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Pará cria decreto que permite subsídio de R$ 6,7 bilhões para desmatadores ilegais, segundo cálculo do Imazon

Imazon - https://imazon.org.br/imprensa
06 de Jan de 2022

Pará cria decreto que permite subsídio de R$ 6,7 bilhões para desmatadores ilegais, segundo cálculo do Imazon
Medida governamental reduziu ainda mais o preço para privatização de terras públicas, que já era muito abaixo do mercado

Responsável por 40% do desmatamento na Amazônia no ano passado, de janeiro a novembro, o Pará criou um decreto que permite dar um desconto de R$ 6,7 bilhões na privatização de terras estaduais. Na prática, essa medida governamental beneficiará ainda mais quem cometeu os crimes de invasão e desmatamento de florestas públicas - que já podia obter a posse das áreas por um preço muito abaixo do mercado. Com isso, o estado que mais desmata na Amazônia incentiva oficialmente a continuidade da destruição da floresta, ao invés de combatê-la.

O cálculo desse subsídio foi publicado nesta quinta-feira (06) em uma nota técnica do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Válida para áreas acima de 100 hectares e até 2.500 hectares, a decisão governamental foi tornada pública em junho do ano passado, por meio do Decreto Estadual n.o 1.684/2021.

Conforme a análise do Imazon, o preço médio final das terras públicas estaduais era de R$ 137 por hectare antes do decreto. Com a mudança, passou para R$ 44, uma redução de 68%. Esse novo valor representa apenas 1,2% do custo médio cobrado por hectare no mercado de terras no Pará, de R$ 3.684.

Com base nesse preço, os pesquisadores calcularam o subsídio ao selecionar 5.450 imóveis rurais de 100 a 2.500 hectares cujo Cadastro Ambiental Rural (CAR) está sobreposto a áreas públicas estaduais ainda sem uso definido. Ou seja: que ainda não foram oficializadas como terras indígenas, territórios quilombolas, unidades de conservação ou até mesmo privatizadas. Segundo os autores da nota, essas terras sem destinação são as preferidas dos grileiros, pessoas que invadem e desmatam ilegalmente florestas públicas para obter a posse das áreas e, posteriormente, lucrar com a venda delas.

Apesar do CAR não representar um documento válido para definição da regularização fundiária, os pesquisadores utilizaram esse dado como uma estimativa. Isso porque o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) não disponibiliza, mesmo quando solicitado, a informação pública da delimitação das áreas com solicitação de posse em terras estaduais.

Além disso, como as regras do estado só impedem a privatização de terras com 100% de cobertura florestal, os especialistas incluíram áreas com até 99% de floresta entre as selecionadas para a análise. Isso significa que áreas predominantemente florestais podem ser privatizadas por preços irrisórios de acordo com as normas vigentes.

Conforme a publicação, o cálculo do subsídio corresponde à diferença entre o preço médio de mercado e o que deve ser cobrado pelo governo estadual após o decreto para venda desses 5.450 imóveis, que somam 1,8 milhão de hectares. No mercado, eles seriam vendidos em média por R$ 6,797 bilhões. Já pelo governo, o valor cobrado pelo novo decreto é estimado em R$ 95 milhões.

Isso significa que, com a nova regra, o subsídio em relação ao preço de mercado chega a R$ 6,702 bilhões. Apenas comparando o preço cobrado pelo estado antes e depois do decreto, o valor que deixaria de ser arrecadado com a privatização dessas áreas é de R$ 247 milhões.

"Não se combate o desmatamento aplicando os mesmos incentivos que historicamente contribuíram com a ocupação ilegal e a destruição da floresta para comprovar a posse das terras públicas. Enquanto houver a expectativa de legalização dessas áreas invadidas e devastadas, seguida de altos lucros dos invasores com a venda delas quando privatizadas, continuaremos assistindo esse ciclo de grilagem. O caso paraense é, infelizmente, mais um exemplo dessa prática de desvalorização de terras públicas que observamos na Amazônia" explica a pesquisadora do Imazon Brenda Brito, coordenadora da nota técnica.

Pesquisadores recomendam cobrança do valor de mercado

Para contribuir com o combate efetivo do desmatamento no Pará, os autores da nota técnica recomendam que o estado passe a cobrar o valor de mercado para a privatização de terras públicas. Caso contrário, novas invasões e desmatamentos ilegais devem seguir acontecendo, incentivados pela especulação imobiliária: a manutenção do chamado "ciclo de grilagem" citado pela pesquisadora.

"Não há evidências de que vender terra pública a preços baixos resulte em práticas sustentáveis e geração de emprego no campo. Se essa é a intenção do governo, os subsídios e incentivos devem ser direcionados apenas aos produtores rurais que seguem regras ambientais e demonstram uso sustentável da terra. Afinal, estamos tratando de patrimônios e recursos públicos, que pertencem à sociedade, e que devem ser usados para beneficiar a coletividade", completa a especialista.

Outra recomendação da nota é que o Pará passe a exigir de todos que solicitam a posse de terras estaduais que foram desmatadas ilegalmente a oficialização, antes da venda, de um compromisso para a regularização ambiental das áreas. Tal medida, conforme os pesquisadores, facilitará a fiscalização e agilizará a cobrança e a punição em caso de descumprimento do acordo.
Pará desmatou quase 4 mil km² de janeiro a novembro

Dos nove estados que integram a Amazônia Legal, apenas o Pará foi responsável por 40% dos alertas de desmatamento de janeiro a novembro de 2021. Segundo o monitoramento do Imazon por imagens de satélite, dos 10.222 km² de mata nativa destruídos na região, 3.992 km² ficam no Pará.

Nota Técnica sobre a redução de preços de terra na regularização fundiária em áreas estaduais no Pará - Imazon

Brito, B. e Gomes, P. 2021. Nota Técnica sobre a redução de preços de terra na regularização fundiária em áreas estaduais no Pará. Belém: Imazon.
Resumo

A incerteza sobre direito de propriedade abrange 27% do território do estado do Pará. Desse total, a maior parte (57%) corresponde a áreas da União e outros 43% são áreas do estado. Tais áreas sem definição fundiária têm sido alvo de ocupações e desmatamento ilegais para fins especulativos, visando apropriação privada, um processo conhecido como grilagem de terras. Parte do incentivo à ocupação ilegal dessas áreas são os baixos valores de venda cobrados para sua regularização fundiária, o que gera ao invasor a expectativa de obter alto lucro com a venda posterior da terra.

Em junho de 2021, o governo do Pará publicou o Decreto Estadual n.o 1.684/2021 reduzindo o valor cobrado pela venda de terras públicas estaduais na regularização de imóveis acima de 100 hectares. Estimamos que a nova regra implicará em um subsídio estadual de R$ 6,7 bilhões a serem alocados na venda de terra pública em 5.450 imóveis selecionados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para este estudo, ou média de R$ 1,2 milhão por imóvel. Tal subsídio corresponde à diferença entre o preço médio de mercado e aquele cobrado pelo governo estadual para venda desses imóveis. Além disso, os novos valores representam apenas 1,2% do valor médio cobrado no mercado de terras no Pará.

Comparado à regra estadual anterior, o decreto implicará em uma diminuição média de R$ 247 milhões no preço de 1,8 milhão de hectares, área total dos imóveis analisados. Os valores também ficaram abaixo do cobrado pelo Incra na regularização em terras federais, correspondendo a 31% do preço praticado pelo governo federal.

Menos de 0,05% desse subsídio é condicionado ao desempenho ambiental nos imóveis no momento da titulação. Esse cálculo considera um desconto adicional de 20% no valor da terra a imóveis com 80% de reserva legal conservada. Caso os imóveis titulados sejam desmatados ilegalmente no período de 5 a 10 anos da titulação, o governo poderá retomar o imóvel. Porém, ainda deve pagar indenização por benfeitorias feitas no imóvel. Se o desmatamento ocorrer após o período estipulado (5 ou 10 anos), não há possibilidade de perda do imóvel. Além disso, nem todos os imóveis com desmatamento ilegal no ato da titulação precisam assinar compromissos de regularização ambiental, o que pode dificultar o monitoramento e cobrança do cumprimento da lei ambiental.

Considerando que os baixos preços neste decreto reforçam incentivos perversos à ocupação ilegal e especulação de terras públicas, sugerimos que esse tipo de subsídio seja eliminado. Por isso, recomendamos que o governo estadual cobre o valor de mercado para venda de terras públicas e use o recurso arrecadado para programas que estimulem a produção sustentável nos imóveis rurais no estado. Esta seria uma forma de alinhar a política de regularização fundiária com os objetivos de redução de desmatamento e de emissões de gases do efeito estufa previstos no Plano Estadual Amazônia Agora.

Recomendamos também mudar a legislação de terras para eliminar a obrigação de pagar indenização por benfeitorias nos casos em que o governo retome o imóvel titulado por descumprimento de cláusula ambiental. Finalmente, sugerimos a exigência de que todos os imóveis com desmatamentos ilegais efetuem adesão à regularização ambiental antes de receber o título de terra. Tal medida facilitará o monitoramento pelo órgão ambiental.

https://imazon.org.br/imprensa/para-cria-decreto-que-permite-subsidio-d…

https://imazon.org.br/publicacoes/nota-tecnica-sobre-a-reducao-de-preco…

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