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Perdas e ganhos sociais da hidrelétrica de Santo Antônio, na Amazônia

Época - http://epoca.globo.com
Autor: Isabella Jaggi
24 de Out de 2014

Boa parte dos impactos gerados pela hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (Porto Velho/RO) passam pela mesa de Guilherme Abbad Silveira. Ele é o gerente de Sustentabilidade da Santo Antônio Energia, empresa responsável pela operação da hidrelétrica. Biólogo de formação, trabalha no local desde outubro de 2008. De acordo com Silveira, o maior desafio para a instalação do empreendimento na região foi a chegada em um município com deficiências sociais e ambientais sistêmicas. Isso gera muita expectativa da população e a empresa acaba assumindo o papel do governo em vários momentos. "É uma questão muito complexa, porque temos que ajudar a resolver questões locais históricas, enquanto fazemos a obra e geramos novos impactos", diz Em linhas gerais, desde o início das obras, a Santo Antônio Energia está investindo R$ 2 bilhões em projetos sociais e ambientais em Porto Velho, valor superior à exigência por lei.

Um dos desafios é controlar as endemias. Porto Velho era classificada pelo Ministério da Saúde como uma cidade de alto risco de incidência da malária. Em cada mil habitantes, havia 86 casos da doença. Com o objetivo de ajudar a reduzir esse número, A Santo Antônio Energia lançou o Plano de Ação para Controle da Malária. O programa teve bons resultados, a doença ainda está longe de ser erradicada na região, mas os índices já diminuíram. A quantidade de casos recuou para 55 em cada mil habitantes. E o Ministério da Saúde agora classifica Porto Velho como um município de médio risco. Essa iniciativa rendeu, em 2012, um prêmio para a Santo Antônio Energia na categoria Responsabilidade Social e Ambiental. O investimento inicial no programa, em 2009, foi de R$ 12,4 milhões. "Além disso, trabalhamos também na organização de políticas públicas e no georreferenciamento de residências na região", afirma Silveira.

Com relação aos questionamentos sobre a imigração de muitos trabalhadores para o município de Porto Velho, Silveira afirma que os números foram reduzidos com o Programa Acreditar, iniciativa da Odebrecht Energia, uma das acionistas da Santo Antônio Energia. O programa tem como objetivo formar mão-de-obra local para atuar no mercado de trabalho e contribui para redução da imigração para as áreas de obras. São cursos gratuitos ministrado na região e os alunos não precisam ter vínculo de contratação com a empresa. No caso da hidrelétrica de Santo Antônio, no pico das obras, haviam cerca de 20 mil trabalhadores e, de acordo com a empresa, 80% desses profissionais eram moradores da região de Porto Velho.

O esforço para compensar a comunidade foi bem recebido por Maria José Moreira Gomes Dantas, de 56 anos. Ela e o marido, José Dantas da Costa, foram transferidos do local onde moravam, na beira do Rio Madeira, para o reassentamento Santa Rita, que fica a 60 quilometros do centro de Porto Velho. A mudança aconteceu porque eles habitavam uma área que foi desapropriada para a construção da hidrelétrica de Santo Antônio. O processo de adaptação não foi fácil e gerou bastante insegurança para o casal, mas hoje, quase 3 anos depois da transferência, ambos estão satisfeitos com a nova realidade.

Antes de mudar para o reassentamento, Maria José trabalhava com o marido na agricultura familiar. Vivam bem, mas ela diz: "Não gostava muito daquela vida na roça, era muito cansativa e tudo era sempre muito difícil. Aqui é mais tranqüilo e o trabalho é melhor". Quando chegou à nova morada, aproveitou todas as oportunidades que a Santo Antônio Energia ofereceu como medidas compensatórias para a transferência. Aprendeu a costurar, a fazer artesanato e a mexer na internet. Com essas novas ferramentas em mãos, ajudou a fundar o grupo Artesãs de Santa Rita, uma associação de mulheres artesãs do reassentamento que vendem seus trabalhos em feiras que acontecem semanalmente em Porto Velho. Maria José borda panos de prato, toalhas e uma série de outros produtos de casa. A demanda é tão grande, que ela só trabalha sob encomenda e, às vezes, coloca até o marido para pregar alguns botões.

Nem todos porém estão satisfeitos com os impactos da obra. Ivaneide Bandeira Cardozo, 55 anos, é uma das principais lideranças ambientais de Rondônia. Nasceu na cidade de Plácido de Castro, no Acre, mas aos 12 anos mudou-se com a família para Porto Velho. Estudou na Universidade Federal de Rondônia - fez graduação em História, especialização em Análise Ambiental e Geoprocessamento e mestrado em Gestão de Território. Já trabalhou na Funai e no Planaflora, programa de preservação ambiental executado pelo governo de Rondônia, em convênio com o Banco Mundial. Desde 1992, trabalha na Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, organização que ela ajudou a fundar com o objetivo lutar pela defesa do meio ambiente e dos povos indígenas, em especial da etnia Uru-eu-wau-wau.

Ivaneide é contrária à instalação de hidrelétricas na Amazônia em geral. Combateu desde o início a construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, que contempla as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Ela defende que o modelo de desenvolvimento da Amazônia deve ser pensando junto com a população local, levando em conta as vocações naturais da região - atividades sustentáveis, como a exploração de produtos florestais e o potencial turístico. "Não se pode replicar aqui o modelo de desenvolvimento do Sul e Sudeste. É outra realidade. Além disso, não podemos fazer aqui o que foi feito nessas regiões. O Brasil todo precisa da floresta em pé para viver", diz.

Ivaneide acompanhou de perto todo o processo de instalação das hidrelétricas do Rio Madeira, desde o momento em que começaram a ser feitos os estudos de viabilidade. Sempre cobrou maior profundidade nas análises e mais cuidado na divulgação dos resultados para a população local. De acordo com a ambientalista, as informações não tinham uma linguagem acessível e poucas pessoas conseguiam ter uma dimensão mais real do que vinha pela frente.

O uso da tecnologia fio d'água (que dispensa grandes reservatórios) era uma grande preocupação para Ivaneide, porque era um modelo pouco conhecido e não havia como saber se seria a melhor opção para a região. Preocupava Ivaneide também o fato de o Rio Madeira ser considerado um rio novo, ainda em formação e pouco conhecido pela comunidade científica. Além disso, havia um temor sobre a avalanche de pessoas que chegariam à região por conta das obras. O aumento repentino da população acentuaria muito os problemas sociais e ambientais que Rodônia já vivia, como o desmatamento, a questão da violência e a falta de escolas e postos de saúde, por exemplo. Sem falar do impacto econômico que haveria com o fim das obras, o que aconteceria com as pessoas que vieram para a região para trabalhar nas obras? No caso de uma diminuição repentina no número de habitantes, como ficariam as atividades econômicas da região?

A proximidade das hidrelétricas da cidade de Porto Velho também pesava muito na resistência à construção. "Se acontecer qualquer acidente nas usinas, Porto Velho é altamente impactada", afirma. Ela acredita que essa vulnerabilidade da cidade ficou bastante evidente com grande enchente que Porto Velho viveu no início do ano. Foi a maior cheia dos últimos tempos, boa parte do município ficou debaixo d'água. Embora não haja evidências científicas sobre o assunto, Ivaneide acredita que a cheia não teria a proporção que teve se não fossem as barragens. "Elas mudaram o curso do rio, é óbvio que isso interferiu", diz. Outra queixa de Ivaneide é o fato de não haver uma diminuição no preço da energia na região. "A energia aqui é caríssima, o fato de nós termos que conviver com esse perigo das hidrelétricas não tem nenhuma compensação. Ao contrario, pagamos mais caro", afirma.

Ivaneide acredita que a construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) pode ser uma alternativa para a produção de energia na Amazônia. Mas diz que deve haver uma reformulação no modelo atual de PCHs. "As bacias precisam ser pensadas de forma integrada. Se construírem muitas PCHs em uma mesma bacia, os impactos sociais e ambientais serão tão grandes ou até maiores do que os efeitos provocados pelos outros modelos de construção". Além disso, a ambientalista defende que haja uma otimização dos recursos que já existem, para não haver a necessidade de construir novas hidrelétricas.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2014/10/…

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