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Para desbravar o sertão brasileiro

Diário do Nordeste http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/
Autor: Iracema Sales
28 de Dez de 2017

A pesquisa é bem fundamentada, expressa em textos de 10 pesquisadores, que primam pela clareza, além de rico material fotográfico, com ênfase nos representantes de diversas etnias indígenas das regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.

Esses elementos fazem parte de "Rondon inventários do Brasil 1900-1930", livro destinado não apenas a pesquisadores, mas a todos que queiram conhecer um dos momentos mais significativos da história nacional, materializada em expedições realizadas no século passado.

A obra, organizada pelas historiadoras Lorelai Kury e Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), traz à tona a discussão em torno da extensão territorial do País, fato que chamou a atenção dos portugueses tão logo aportaram no litoral da Bahia, no século XVI.

Os indígenas podem ser considerados os protagonistas da publicação, que traz mais de 200 imagens - entre registros de cadernetas de anotações do próprio marechal Rondon, fotografias de acampamentos, desenhos de crânios, peixes, plantas e outras representações. O trabalho enveredou também para o universo da arte. Saiu da comissão Rondon, pelas lentes do major Tomaz Reis, a produção "Os índios coroados", filmado em 1916 e editado em 1917, considerado um dos primeiros representantes do cinema etnográfico no mundo.

A obra ficou conhecida pelo segundo título: "Rituais e festas bororo", mostrando o ritual funerário dessa tribo, da aldeia São Lourenço, no Mato Grosso. Na película, o índio é apresentado como "um mito de origem da nação brasileira", por enfocar seus costumes tradicionais, desde os tempos ancestrais.

Imposição

Editado pelo Andrea Jakobsson Estúdio, o livro traz uma reflexão sobre a situação das populações indígenas, desde a colonização vítimas de espoliações, como no tempo das missões dos jesuítas, que traziam no bojo a catequese.

Obrigados a abrir mão de seus valores religiosos e demais elementos culturais, os nativos tiveram a fé cristã imposta sobre si. Agora, era chegado o tempo das expedições, incorporadas na "comissão Rondon" , comandada pelo militar Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958).

O tempo histórico também era outro. Sua atuação foi entre os anos 1900 e 1930, em conformidade com a ideologia moderna - tendo como base o positivismo, seguindo o espírito republicano "Ordem e progresso", escrito na bandeira brasileira.

Mais tarde, esse sertanista militar daria nome ao projeto criado na segunda metade da década de 1960, que consistia em levar universitários para a região Amazônica. O lema era "integrar para não entregar", ganhando destaque no período dos governos militares e da Guerra Fria.

Um dos principais feitos da comissão Rondon foi a instalação das estações telegráficas, vistas como expansão do movimento civilizatório para o Interior. O militar demonstrou atenção às fronteiras brasileiras, tendo como resultado das ações de sua comissão a descoberta de rios, o percurso da Serra do Norte (hoje no estado de Rondônia), o contato e o estudo de etnias indígenas.

O norte brasileiro é apontado como outra conquista do trabalho, que incluiu até cinema - conforme fez um dos integrantes da expedição, major Thomaz Reis. O tema é abordado no artigo do pesquisador Fernando de Tacca, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), intitulado "Major Thomaz Reis - fotografia e cinematografia da comissão Rondon".

"Há cem anos, exatamente entre 1916 e 1917, um militar brasileiro filmava rituais funerários de índios e caçadas de onça em pleno sertão brasileiro", rememora de Tacca, completando que a câmera do militar enquadrou também a industrialização da borracha na região de Ji-Paraná, na Amazônia, e a campanha contra a Coluna Prestes em 1924, no Paraná.

Ele relata que o major Reis foi o principal cineasta das ações realizadas pela comissão do marechal Rondon, com quem trabalhou desde o início de sua carreira militar. A expedição se destacou pela ousadia e coragem ao desbravar terras ainda desconhecidas, e também por ficar frente a frente com indígenas pouco afeitos à "civilização". Isso fez com que Rondon criasse o Serviço de Proteção ao Índio, em 1910.

Progresso

No artigo "Casa de Oswaldo Cruz", a historiadora Lorelai Kury reconhece que "muito já se escreveu sobre Rondon e as expedições associadas ao seu nome. Porém, a variedade e extensão dos trabalhos empreendidos por civis e militares sob sua coordenação ainda não foram devidamente avaliadas pela historiografia", escreve, justificando a publicação.

A localização de Rondon de sua comissão no contexto histórico do País é importante, defende Kury - em referência à modernidade. "O princípio de progresso permeava as ideias de técnicos e cientistas naquelas primeiras décadas do século XX. Seus olhares estavam voltados para o futuro, que se anunciava grandioso. As vastas regiões do Brasil pouco conhecidas pelos especialistas e habitadas por nações indígenas variadas foram consideradas por eles riquezas materiais e simbólicas potenciais, a serem incorporadas à ordem republicana", escreve.

Nesse aspecto, Rondon consegue juntar grupos com aptidões técnicas e científicas que acompanharam a marcha rumo ao Cento-Oeste e Norte do País. Esse desbravamento seguia a trilha das linhas telegráficas, cuja ação incluía, ainda, a pacificação dos índios. Kury assegura que "as descrições etnográficas e coletas em larga escala realizadas por ele são até hoje referência insubstituível para o conhecimento de muitos grupos indígenas, alguns dos quais desaparecidos atualmente".

Inserida no ideologia moderna, a comissão Rondon não ficou restrita apenas ao setor da comunicação, representada pelas estações de telégrafos, tampouco somente ao estudo dos indígenas. Kury ressalta tanto o pioneirismo quanto a qualidade dos filmes e fotografias realizados pelas equipes de Rondon, vistos como testemunhas da "missionação laica efetuada".

As coleções de história natural serviram de subsídios a trabalhos científicos relevantes. No entanto, ela alerta para as realizações que estiveram "permeadas por tensões, conflitos, ambiguidades e situações complexas, que somente análises detalhadas podem revelar".

Comunicação

Essas expedições e comissões constituíram, em linhas gerais, projetos oficiais de modernização dirigidos à integração dos pontos mais distantes do território nacional. A partir de 1910, esses grupos tinham como prioridade a construção de açudes, avaliação do potencial econômico dos rios e o inventário das condições epidemiológicas e socioeconômicas do Norte e do Centro-Oeste brasileiros, por requisição da Inspetoria de Obras Contra as Secas, órgão do Ministério da Viação - conforme assinalam as autoras Nísia Trindade Lima e Dominichi Miranda de Sá, no texto "O território da República e a Comissão Rondon".

A comissão Rondon identificava uma urgência em investir na comunicação entre os longínquos rincões do Brasil, tendo o telégrafo como principal ferramenta. Ao mesmo tempo que integrava, não perdia de vista a proteção do território nacional. Assim, em cada estação aproveitava para colocar pessoas cuidando das fronteiras. Os estados de Mato Grosso, Goiás e Amazonas constituíam territórios "apartados", já que não tinham sido contemplados pelo circuito telegráfico imperial, daí o olhar atento de Rondon para os mesmos.

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