manter sua biodiversidade.
Além do cuxiú e do caiarara, outras cinco espécies de primatas estão na reserva do Gurupi. O CPB também estudará sua abundância populacional, além de identificar as principais ameaças.
O Brasil é o país com maior número de espécies de primatas no mundo: são 118.
Unidade de conservação pode ser extinta
A expedição em Gurupi veio no momento certo para a reserva, cuja existência é questionada por madeireiros. A reserva biológica, criada em 1988 com tamanho estimado de 3,4 mil km², teve sua área reduzida para 2,7 mil km². Agora, tramita pela Câmara dos Deputados um projeto de decreto legislativo que reivindica a extinção da unidade, alegando que sua criação não levou em conta da situação fundiária daquela região.
- É um projeto incentivado por madeireiros do Maranhão e do Pará, que têm interesse na exploração econômica da unidade - lamenta Evane Lisboa, chefe da reserva há oito anos. - Temos apenas 14 pessoas para fiscalizar toda a região. É muito difícil conter a sua invasão.
Nos últimos meses, o Ibama fechou mais de 20 serrarias na região do Gurupi. Cerca de 3 mil metros cúbicos de madeira foram apreendidos, o suficiente para preencher mais de 150 caminhões.
Lisboa elabora um inventário sobre a quantidade de animais ameaçados de extinção presentes na reserva biológica. Ainda não há previsão de quando o projeto será concluído.
A expedição é parte do Projeto Primatas em Unidades de Conservação da Amazônia (Puca), fundado em 2009 para coletar informações sobre primatas e seus habitats. Os estudos contribuem para elaborar inventários populacionais das espécies e criar unidades de preservação.
O programa também emite alertas sobre o impacto ambiental a áreas habitadas por primatas e visita áreas que abrigam espécies altamente ameaçadas de extinção.
Esta será a única expedição da Puca em 2013. A reserva do Gurupi foi escolhida justamente por ser a única unidade de conservação integral da Amazônia a abrigar duas espécies de primatas altamente ameaçadas de extinção. Além do CPB, o grupo tem analistas ambientais de reservas de Amazonas, Roraima e Rondônia.

O Globo, 04/10/2013, Ciência, p. 29

http://oglobo.globo.com/ciencia/expedicao-procura-especies-de-primatas-…

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