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Pepinos da República

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: ALVES, Márcio Moreira
22 de Abr de 2004

Pepinos da República

Os piores lugares do serviço público são aqueles que só aparecem na mídia quando alguma catástrofe acontece na sua área de responsabilidade: Funai, Incra, Ibama. São lugares tão problemáticos que nem o PMDB os aceita. Ia incluir o Banco Central nessa curta lista, mas pensei de novo. Apesar de ter causado a prolongada recessão em que vivemos e de ter dado ao país gigantescos prejuízos, todos os ocupantes da sua presidência, inclusive o atual, parecem se orgulhar das misérias que causaram. É que são parecidos, como uma manada de elefantes, made in USA . Têm uma paquidérmica insensibilidade social e pensam segundo os manuais que leram nos campi da Nova Inglaterra, do Texas ou da Califórnia. Uma idéia original jamais lhes passou pela cabeça, à exceção do Chico, o Paspalhão, com a proposta de banda cambial endógena de triste memória. Mas, em contrapartida às calamidades que provocaram entre os pobres, deram gigantescos lucros aos banqueiros, o que lhes assegura rendosos empregos na iniciativa privada, e pavoneiam o cargo nos currículos.
Todos os que acompanham a vida administrativa do país se lembram do nome de algum presidente do Banco Central. Duvido que alguém se lembre do nome de um presidente da Funai, apesar de terem sido 30 nos 35 anos de existência da fundação.
O presidente atual, Mércio Pereira Gomes, é apenas o terceiro antropólogo a ocupar o cargo. Apareceu nas manchetes com a descoberta da matança de garimpeiros que invadiram a reserva dos cintas-largas em Rondônia, onde ficam os mais ricos veios diamantíferos do país. Há informações de que a vingança dos índios se deve a não terem os garimpeiros cumprido o contrato de "pedágio". Dizem ainda que alguns caciques estavam metidos em contrabando de pedras e ouro. O que o mais depressa os índios aprendem com os brancos é a safadeza e a transgressão.
"Eles estavam defendendo as suas terras", disse Mércio. É verdade, mas essa defesa e as muitas mortes que os cintas-largas sofreram não autorizam um representante do governo "civilizado" a justificar assassinatos. Já dizia o cacique Ipepori, da tribo Cajabi, do Xingu: "Os civilizados estão chegando. É preciso pacificá-los."
Caberia à Funai impedir a entrada de garimpeiros na reserva cinta-larga. Mas não tem recursos para tanto. E, parece, a Polícia Federal tampouco os tem, sobretudo quando seus agentes estão em greve por reivindicar um salário para o início da carreira equivalente ao soldo de um general de quatro estrelas. E os interesses financeiros que enfrentam são poderosos. Calcula-se que, nos últimos quatro anos, foi extraído e contrabandeado da reserva o equivalente a US$ 2 bilhões em diamantes.
Um segundo exemplo de administrador de pepinos é a presidência do Incra, atualmente ocupada pelo economista gaúcho Rolf Hackbart. Em princípio, o Incra é o braço operacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Acontece que o desempenho tanto do ministério como do Incra tem sido de lastimável mediocridade, quase só se limitando a correr atrás das invasões do MST e, em Pernambuco, de outros movimentos de luta pela terra. Pior: ambas as instâncias governamentais têm acobertado agressões às leis e até à Constituição, que proíbe o uso de terras produtivas para fins de reforma agrária.
A mais simples definição de democracia é a que a define como o império da lei. As ações recentes do MST demonstram que não se trata de movimento democrático. Ao contrario: é um movimento que debocha da democracia, dando a impressão de querer desestabilizar não apenas o governo Lula como o próprio regime.
A invasão da fazenda da Veracel no Sul da Bahia não coloca em risco somente os investimentos da empresa, que vão a US$ 1,2 bilhão, mas todos os investimentos da indústria florestal que tem, no Brasil, imbatíveis vantagens naturais, dada a velocidade de crescimento das árvores aqui, comparadas com o Hemisfério Norte. Para confirmar esse objetivo, invadiram, em Santa Catarina, uma pequena floresta da mais antiga indústria papeleira do país, a Klabin.
Já estive nessas florestas da Klabin, tanto em Santa Catarina como no Paraná. São exemplares do desenvolvimento sustentável. No Paraná, a farmacêutica Loana Johanssen trata, há mais de 10 anos, de 15 mil pessoas exclusivamente com os fitoterápicos que produz no seu laboratório. A aprovação dos pacientes é de 97%. O ministro Humberto Costa, que quer implantar farmácias populares, deveria conhecer essa iniciativa. Antes que o MST a destrua.

O Globo, 22/04/2004, Opinião, p. 7

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