VOLTAR

Pequenos produtores mantêm reserva legal

OESP, Agrícola, p. 4-5
02 de Mar de 2011

Pequenos produtores mantêm reserva legal
Eles recuperaram ou preservaram área de mata exigida pelo Código Florestal, com vantagens ambientais e econômicas

Leandro Costa e José Maria Tomazela

Até meados do mês, está prevista a votação, no Congresso Nacional, de modificações no Código Florestal. O relatório do deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), já aprovado em comissão especial, isenta, entre outras medidas, pequenas propriedades, de até 4 módulos fiscais (que variam conforme a região), da recomposição de reserva legal, além de reduzir a área de proteção de cursos d'água e mananciais.
Mesmo pequenos e na contramão dessas modificações propostas pelo deputado, os produtores abaixo preservaram ou recuperaram a área de Reserva Legal exigida pelo atual Código, que determina que 20% da propriedade tenha mata nativa, sem contar Áreas de Preservação Permanente. No caso da Amazônia, a reserva deve ser de 80%. Estes produtores relatam os benefícios ambientais e econômicos da opção, não só para os seus negócios, como para o entorno.

Capela do Alto

O agricultor João Carlos Wincler estava a ponto de desistir da lavoura e da criação de gado de leite no Sítio da Alvorada, em Capela do Alto (SP). O terreno é declivoso e a cada chuva ele via brotar a erosão, que abria sulcos no mandiocal e acabava com o pasto. "A mina de água secou e tivemos de dar água da torneira para o gado." Wincler e os três irmãos herdaram do pai a propriedade de 14,5 hectares e não tiveram o cuidado de evitar que o gado pisoteasse a pequena mata do sítio. A capoeira de 3,6 hectares estava sendo dizimada, além da erosão.
Há quatro anos, eles aderiram ao programa estadual de microbacias e receberam a visita do agrônomo Antonio Vieira Campos, da Casa da Agricultura local. "Ele mandou cercar a mata para o gado não entrar e recomendou que recuperássemos a área degradada."
Com equipamentos do programa, foram construídas duas bacias de contenção na parte de cima do terreno. Na parte mais sujeita às enxurradas foram plantadas touceiras de bambu e outras espécies de crescimento rápido. Os resultados logo surgiram. Sem o gado comendo os brotos e plantas novas, a mata encorpou. A mina voltou a jorrar. "É uma água tão boa que a gente enche os galões para beber." O pasto passou a produzir mais e a produção de leite melhorou.
O melhor mesmo foi recuperar a mina. O veio de água tornou-se permanente e, além de abastecer gado e lavoura, encorpa o riacho que atende às propriedades vizinhas. Pequenos produtores de abobrinha e outras hortaliças usam a água para irrigação. "Do jeito que estava indo, o sítio ia acabar", diz José Carlos, que não se importa de destinar à reserva legal mais de 20% da área do sítio. "Quando passamos a cuidar da mata, tudo melhorou, até a lavoura."

Em Apucarana

Quando regularizou a situação da sua propriedade, em Apucarana (PR), há três anos, o cafeicultor Paulo Fenato perdeu 3, de 38 hectares de cultivo. Para recompor a área de reserva, arrancou 3.500 pés de café. Fenato não se sente punido, porém. "Foi necessário. Não só porque a lei pede, mas porque a preservação dos recursos naturais depende disso", diz ele, cuja propriedade está na bacia do Rio Pirapó, que, além de Apucarana, abastece municípios da região central do Paraná, como Maringá.
Compensar a redução na área de plantio não está sendo tão difícil. Com técnicas avançadas em uma pequena parcela da propriedade ele já igualou a produção anterior. "Substituí o plantio convencional pelo adensado em 2 hectares e já recuperei a perda. Se antes eu plantava 550 pés/hectare, agora planto 4.100 no mesmo espaço." Fenato pretende multiplicar a produtividade nos próximos anos, estendendo o adensamento para toda a lavoura.
Em relação às vantagens de preservar, Fenato diz: "A paisagem mudou. Depois que reflorestei minha propriedade ela voltou a ter vida, com bichos e pássaros", diz. Ele frisa a importância da preservação. "Quanto mais a natureza sofrer, mais nós, produtores, sofreremos". Para preservar as mata ciliares e manter a reserva legal, ele recebe da Prefeitura de Apucarana um prêmio mensal de R$ 562. Junto com outros 68 produtores, ele integra o Projeto Oásis Apucarana, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo, que visa a incentivar a conservação das matas em torno dos Rios Pirapó e Tibagi, que banham a região.
Também em Apucarana, o sojicultor Satio Kayukawa diz que nunca contou com os 9 hectares de área de preservação de seu sítio. Quando comprou a propriedade de 36 hectares, no fim da década de 1980, ela já possuía essas áreas de reserva e só mexeu nelas para substituir 1.800 eucaliptos por árvores nativas. Há, dentro da propriedade, seis nascentes, que ele diz cuidar com zelo. "Elas são minha garantia de água boa." O investimento em variedades de soja mais produtivas permitiu ao produtor tocar a propriedade sem expandir a área de plantio, de 17 hectares.

Casa Branca

Em Casa Branca (SP), o agricultor Odair Mira investe em uma área de reserva legal no sítio no qual é sócio com o irmão. "Não quero ter problemas com a lei e, além disso, sempre adotei práticas conservacionistas, como curvas de nível", diz Mira, que possui 48 hectares e cultiva milho e feijão. Para preservar 20% da área, ele abriu mão de parte do pasto, agregando-o a um trecho de mata. "Retirei os animais e cerquei a área. Fiz um projeto de reflorestamento, mas ainda não sei quanto vou gastar." Ele conta que há seis anos, dentro do programa de microbacias do governo estadual, obteve R$ 5 mil de financiamento para investir na preservação. "Comprei calcário, cerca, arame, mourão, mudas, tudo com recursos desse projeto. Plantei 500 mudas que hoje ajudam a compor a área de reserva", diz. "Nunca mais tive problema com erosão." Mesmo sabendo que a reserva não dará retorno imediato, ele acredita que o investimento trará outro ganho, já que o sítio está em área de microbacia e é cortado por um córrego que ajuda no abastecimento de água de vários produtores. "Na seca, o córrego some", diz. "A reserva deve nos ajudar a ter água o ano todo." Na região, muitos produtores cultivam feijão e adotam a irrigação por pivô. Mira acredita, porém, que 20%, para um pequeno produtor, é muita coisa. "Se plantando alguma coisa já é difícil ter lucro, imagine abrir mão de 20% de área? Não adianta só o produtor preservar a mata. Cada um precisa fazer a sua parte."

Parque, em vez de lavoura
Em Naviraí (MS), produtores doam áreas para parque municipal e ficam em dia com a lei

Fernanda Yoneya

Em Naviraí (MS), a doação de áreas para um parque municipal para compensar a obrigatoriedade da Reserva Legal na propriedade tem sido o caminho para muitos produtores da região ficarem em dia com a lei. "Eles compram uma área, doam essa terra ao parque e conseguem a compensação", resume o gerente de Unidades de Conservação do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), Leonardo Tostes Palma. Segundo ele, esse tipo de compensação é permitido pela lei federal, desde que essa área "terceirizada" se enquadre no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. "São áreas como unidades de proteção integral, parques, monumentos naturais, reservas biológicas. A compensação pode ser feita por esse critério e é o que tem sido posto em prática no Estado", afirma Palma.
O Parque Natural Municipal de Naviraí (PNMN) foi criado por meio de decreto, em 2009, com a doação de cerca de 4.500 hectares pela Fazenda 3 Irmãos. A fazenda tem cerca de 15 mil hectares produtivos e aproximadamente 17 mil hectares de "varjão", em que não é possível ter atividade agropecuária. "Doamos uma parte do varjão", explica o pecuarista Julio Jacintho, que, junto com os irmãos José Jacintho Neto e Fábio Jacintho, fez a doação desta primeira área.
Segundo ele, há outros 5 mil hectares que estão em fase de venda para a regularização de outros produtores e mais 6 mil hectares, aproximadamente, destinados à ampliação futura do parque. "Há muitos produtores interessados em comprar uma área, doá-la ao parque e conseguir a compensação de Reserva Legal", diz Jacintho. "E, neste caso de doação para uma Unidade de Conservação (UC), o proprietário que tem, por exemplo, mil hectares adquire 200 hectares para fazer a compensação. A proporção é de um para um", explica.
Cada projeto de compensação é primeiro analisado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente. O Incra faz o georreferenciamento e a transição imobiliária é por conta de Jacintho. "Já há três projetos de andamento e uma lista com mais de 20 proprietários interessados em fazer essa compensação", diz o secretário de Meio Ambiente de Naviraí, João do Carmo Neves. Segundo ele, para a compensação ser concluída, as áreas devem, preferencialmente, estar na mesma bacia hidrográfica (Rio Paraná) e possuir o mesmo ecossistema.

OESP, 02/03/2011, Agrícola, p. 4-5

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/2011030/not_imp686368,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/2011030/not_imp686377,0.php

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.