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Pará pede empréstimo para preservar Amazônia, mas não recebe propostas

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/11
09 de Nov de 2023

Pará pede empréstimo para preservar Amazônia, mas não recebe propostas
Estado quer conservar rios com crédito em que juros são alinhados a cumprimento de metas; modelo é inédito na esfera pública

9.nov.2023 às 17h27
Pedro Lovisi
São Paulo

No início de julho, o governo do Pará se mostrava superconfiante; fazia menos de dois meses que Belém tinha sido confirmada sede da COP30, e os administradores locais acreditavam que aquele momento era o ideal para lançar um chamamento público convidando bancos a participarem de uma operação financeira inédita na esfera pública brasileira.
O estado queria R$ 350 milhões no formato de empréstimo vinculado à sustentabilidade (SLL, na sigla em inglês), modelo que prevê a redução da taxa de juros conforme o cumprimento de metas sustentáveis. O formato vinha sendo desenvolvido desde 2021 com consultorias especializadas em meio ambiente.
Mas o prazo de 60 dias do edital se encerrou com nenhuma proposta no gabinete da Secretaria de Meio Ambiente (Semas), e o governo precisou alterar algumas regras da operação. Em outubro, a administração paraense enviou cartas a cinco bancos apresentando o novo formato. Agora, essas instituições têm até sábado (11) para responder o convite.
O empréstimo tem como finalidade apoiar parte do programa do governo do estado voltado à conservação de rios. A fatia prevista no SLL vai para a criação de um marco legal do tema, estruturação da Semas e proteção dos rios São Benedito e Azul, no sudoeste do Pará. A região sofre com a expansão do agronegócio no Mato Grosso.
Nos bastidores, a explicação do fracasso da operação passa pelo ineditismo -aquele mesmo que alegrou ambientalistas quando o edital foi divulgado. Na visão de técnicos que participaram do planejamento da operação, as instituições financeiras queriam mais tempo para analisar a proposta do que aqueles 60 dias determinados no edital.
Um dos pontos que preocupam os bancos é a própria legalidade desse tipo de empréstimo. Especialistas ouvidos pela Folha veem o SLL como uma segunda versão do SLB, título vinculado à sustentabilidade e negociado no mercado de capitais. Mas a legislação federal impede que estados e municípios emitam títulos de dívida pública. Essa semelhança poderia, portanto, causar insegurança jurídica ao formato.
"Embora essa operação tenha sido chamada de loan [empréstimo, em inglês], existe um risco jurídico de se entender que esta regra constitucional está sendo desrespeitada, isso não resta a menor dúvida", diz Luciane Moessa, diretora da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS).
Técnicos envolvidos com o projeto que conversaram com a reportagem insistem que o SLL funciona, em geral, como um empréstimo comum e que tal comparação não deve ser feita. Mas os bancos não estão certos disso.
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"Os bancos vão tocar nesse tema. Talvez tenha sido isso, inclusive, que fez com que eles tivessem mais cautela na apresentação das propostas. O instrumento é inovador e tudo que é inovador tem que ter um tempo de maturação", diz o secretário de Meio Ambiente do Pará, José Mauro de Lima O'de Almeida.
O Pará é um dos líderes na agenda ambiental do país. O governador Helder Barbalho (MDB), por exemplo, participou da Climate Week de Nova York em setembro, onde se encontrou com o emissário climático dos Estados Unidos, John Kerry. Um mês depois, ele se reuniu com o papa Francisco no Vaticano e o convidou a visitar Belém e "dialogar com os amazônidas e com os nossos povos tradicionais".
"Estamos ousando e não temos medo disso. Hoje, há dois grandes hubs de financiamento ambiental, que são o Green Climate Fund e o Global Environment Fund (conhecidos fundos internacionais de financiamento verde), mas o acesso a eles é completamente burocratizado e ineficaz. Precisamos ter mecanismos que possam ser mais eficientes sobre esse aspecto", acrescenta O'de Almeida.
Segundo ele, o SLL também seria uma forma de garantir que as metas ambientais fossem cumpridas, uma vez que empréstimos de outra natureza poderiam acabar indo para áreas como saúde e educação. O formato SLL não delimita a destinação dos recursos, ao contrário de um título verde normal, mas condiciona a redução das taxas de juros ao cumprimento de metas -assim, o governo pode usar a verba, por exemplo, para construir uma escola, desde que não deixe de cumprir as obrigações previstas no contrato do financiamento.
Analistas apontam, porém, que o ineditismo não anda necessariamente de mãos dadas com o sucesso -ainda mais na esfera pública. O SLL em questão, por exemplo, teria um prazo de dez anos, o que a depender de quando começar a operação, pode se estender por três governos; inclusive de políticos menos ligados à causa ambiental.
Inicialmente, o projeto também determinava que o empréstimo tinha que vir de um consórcio de ao menos dois bancos. Ou seja, as instituições financeiras não poderiam fornecer sozinhas o crédito. Tal mecanismo visava reduzir os riscos da operação, mas acabou servindo como obstáculo. A Folha apurou que a nova proposta da Semas não contém mais esse trecho.
O empréstimo ainda prevê a possibilidade de garantias da União, que precisa ser avaliada após a escolha do credor. De qualquer forma, é improvável que isso seja um obstáculo; o Pará é um dos estados com menos recursos garantidos pela União (R$ 3,5 milhões) e, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, não descumpriu nenhum pagamento desse tipo desde 2016. A proposta também tem que passar pela Assembleia Legislativa do estado.
Apesar do ineditismo na esfera pública, várias empresas brasileiras já captam recursos via SLL ou SLB -segundo a Climate Bonds Initiative, a iniciativa privada do Brasil já captou US$ 12,4 bilhões (R$ 60,8 bi) nesse formato desde 2018; o sexto país que mais arrecadou no mundo.
A Suzano, empresa de papel e celulose, foi a primeira a captar no modelo SLL. Em 2021, a companhia assinou um contrato de US$ 1,6 bi com bancos estrangeiros para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e captação de água em sua cadeia de produção em 9,7% e 2,1%, respectivamente, até 2025.
Os juros previstos no contrato da empresa estão atrelados à Libor (CDI internacional) mais 1,15%. Mas há adicionais se as metas não forem cumpridas.
"A gente viu uma oportunidade de reduzir o custo de captação da companhia com esse instrumento, tomando o risco de cumprir essas meta", diz Marcelo Bacci, diretor executivo de Finanças, Relações com Investidores e Jurídico da empresa, acrescentando que o formato é mais eficaz que os tradicionais títulos verdes. "No segundo, você controla se a empresa está usando o dinheiro para aquilo estipulado, mas se aquilo deu resultado ou não, ninguém vai olhar. Então não é muito efetivo", diz.
O secretário de Meio Ambiente do Pará, José Mauro de Lima O'de Almeida, também pensa assim. Ao final da entrevista, ele pediu à Folha: "Veja pelo lado do copo mais cheio. Não foi um fracasso, foi um tempo maior para reflexão."
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Principais características de um SLL
- Juros menores atrelados a metas ambientais
- Recurso pode ir para qualquer área, desde que a meta seja cumprida
- Explorado pela iniciativa privada, mas ainda não existe na esfera pública

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