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10 de Out de 2024
Perda de biodiversidade continua assustadora, diz WWF
Relatório do WWF com a Sociedade Zoológica de Londres mostra o declínio médio de populações de vertebrados monitorados no planeta
Daniela Chiaretti
10/10/2024
Há um declínio de 73% na vida selvagem registrado em 50 anos, entre 1970 e 2020. Trata-se de mais um indicador de que a Terra se aproxima de pontos de não retorno perigosos. Especialistas dizem que os próximos cinco anos serão decisivos para enfrentar as crises climática e de biodiversidade.
As quedas mais acentuadas em populações de vertebrados selvagens monitoradas foram registradas na América Latina e no Caribe, na África e na Ásia Pacífico.
As informações são da 15ª edição do relatório "Planeta Vivo 2024: Um Sistema em Perigo", lançado hoje pelo WWF Internacional em parceria com a Zoological Society of London. "A biodiversidade sustenta a vida humana e mantém nossas sociedades", começa o sumário executivo. "No entanto, cada indicador que acompanha o estado da natureza numa escala global mostra um declínio".
O relatório se baseia no Índice Planeta Vivo (LPI, na sigla em inglês), desenvolvido pelo instituto de zoologia de Londres. O índice mostra o tamanho médio das populações de vertebrados selvagens monitoradas - mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes. É uma mudança proporcional média nos tamanhos das populações de animais monitoradas ao redor do mundo, e não o número de animais ou populações perdidas. São quase 35 mil tendências populacionais de 5.495 espécies monitoradas entre 1970 e 2020.
Segundo a série de dados, o maior declínio aconteceu nos ecossistemas de água doce. Depois vêm populações que vivem em ecossistemas terrestres e, por último, marinhos. "A perda e degradação de habitat, impulsionada principalmente por nossos sistemas alimentares, são as ameaças mais reportadas para as populações de vida selvagem no mundo, seguidas por superexploração, espécies invasoras, doenças e poluição", diz o texto. "As mudanças climáticas representam uma ameaça adicional, especialmente para as populações de vida selvagem na América Latina e no Caribe".
"Não há a menor dúvida que o quadro que estamos apresentando é incrivelmente preocupante", diz Kirsten Schuijt, diretora geral do WWF international, "mas a boa notícia é que ainda não ultrapassamos o ponto de não retorno". Cita os acordos internacionais - o Marco Global da Biodiversidade, o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. "São acordos ambiciosos, mas, infelizmente, a ação realizada até agora é muito inferior ao necessário", segue. "Os desafios são imensos assim como as oportunidades para mudarmos de rota".
"O índice fornecido pela Zoological Society de Londres funciona como um alerta precoce da saúde dos ecossistemas", diz David Sumba, chefe de Conservação do WWF Internacional. "Essa edição mostra a interligação entre a crise do clima e da perda de natureza e como ambas estão empurrando o planeta para perigosos pontos de virada", seguiu Sumba em entrevista à imprensa internacional. Há pontos críticos na floresta amazônica e nos recifes de corais, citou. "Se perdermos esses sistemas, as mudanças podem ser irreversíveis com consequências devastadoras para a humanidade".
O Planeta Vivo e o índice têm sofrido críticas de outros especialistas no mundo, inclusive de Bráulio Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente e ex-secretário executivo da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. "O relatório da WWF contém um problema sério na comunicação sobre o monitoramento de populações de animais vertebrados em todo o mundo: resume a diversidade de tendências num único número, um índice supostamente médio, indicando uma redução de cerca de 70% nos últimos 50 anos", diz ele, que cita outros estudos que criticam a metodologia. "A maioria das populações monitoradas apresentou estabilidade e outras apresentaram pequenos aumentos ou reduções populacionais. Menos de 3% das populações apresentaram sérios declínios", segue, citando artigo publicado na "Nature" em 2020 sobre o índice em que se baseia o Living Planet.
"Há uma grande dificuldade em se medir biodiversidade em termos de espécies, populações, ecossistemas e qualidade de ecossistemas", observa a bióloga Helga Correa, especialista em conservação do WWF-Brasil. O índice se baseia em um grande apanhado, de vários estudos ao redor do mundo que acompanham populações, explica ela. "O que a Sociedade Zoológica de Londres faz é compor uma média das tendências populacionais desses diversos estudos coletados ao longo do tempo", continua Helga Correa.
"A Sociedade Zoológica de Londres propôs esse índice, mas como qualquer índice que tenta descrever a biodiversidade, tem as suas fragilidades. Uma delas é que se depende dos dados populacionais existentes", reforça. "As limitações não são do índice, mas dos próprios dados de biodiversidade e condições de pesquisa dos países sobre a biodiversidade", diz Helga Correa. O índice passa pelo escrutínio da comunidade científica, destaca a bióloga. "Como qualquer peça científica está sujeito a críticas e a aprimoramentos".
Uma delas, por exemplo, é que nessa edição só são consideradas espécies nativas - nos relatórios anteriores consideravam-se, também, as espécies exóticas. "Mas o importante é notar que o retrato que temos de um decréscimo, em média, ao longo do tempo, nas tendências populacionais, associado a outros indicadores como a lista de espécies ameaçadas apontam todos para o mesmo lugar", destaca Helga Correa. "Essa é a principal mensagem desse relatório: independente do índice que utilizamos, estamos falhando em manter espécies, populações, ecossistemas intactos e que, diante de um funcionamento saudável, poderiam oferecer serviços ecossistêmicos". O diagnóstico, portanto, leva a uma situação de alerta. "Temos que nos comprometer com as mudanças necessárias para reverter todo esse quadro".
Kirsten Schuijt lembra que para deter e reverter a perda de natureza é preciso não só aumentar os esforços de conservação em larga escala, mas mudar os vetores de perda de biodiversidade - "Nossos sistemas de produção de alimentos e energia e como valorizamos e financiamos a natureza", destacou. "Para que isso aconteça, precisamos de uma mudança transformadora que seja feita de forma justa e inclusiva."
E seguiu: "A maneira que produzimos comida é uma das maiores ameaças à biodiversidade, com a agricultura relacionada ao desmatamento, escassez de água e perda de habitats, ao mesmo tempo em que ao menos 1/3 da população no mundo não tem acesso a comida". O relatório indica que é preciso ampliar a produção com práticas positivas para a natureza, reduzir a perda e o desperdício de alimentos e aumentar o apoio financeiro para a boa governança.
No caso da produção de energia, o setor que mais emite gases-estufa globalmente, é preciso transitar rapidamente dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. Além disso, triplicar a capacidade de produção de energia renovável e duplicar a eficiência energética nos próximos cinco anos, diz ela.
"Metade do PIB global, algo estimado em US$ 58 trilhões, é dependente de forma moderada ou alta à natureza, mas nosso sistema financeiro a subvaloriza completamente", seguiu a diretora geral do WWF Internacional. A transformação do sistema financeiro, por seu turno, depende de direcionar fluxos para rotas ambientalmente saudáveis.
"Continuamos investindo em atividades que pioram a mudança do clima e causam danos à biodiversidade", seguiu. "A natureza e o clima têm que ser centrais no nosso sistema financeiro".
A forma como a conservação é feita também tem que mudar, seguiu ela, lembrando que o Marco Global da Biodiversidade, aprovado no Canadá em 2022 diz que 30% dos ecossistemas terrestres, marinhos e de água doce devem ser protegidos até 2030, além de se restaurar 30% de áreas degradadas nos próximos seis anos.
"Para tanto precisamos de ações coordenadas para ampliar, conectar e financiar áreas protegidas e assegurar os direitos e necessidades de povos indígenas e comunidades locais", continuou Kirsten Schuijt. Esforços para conservar fora de áreas protegidas devem ser impulsionados, assim como incorporar o que se chama de "Soluções Baseadas na Natureza" para combater as crises climática e de biodiversidade. "Por isso não é exagero afirmar que o que acontecer nos próximos cinco anos, entre hoje e 2030, determinará o futuro da vida na Terra. Precisamos tanto de liderança como de esforço coletivo". Concluiu: "Tudo o que temos que fazer é fazer algo radicalmente diferente porque melhorias na mesma direção não serão suficientes".
O relatório não traz dados específicos sobre o Brasil, mas destaca a queda observada de 75% na população de tucuxi e de 65% na de botos-cor-de-rosa na Reserva de Mamirauá, na Amazônia, muito afetada pela seca. "É um grande alerta porque mostra que mesmo dentro de Unidades de Conservação há espécies ameaçadas", diz ela.
O relatório é divulgado poucos dias antes da COP 16, a conferência das Nações Unidas para a biodiversidade que começa em 21 de outubro em Cáli, na Colômbia, e um mês antes da COP 29, a conferência do clima, em Baku, no Azerbaijão.
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