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Para vive situacao de 'guerra civil rural', aponta relatorio

FSP, Brasil, p.A6
20 de Fev de 2005

Pará vive situação de "guerra civil rural", aponta relatório

O relatório preliminar da CPI da Terra, do Congresso Nacional, revela que "a guerra civil rural", como a comissão chama a violência no campo no Pará, não poupou mulheres, idosos e crianças. Entre 1964 e 2004, do total de 751 mortos no Estado em disputas agrárias, 18 eram mulheres, seis tinham mais de 60 anos de idade e 11 eram crianças.
"A indústria da pistolagem no Pará atingiu níveis alarmantes e em grande parte está associada à grilagem de terras devolutas [pertencentes ao Estado]", diz o relatório do deputado João Alfredo (PT-CE), que deverá ser votado até junho.
A CPI, formada por senadores e deputados federais para investigar a situação fundiária no país, traça um quadro desolador no interior do Pará. "Se o campo brasileiro é violento, o campo paraense é ainda mais. Se os trabalhadores rurais em luta pela terra são aviltados cotidianamente no país, no Pará a situação é ainda mais degradante, e se a ausência do Estado no meio rural é uma constante em nível nacional, no Pará essa ausência é maior", diz o relatório.
A CPI aponta que, em média, pelo menos um líder desses trabalhadores é assassinado anualmente - num período de 20 anos (1984-2004 ), 20 sindicalistas foram mortos a tiros no Estado. A comissão se baseia em levantamentos da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e da Fetagri (Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Se a CPI somasse a isso os assassinatos de advogados, líderes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e ativistas de direitos humanos, como a freira Adelaide Molinari, morta em 1985 em Eldorado dos Carajás, o número chegaria a 26 de 1984 a 2004.
Ouvido em depoimento pela CPI, o assessor jurídico da CPT em Marabá (PA), José Batista Afonso, que vive na região há 30 anos, disse que o número de 751 mortos desde 1964 está ainda distante da realidade: "Não estão incluídos nesses dados os trabalhadores assassinados e enterrados em cemitérios clandestinos e no interior das fazendas, jogados nos rios ou sepultados como indigentes nos cemitérios das vilas e cidades e ainda os não identificados ou queimados".
O relatório da CPI, produzido antes do assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu (PA), aponta 46 pessoas sob ameaça de morte no Pará -o nome da missionária não consta da relação.
Além dos "assassinatos seletivos", a CPI menciona a prática de chacinas promovidas por fazendeiros para expulsar invasores rurais em despejos clandestinos, muitas há tempos esquecidas, como a da Fazenda Surubim, no município de Xinguara (sul do Pará), onde 17 pessoas foram mortas em junho de 1985.
Entre junho de 1985 e julho de 2001, pelo menos 12 dessas ações violentas vitimaram 96 trabalhadores rurais. A lista inclui o despejo sangrento feito pela Polícia Militar paraense na rodovia estadual PA-150 em abril de 1996, no município de Eldorado dos Carajás, quando 19 integrantes do MST foram mortos.

Sem relação
Os números apontados pela CPI revelam que não há relação direta entre número de assassinatos e invasões de propriedades rurais. De janeiro de 2003 a agosto de 2004, 493 propriedades rurais foram invadidas em todo o país. Apenas 11 no Pará. No sul e no sudeste do Estado, a presença do MST é praticamente nula.
Em contrapartida, a violência em solo paraense é de longe a maior do país. De janeiro de 2003 e março de 2004, ocorreram 51 assassinatos decorrentes de conflitos agrários, segundo dados da Ouvidoria Agrária Nacional do governo federal. Vinte e três desses crimes, ou 45% do total, ocorreram no Pará.

Assentados vivem situação de indigência
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dados informados à CPI da Terra pela principal gestora do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no sul e no sudeste do Pará revelam um quadro de indigência entre os trabalhadores rurais assentados pelo governo federal no sul do Estado.
Em depoimento prestado à comissão numa audiência pública realizada em Marabá (PA) no dia 26 de maio último, a superintendente do Incra, Bernadete Ten Caten, informou que dos 380 projetos de assentamento criados na região nos últimos 20 anos, com 74 mil famílias, "entre 80% e 90%" não têm sequer uma estrada de terra para escoar produção.
"Como a senadora Ana Júlia Carepa [PT-PA] costuma dizer, neste país trabalhou-se um processo de favelização na reforma agrária. Esses dados são muito fortes e muito dolorosos na nossa região", disse Bernadete, que atende 36 municípios.
A superintendente do Incra relatou que a concentração de terra nas duas regiões é alarmante. "O minifúndio ocupa 3,52% das terras da nossa região, a pequena propriedade, 6,16%, a média propriedade, 5,87%, enquanto que a grande propriedade abocanha 83,33% das terras aqui da nossa região", afirmou Bernadete.
Em depoimento à CPI no dia 1o de junho de 2004, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, mencionou dificuldades que o governo federal enfrentava para atuar em Anapu -onde foi assassinada, no sábado retrasado, a missionária Dorothy Stang.
"É verdade que fomos vítimas, durante esses 90 dias, das greves, e Vossa Excelência [deputado da CPI] citou a greve da Procuradoria, mas, no caso do Pará, há a greve da Polícia Federal. Muitas ações do Incra no Pará e na Amazônia não se fazem sem a presença da Polícia Federal, inclusive em Anapu. Se o Incra e o Ibama chegam lá, os pistoleiros botam o Incra e o Ibama para correr. Eles estão preparados para isso. Lá é preciso que haja a ação da Polícia Federal, que não está mais em greve. Espero que o Incra possa trabalhar o mais rápido possível, para fazermos essa operação", disse o ministro.
Rossetto reiterou o problema da falta de estradas nos assentamentos. "Para que os senhores tenham uma idéia, a demanda existente no sul do Pará é de qualificação de 13 mil quilômetros de estradas. Se expandirmos para Mato Grosso, Acre e Maranhão, será necessário um volume impressionante de recursos para atendermos a essa demanda", disse Rosseto, que buscava apoio do Exército na pavimentação de estradas.
O ministro disse que estava empenhado também em resolver os problemas fundiários no Pará, mas buscava o apoio do governador Simão Jatene (PSDB).
"Estamos neste momento num esforço importante com o governo do Estado do Pará para a cessão de áreas estaduais para projetos de reforma agrária e também com o governo do Estado do Piauí, que dispõe de terras devolutas. Estamos buscando o repasse de áreas estaduais, para trabalharmos juntos com programas de assentamento". (RV)

FSP, 20/02/2005, Brasil, p.A6

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