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Paranagua fica com o prejuizo

OESP, Vida, p.A15
25 de Nov de 2004

Paranaguá fica com o prejuízo
Além de provocar danos ambientais, explosão de navio impede pescadores de trabalhar e afeta o turismo
Herton Escobar
PARANAGUÁ - Dez dias após o acidente com o navio Vicu‡a, na Baía de Paranaguá, as equipes de resgate de fauna já recolheram mais de 50 animais atingidos pelo derramamento de óleo, incluindo 3 botos, 15 aves e 15 tartarugas mortas. Num contexto ambiental mais amplo, porém, quem parece estar sofrendo as maiores conseqüências é o bicho homem. Além dos 4 tripulantes mortos na explosão, cerca de 3.400 famílias locais que sobrevivem da pesca estão impedidas de trabalhar desde o acidente. Essa atividade foi proibida nas baías, por risco de contaminação, e deve permanecer assim até o início da semana que vem, para quando são esperados os laudos de análise da qualidade da água.
O Vicu‡a explodiu no dia 15, quando desembarcava uma carga de 14 milhões de litros de metanol no Porto de Paranaguá. Afundou junto ao terminal e também derramou parte de sua reserva de 1.350 toneladas de óleo diesel e óleo combustível na baía, contaminando áreas de preservação ambiental e de reprodução biológica. A maior parte da sujeira já foi limpa, mas as feridas do óleo ainda são visíveis em alguns pontos, sobretudo nas raízes dos manguezais e no capim de beira de praia, cobertos pela pasta negra.
Sem poder trabalhar há dez dias, os pescadores se viram para sobreviver, consumindo as reservas da despensa e procurando algum bico na cidade. "Demos entrada no seguro-desemprego e estamos esperando", resume Orias Pereira do Rosário, da comunidade de pesca do Amparo, cuja janela de casa fica de frente para o porto. Ele perdeu 600 metros de rede que estavam no mar. "Puxei da água e subiu tudo preto." Com um pedaço de pau, ele cava na praia e mostra uma camada de areia escurecida por baixo. "O meio ambiente vai precisar de anos e anos para se recuperar."
Alguns pescadores vêm sendo contratados para ajudar na limpeza das praias, manualmente, ou na captura de óleo da água em volta do navio, arrastando barreiras absorventes com seus barcos. O vazamento continua e um cerco de retenção foi montado em volta do Vicu‡a, mas uma pequena quantidade de óleo ainda escapa.
As quatro empresas envolvidas no acidente estão sendo multadas em R$ 250 mil por dia cada uma e a Secretaria Nacional de Pesca e Aqüicultura prometeu liberar R$ 1,7 milhão do Fundo de Amparo ao Trabalhador para pagar um salário mínimo a cada pescador afetado. Às famílias também foram prometidas cestas básicas, mas até agora nada receberam.
Imagem negativa
Outra comunidade que está sofrendo o impacto do acidente é a da Ilha do Mel, importante unidade de conservação e principal ponto turístico da região. O óleo atingiu principalmente o lado oeste, que não é habitado nem acessível a turistas, mas nem por isso os efeitos deixaram de ser sentidos no lado leste. Apesar de água e praias já estarem limpas, a imagem negativa criada pelo acidente espanta os visitantes.
"Perdi todas as reservas para o réveillon. Ninguém quer vir mais", lamenta David Chagas Ribeiro, dono da Pousada Girassol e presidente da Cooperativa dos Campings da Ilha do Mel. Da mesma forma, barqueiros e pequenos comerciantes que dependem da temporada de fim de ano para pagar as contas estão preocupados. "O movimento caiu drasticamente", diz Celi Ferreira, dona de uma pequena lanchonete no píer de embarque para a ilha, em Pontal do Sul. Debruçado no balcão, o barqueiro Raul Pereira de Castro anuncia o saldo de passageiros do dia (ontem) na linha Paranaguá-Ilha do Mel: "Fui lá e voltei sozinho; só gastei combustível."
Muitos reclamam que as conseqüências do acidente para a ilha foram exageradas. Caminhando agora pela costa leste, é como se nada tivesse acontecido. Nenhuma praia foi interditada para banho. "A ilha ficou mais limpa do que era, mas ninguém está vendo isso", afirma Ribeiro. "A TV só mostra as imagens do primeiro dia do acidente", completa a colega Suzi Albino, dona da Pousada das Meninas. "Vamos ter prejuízo, isso é certo."

Efeitos da poluição só serão conhecidos a longo prazo
Futuro: O impacto imediato do acidente no meio ambiente foi menor do que se esperava, mas é preciso tempo para saber quais serão os efeitos da contaminação a longo prazo. O futuro mais preocupante é o dos manguezais, ecossistema de preservação permanente que serve de berçário para grande variedade de espécies. "Os organismos que vivem nesse ambiente serão afetados e servem de alimento para vários outros peixes", diz a pesquisadora Eunice da Costa Machado, vice-diretora do Centro de Estudos do Mar (CEM) da Universidade Federal do Paraná. Apesar da mortandade de peixes ter sido pequena, é possível que muitas larvas e ovas de peixe que se abrigam no mangue tenham morrido, o que comprometeria seu equilíbrio ecológico.
O CEM está realizando análises comparativas do nível de contaminação da água, dos peixes, ostras e sedimentos, a partir de amostras coletadas antes e após o acidente. Até a semana que vem, deverá ser apresentada a proposta de um plano de recuperação e monitoramento da área afetada. Uma das vantagens da Baía de Paranaguá é sua dinâmica hídrica acelerada, que ajuda a eliminar rapidamente a poluição.
O Ibama, com o apoio de ONGs locais, continua procurando, todo dia, animais afetados pelo óleo. Dos mais de 50 recuperados, só 8 estavam vivos e são tratados num hospital veterinário improvisado: 1 tartaruga, 2 atobás e 5 biguás. "Isso é só o impacto imediato. Pode ter muito mais bicho morto por aí", afirma a coordenadora do Núcleo de Fauna e Recursos Pesqueiros do Ibama, Cosette Xavier da Silva. Participam da operação as ONGs Ecoplan, SPVS e Caramuru, o Instituto Ambiental do Paraná e a Polícia Florestal.

OESP, 25/11/2004, A15

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