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Paz no campo e guerra entre os homens e mulheres de bem

Observatório Quilombola (Ong KOINONIA)
Autor: Selma Dealdina
01 de Ago de 2007

Sapê do Norte - Espírito Santo Agosto/2007
Paz no campo e guerra entre os homens e mulheres de bem
Por: Selma Dealdina Quilombola da região do Sapê do Norte (ES)

Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. (Decreto 4.887/03)

Companheiros e Companheiras,

Nunca em nenhum outro governo a questão QUILOMBOLA foi tão amplamente discutida e trazida ao conhecimento da população e dos próprios quilombolas, que puderam conhecer e contar sua história e conhecer seus direitos. No primeiro ano do Governo Lula, a discussão serviu para acender a chama da curiosidade em conhecer melhor os territórios quilombolas. Mesmo antes do governo Lula, ainda no Governo FHC [1], vários grupos já colocavam nas pautas do então governo as reivindicações para as populações quilombolas. Mas no segundo mandato do Governo Lula, as reuniões, os encontros já não são mais necessários, pois estamos no segundo passo do projeto que é a RETOMADA DAS NOSSAS TERRAS, estejam com quem elas estiverem, seja com fazendeiros, multinacionais e até mesmo nas mãos do governo, como é o caso de Marambaia/RJ e Alcântara /MA.

Mas quero chamar a atenção para a campanha difamatória da luta quilombola que vai mexer com grandes latifúndios, terras e interesses de muita gente. A Rede Globo, juntamente com a sua filiada no Estado do Espírito Santo, a Rede Gazeta, por meio de matérias pagas pela Aracruz Celulose e fazendeiros, fez uma divulgação pesada contra os quilombolas, colocando matérias que não dizem a verdade sobre as titulações nos territórios quilombolas. Dessa forma, o que acaba ficando é a verdade que eles querem, pois não nos dão direito de resposta para rebater e esclarecer o que mesmo nós queremos enquanto quilombolas.

Não bastando tudo isso, os fazendeiros locais de São Mateus/ES estão fazendo uma campanha RACISTA, PRECONCEITUOSA E DE INTIMIDAÇÃO, com os quilombolas e seus empregados negros, fazendo verdadeiro TERRORISMO. O prefeito municipal em seu discurso chegou a chamar nós, negros, de INCAPAZES E PREGUIÇOSOS... . E não é só o prefeito que pensa e fala assim. Engrossam esse discurso: a igreja Católica, Deputados(as) Estaduais e Federais, Senadores, o Governador do Estado do ES, Secretários Estaduais e Municipais, Fazendeiros, Historiador e pessoas ignorantes que nem sabem o que estão fazendo lá: os populares claques.

Estão discriminando mesmo, na cara de pau, e depois vêm me dizer que no Brasil não há racismo, que isso é coisa do passado. O Brasil é racista. Porém, como vivemos numa falsa democracia racial, o racismo fica camuflado, mas sempre que necessário todos colocam seus preconceitos de fora. O líder do Movimento Paz no Campo, representante dos agricultores, Edvaldo Permanhane, repetiu que os produtores não estão se posicionando contra os negros, mas contra o projeto. Os quilombolas também vão ser prejudicados. Eles estão sendo usados. Queremos uma terra igual para todos. [2]

O que espanta é a atitude de algumas entidades. Mas uma em especial me chama atenção que é a do Sindicato dos TRABALHADORES Rurais (STR) de São Mateus e Jaguaré. Essa instituição, até onde sei, foi criada para defender os interesses dos TRABALHADORES e não dos FAZENDEIROS. Parece que os diretores dessa instituição não entenderam o estatuto, que é de zelar, cuidar e proteger o(a) trabalhador(a). Em vez disso, está defendendo os interesses da ARACRUZ CELULOSE E DOS FAZENDEIROS, fazendo passeata, distribuindo panfletos que são contrários às titulações sem sequer ter participado de nenhuma reunião dos quilombolas ou em qualquer ato a favor dos quilombolas. Essa mesma entidade que uma vez já expulsou os quilombolas de sua sede e punindo todo aquele que ficasse do lado dos quilombolas. Quem paga os salários dos tais diretores? Se os quilombolas não podem contar com essa instituição que foi criada para nos ajudar, por que os fazendeiros podem? O que será dessa instituição se os negros / quilombolas parassem de pagar suas filiações? A FETAES TEM QUE NOS DAR UMA RESPOSTA, pois se o superintendente do INCRA no ES é dos grupos de base da FETAES, e se os sindicatos por sua vez são filiados à FETAES, que Posição é essa do STR de São Mateus. Ou a FETAES está contra este processo?

Chamo atenção dos QUILOMBOLAS e de todas as pessoas e entidades que apóiam a nossa luta para lembrar das CARAS das pessoas que estão contra nós e contra este processo, para nas ELEIÇÕES sabermos responder à altura, pois em São Mateus somos mais DE 50% DA POPULAÇÃO negra/ quilombola e vamos dar A NOSSA RESPOSTA NAS URNAS EM 2008. DIGA NÃO AOS CANDIDATOS A PREFEITOS INDICADOS PELO ATUAL PREFEITO, para os vereadores que apóiam a ARACRUZ CELULOSE E OS FAZENDEIROS, marquem bem as caras deles, e diga NÃO.

Este processo começou há algum tempo após uma pesquisa coordenada pela FASE e KOINONIA [3], onde nós descentes de quilombolas que fomos aplicar os questionários, diferentemente de como queria muita gente que preferia que o trabalho fosse feito por universitários, com a criação do artigo 68 em 20/11/2003, que consolidou os trabalhos para estudo, demarcação e titulação dos territórios quilombolas. Após anos de luta com apoio de várias entidades: MPA, MST, CPT, Direitos Humanos, Deputados Estaduais e Federais solidários à causa, Sindicatos Combatíveis, UFES, CONAQ, APTA, AGB e tantas outras que apóiam e fazem parte da luta e da conquista dos quilombolas e em especial os ÍNDIOS de Aracruz que compartilham da mesma angústia e luta como nós os quilombolas.

Cobramos do Governo LULA mais agilidade, antes que os conflitos se agravem. É muito fácil titular área sem conflito, mas agora queremos ver o governo titular as áreas conflituosas. Não dá mais para o governo continuar em cima do muro – bate aqui sopra ali por tanto tempo mais. O governo vai ter que ter coragem de começar a tirar do papel o processo da REFORMA AGRÁRIA, e a questão quilombola é uma questão FUNDIÁRIA. Não dá mais para esperar, senhor Presidente. O difícil foi cutucar a onça, agora não adianta correr porque se correr o bicho pegar se ficar o bicho come”.

[1] Referência a Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República do Brasil.

[2] Mobilização acontecida em 13/08, pelos fazendeiros, além de agricultores, os deputados estaduais Atahyde Armani, Freitas e Marcelo Coelho, vereadores e o prefeito Lauriano Zancanela também participaram do movimento.

[3] Federação em Assistência Social e Educacional FASE /ES

KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço /RJ

Movimento dos Pequenos Agricultores MPA

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST

Comissão Pastoral da Terra CPT

Universidade Federal do Espírito Santo UFES

Coordenação Nacional das Comunidade Negras e Rurais Quilombolas – CONAQ

Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB

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