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Párias do Brasil

Metrópole n. 99, out. 2007, p. 20-29
31 de Out de 2007

"Párias do Brasil"
Os guarani Ñandeva e Caiuá formam a maior etnia de Mato Grosso do Sul, lutam para ampliar suas terras e resistem contra a fome, o suicídio e assassinatos

Por Suki Ozaki

Na índia, os "párias", também chamados de "intocáveis" ou "impuros", fazem parte do último dos grupos sociais dos quais é composto o sistema de castas que alicerça a religião hindu. Há mais de quatro mil anos, formam um contingente de excluídos, do qual são tiradas todas as oportunidades e perspectivas de saírem de suas, miseráveis vidas. A eles são reservadas a limpeza dos banheiros públicos e das ruas indianas. O Brasil, alardeado mundialmente por ser um país onde a miscigenação e o sincretismo religioso exterminaram as formas mais duras do racismo, também criou ao longo de 500 anos seus "párias". Por ironia do destino, ao chegar a Porto Seguro, Pedro Álvares Cabral, - pensando estar na índia - chamou os exóticos habitantes de índios. Não há dados exatos dessa época, mas estima-se que existiam em torno de 1 a 10 milhões de pessoas quando da chegada dos europeus em terras brasilis.
Desde então, os nativos brasileiros, antes senhores de si e de suas terras, tornaram-se ao longo dos séculos empecilho e estorvo para os sucessivos governos e transformaram-se em "párias" brasileiros.
Segundo dados da Fundação Nacional do índio (Funai), atualmente vivem cerca de-460 mil indígenas em aldeias em todo o território nacional e entre 100 a 190 mil fora de suas terras, muitos dos quais morando nas periferias das cidades ou jogados às margens das rodovias nacionais.
Em Mato Grosso do Sul, a população indígena conta com cerca de 70 mil pessoas, a segunda maior do país. Desse total, a grande maioria vive em condições paupérrimas, confinada em exíguos espaços, de norte a sul do Estado. Exceto os cadiuéus, que receberam 540 mil hectares na Serra da Bodoquena do imperador D. Pedro II por terem lutado ao lado do Brasil durante a Guerra do Paraguai, todas as outras etnias sofrem com a falta de espaço.

AGRONEGÓCIO - Alicerçada historicamente no agronegócio, a economia de Mato Grosso do Sul firmou suas bases na pecuária e na produção de grãos, tendo um dos maiores rebanhos bovinos do -Brasil e do mundo - cerca de 24 milhões de cabeças - além de ser o Estado um dos maiores produtores de grãos do país. Somente a área plantada de soja ocupa 20, 7 milhões de hectares (dados estimativos da Companhia Nacional de Alimentos - Conab) e de pastagens, cerca de 23 milhões de hectares (dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Turismo - Seprotur).
No total, tirando a área cadiuéu, os índios de Mato Grosso do Sul vivem em menos de 100 mil hectares (dados da Funai), pouco se comparado ao plano de expansão das Usinas, que prevê cerca de um milhão de hectares destinados ao plantio de cana-de-açúcar, em sua quase totalidade, situados na região sul do Estado, onde estão as áreas de conflito mais sensíveis.

CONFINAMENTO E MORTE - Profundo conhecedor da realidade indígena, inclusive de etnias na Amazônia, onde trabalhou por 20 anos, e atuando, hoje, em Mato Grosso do Sul, o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egon Heck, afirma que no Estado, a situação indígena é a mais grave e difícil de todas no país. "É a região onde os índios têm a menor proporção de terra por habitante", garante. Aliado isso, segundo ele, o tipo de colonização a qual foi submetido o Estado e na qual foi alicerçada sua economia (grandes extensões de monocultura destinada à exportação) fez com que os índios se tornassem "empecilho ou algo que não mais deveria existir", no pensamento de muitos setores ligados ao agronegócio. Isso faz com que a situação do Estado se configure como uma das piores, se não a pior de todo o país, em termos de condições de vida, afirma Heck.
Para ele, um indicativo disso é a grande dependência das cestas básicas do governo federal para sobrevivência dos índios. "Cerca de 90% dos guarani-caiuás dependem dessa ajuda. Se por algum motivo fosse interrompido o fornecimento, com certeza, haveria um quadro de fome generalizada nessas áreas, como também de óbitos em decorrência", frisa.

Metrópole n. 99, out. 2007, p. 20-29

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