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Parcerias beneficiam vilarejos no Amazonas

FSP, Dinheiro, p. B10
01 de Fev de 2005

Parcerias beneficiam vilarejos no Amazonas
Iniciativas de empresas com o apoio do governo incentivam populações ribeirinhas a produzir e elevam qualidade de vida

Alessandra Kianek
Enviada especial a Eirunepé (AM)

Iniciativas de empresas privadas em parcerias com o governo levam desenvolvimento econômico e social a comunidades ribeirinhas que vivem na selva amazônica -em lugares muito distantes, de difícil acesso e longe da realidade das grandes cidades.
Os projetos oferecem uma opção de sustento às famílias, elevam a qualidade de vida e o poder aquisitivo dos habitantes -o que favorece o crescimento da economia regional.
Dois projetos privados desenvolvidos no Estado estão nas mãos de empresas rivais do setor de bebidas: Coca-Cola e AmBev.
Segundo o Idam (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas), esses dois projetos são os que mais investem no setor primário na região e que têm uma parceria mais próxima com o governo do Estado no apoio aos pequenos e médios produtores.
Para a maioria dos analistas ouvidos pela Folha, as iniciativas das empresas privadas são o caminho para o desenvolvimento do Amazonas. Mas eles alertam para o fato de que a iniciativa não pode se prender a um investimento de marketing, e cobram mais a participação do governo.
O projeto da Coca-Cola, chamado de Gramixó -nome de origem da região Nordeste que na Amazônia significa "doce de açúcar"-, gera renda e emprego para 1.300 pequenos produtores em 27 dos 62 municípios do Estado.
O projeto estimula a plantação de cana-de-açúcar e a produção de açúcar mascavo. Os produtores recebem da Coca-Cola mudas de cana, sacos para armazenar o açúcar mascavo e a garantia de compra de 600 toneladas por ano.
Cabe ao governo do Estado a cessão de equipamentos e escritórios de assistência técnica, como o Idam.
As prefeituras ficam responsáveis pela construção de galpões e armazenamento da produção, além do transporte do açúcar mascavo da comunidade até a sede do município.
Segundo Nelson Vasconcelos Marinho, engenheiro agrônomo da Recofarma (a fábrica da Coca-Cola de concentrados de refrigerantes no país, localizada em Manaus), o açúcar mascavo entra no processo produtivo da empresa.
"O que mais há em um refrigerante é o açúcar. Então a maneira pela qual se achou de trazer os benefícios para o interior foi fazendo com que eles desenvolvessem uma produção que nós absorvêssemos. O açúcar foi o caminho."
Segundo o Idam, em todo o Estado do Amazonas, a produção do açúcar mascavo saltou de 769 toneladas em 2001 para 2.235 toneladas em 2003.
Guaraná
Com o Projeto Maués, localizado no município de mesmo nome (a 250 km de Manaus), a AmBev incentiva a renovação e a ampliação dos guaranazais e atende cerca de 2.500 produtores.
Desde 2001, a AmBev distribuiu mais de 350 mil mudas, que passaram por pesquisas e têm uma produtividade acima da média. Maués é a maior cidade produtora de guaraná do Estado.
De acordo com Gileno Correia, gerente regional da AmBev no Amazonas, como a maioria da população vive no campo, em áreas de difícil acesso, a companhia, em parceria com a prefeitura e com o governo do Estado, por intermédio do Idam, construiu 12 pólos agrícolas, com casas, energia solar, barco, rádio de comunicação, com toda a infra-estrutura para atender as necessidades do produtor.
Ficou a cargo da prefeitura colocar um técnico em cada pólo, e à Embrapa, a assistência em pesquisas.
Segundo o Idam, a AmBev contribui para o desenvolvimento regional ao garantir a compra do guaraná por um valor 40% acima do preço mínimo estabelecido pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) em 2004.
Para o chefe-de-gabinete do Idam, Marcam Uchoa, a importância dessas parcerias entra no processo da cadeia produtiva. "Vêm fomentar a aquisição do produto trabalhado pelas comunidades pobres. É um avanço em termo social muito importante para o interior."
Compromisso
Na análise de Valéria da Vinha, professora do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), por princípio, teoricamente, as iniciativas de empresas privadas são excelentes, desde que haja realmente o compromisso da empresa em ajudar os produtores a ter um papel na cadeia produtiva.
"Não deve ser um projeto social desvinculado da economia, uma coisa que faz parte de um investimento em uma linha de marketing. Deve-se realmente inserir a população na cadeia produtiva e capacitá-los", explica Vinha.
A professora da UFRJ cobra uma atuação mais presente do governo e a criação de uma agência reguladora, cujos resultados pudessem vir a ser avaliados:
"Seria interessante o Estado começar a pensar como regular essa relação, até para que se torne efetivamente um instrumento de política pública".
Para o diretor de projetos da ONG Pró-Natura, Antônio Cláudio Horta Barbosa, "as atitudes das empresas não são apenas de uma boa vontade, são uma demanda que elas têm do mercado".
Já Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, discorda da importância dos projetos como o da Coca e o da AmBev. "O peso que isso tem na economia do Estado e até nas próprias empresas das quais nós estamos falando é bastante marginal", afirma.
"Sem dúvida pelo menos aqueles produtores envolvidos têm maior oportunidade de escoamento da produção e uma oportunidade de ganho. Agora, em grande parte, esse ganho é representado pelo subsídio público", completa Smeraldi.
Fora da cadeia do setor primário, no setor industrial, há várias outras iniciativas de empresas privadas que investem no desenvolvimento do Amazonas. Uma delas é a da Agrorisa, que comercializa no mercado interno e externo produtos orgânicos adquiridos de associações de produtores, de cooperativas e de comunidades.
Central
A Força Sindical também participa do fomento da região na qualificação profissional do produtor. Na opinião de Carlos Lacerda, vice-presidente da Força Sindical para a região Norte, os projetos das iniciativas privadas "resolvem tanto o problema do caboclo amazonense como o das grandes capitais".
"A gente deixa de migrar. Esses projetos prendem o homem no interior. Além disso, fazem com que ele deixe de pensar em desmatar. Porque, se não há outra alternativa, a saída é desmatar, para gerar renda vendendo a madeira", diz Lacerda.
A jornalista Alessandra Kianek viajou a Eirunepé (AM) a convite da Coca-Cola

Projeto gera renda e melhorias e beneficia indiretamente outras localidades da região
Comunidade vende açúcar a empresa de refrigerantes
Em uma viagem de três horas de lancha a partir da sede do município de Eirunepé (1.150 km de Manaus), subindo o sinuoso rio Juruá, em plena selva amazônica, chega-se à comunidade de Vila União.
Os habitantes da vila, formada por cerca de 25 famílias, trabalham na plantação de cana e na produção de açúcar mascavo e integram o projeto Gramixó da Coca-Cola. A área plantada de cana atinge cerca de 70 hectares.
A produção da comunidade vem crescendo nos últimos anos e está, em média, em 600 quilos de açúcar mascavo por dia. E, logo mais, os moradores esperam dobrar a produção, com um segundo engenho, doado pelo governo do Estado.
"Agora [a produção] não pára mais, não", diz o presidente da comunidade de Vila União, José Geildo Nascimento Monteiro, 27. A produção de açúcar melhorou a vida da comunidade desde o início da produção, em 2001. Antes, só pescavam e produziam farinha de mandioca. "Vivíamos de vender alguma saca de farinha e comprar só o necessário", diz Monteiro, que tem renda mensal média de R$ 260 (um salário mínimo).
Parabólica
Com o dinheiro do açúcar, hoje a comunidade tem TV com antena parabólica. Os telhados, antes de palha, hoje são de alumínio ou telha. As casas têm aparelho de som, sofá e estante. As crianças andam mais bem vestidas e se alimentam melhor. Apesar disso, ainda sofrem com a desnutrição. Também chamam a atenção os dentes cariados, devido à falta do hábito de escovar os dentes. Sapatos e chinelos são raros.
Além disso, alguns moradores passaram a investir o dinheiro na compra de gado e de outras mercadorias. "As pessoas da comunidade estão pensando em coisa maior", afirma Monteiro.
Com a expansão da produção, os produtores conquistaram mercados e passaram a vender não apenas para a Coca mas também para o mercado local. Nos mercados do centro de Eirunepé, encontra-se facilmente o açúcar mascavo produzido pelas comunidades da região.
Isso acontece porque as pessoas já aprenderam a consumir o produto e, assim, o produtor consegue vender na cidade por um preço um pouco mais alto.
Em Eirunepé, os produtores vendem o quilo do açúcar por pelo menos R$ 0,80. Pela Coca, recebiam no final de 2004 R$ 0,74 por quilo -nesse caso, a vantagem é a garantia de compra de um grande volume. Além do açúcar, os produtores já vendem melado e rapadura.
Com a ampliação dos negócios, os habitantes da vila criaram a Associação dos Produtores de Cana-de-Açúcar de Vila União, com o objetivo de agilizar o escoamento da produção.
A Vila União, que é a comunidade que mais produz na região, já gera emprego e renda indiretos e em outras comunidades.
"Há um morador aqui da comunidade que não trabalha com a cana, mas tem um pequeno comércio, que é favorecido pelo aumento da circulação de dinheiro", afirma o presidente da comunidade.

FSP, 01/02/2005, Dinheiro, p. B10

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