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Para analistas, crise é de energia, não de gás

FSP, Dinheiro, p. B8
01 de Nov de 2007

Para analistas, crise é de energia, não de gás
Especialistas vêem pré-racionamento para evitar apagão e falta de planejamento do governo após redução da oferta
Setor de gás já vivia "racionamento branco", e solução via importação por navio esbarra na falta de plantas de regaseificação

Antônio Góis
Janaina Lage
Da sucursal do Rio

A redução do fornecimento de gás no Rio e em São Paulo é a "crônica de uma crise anunciada", segundo especialistas. Para eles, mais do que um problema do gás, trata-se de uma crise de falta de planejamento do setor, e o limite imposto pela Petrobras é um pré-racionamento para evitar a ameaça de um apagão, como o de 2001.
Segundo Hélder Queiroz, professor da UFRJ, já existia, na prática, um "racionamento branco" de gás. "Se um grande projeto industrial precisasse de gás no Sul, a distribuidora não teria como antendê-lo. Qualquer demanda adicional já enfrentava restrição de oferta. Não tem plano nem prioridade e muito menos uma sinalização clara da demanda", disse.
Para Adriano Pires, do CBIE, a necessidade do produto só não foi mais destacada antes porque o setor elétrico estava usando as hidrelétricas. "Com a queda no nível dos reservatórios, [a limitação da oferta de gás] foi a maneira encontrada pelo governo para evitar apagão elétrico no curto prazo."
"A crise não é do gás natural, mas de energia, o que é muito mais grave. Não estamos na mesma situação de 2001, mas, se não chover o suficiente neste verão, teremos um problema sério. Como o cobertor é curto, acaba-se tirando de um setor para compensar o baixo nível dos reservatórios", diz Lucien Belmonte, superintendente da Abividro, associação da indústria de vidro e um dos setores que mais usam o gás.
O Instituto Acende Brasil, que representa investidores privados em energia, estima em 9% as chances de racionamento em 2008. "Não estamos dizendo que vai acontecer, mas conviver com esse risco é ruim para quem pretende crescer", diz Cláudio Sales, presidente da entidade. Para ele, um dos componentes preocupantes no risco de racionamento é justamente a produção de gás natural. Problemas na Argentina, na Bolívia e um redimensionamento da capacidade de geração de energia em térmicas de gás natural no Brasil fizeram com que a oferta de energia firme -ou seja, com a qual se pode contar- prevista para 2008 fosse reduzida de 57 mil MW médios para 50,9 mil MW médios. "Devido a problemas no gás natural, num intervalo de dois anos [2005 a 2007] a oferta firme de geração do Brasil foi reduzida em 12%. Poucos países resistiriam a isso", reclama.
E ao mesmo tempo que enfrentava problemas de oferta, o consumo do gás subiu após vários incentivos. Esse é um dos fatores que explicam, na opinião de Belmonte, o fato de o Rio ter sofrido mais do que São Paulo com o racionamento.
"O Rio concentra a maior parte das térmicas, o que ajuda a explicar o fato de ter sido mais prejudicado. Mas há também um populismo energético que não foi equacionado. O consumo de gás pelos carros foi incentivado por meio da redução de IPVA e ICMS. São 700 mil carros a gás. O consumo foi subvencionado a partir de um item escasso", diz Belmonte.
Apesar das recentes crises na Bolívia, os analistas dizem que a falta de gás não tem relação direta com a instabilidade no país. "O contrato entre a Petrobras e a Bolívia se mantém inalterado, e os volumes previstos estão sendo cumpridos. O problema foi que, em razão da instabilidade política lá, houve a decisão de parar os investimentos para a expansão da produção", diz Ricardo Pinto, da consultoria Gas Energy.
Pires concorda. Em sua avaliação, de 2003 a 2005, a Petrobras priorizou os investimentos na obtenção da auto-suficiência de petróleo e deixou de lado a expansão da produção nacional de gás. Com a instabilidade na Bolívia, de onde a Petrobras importa 25 milhões de metros cúbicos/dia, a estatal interrompeu os planos de expansão. Somente agora começa a retomar negociações. "O consumo de gás vem crescendo a um ritmo anual de 18%. Não houve um aumento significativo da produção doméstica", diz.
Especialistas apontam que uma das maneiras de evitar um racionamento no próximo ano é a importação de GNL, importado por meio de navios. O problema é que ainda não existem plantas prontas de regaseificação do produto no Brasil. E a produção nas descobertas recentes da Petrobras no país só poderia entrar no mercado a partir de 2009.

Substituição pelo óleo terá forte impacto ambiental

Da reportagem local

A solução encontrada pela Petrobras para a falta de gás terá outra vítima, além das indústrias e dos consumidores: o meio ambiente. Isso porque a solução encontrada para atender a demanda, a substituição do gás natural pelo óleo combustível, é mais poluente.
"O governo tem encorajado as indústrias, as termelétricas e os veículos a abandonar o óleo combustível pelo gás natural por razões ambientais", afirma José Goldemberg, professor do IEE (Instituto de Eletrotécnica e Energia) da USP. "Só que agora estão buscando uma solução que contraria os avanços dos últimos dez anos. Os impactos ambientais serão grandes."
Segundo Goldemberg, quem pagará esse preço extra será o consumidor, com ar de pior qualidade e aumento do efeito estufa. "O governo não pode resolver o problema às custas do meio ambiente."

Interesse em exploração de gás é recorde

Da reportagem local

A ANP (Agência Nacional de Petróleo) afirmou ontem que 74 empresas se interessaram até agora em participar da 9ª Rodada de Licitações para exploração de áreas de petróleo e gás natural, que será realizada nos próximos dias 27 e 28 de novembro. O número de empresas já habilitadas, 50, é recorde.
A grande procura é conseqüência da alta do petróleo, da boa qualidade das áreas oferecidas na rodada e da estabilidade econômica e regulatória.
Segundo Nelson Narciso, diretor da agência, empresas de 21 países demonstraram interesse nas licitações. "Há uma diversidade grande de países interessados, como Vietnã, Angola e Índia", afirmou, após encontro promovido na manhã de ontem pela agência e pela Abdib.
A documentação de 55 empresas interessadas foi analisada. Dessas, duas desistiram e três foram desqualificadas. A lista das empresas será divulgada no próximo dia 5, quando termina a habilitação.
O leilão dará ênfase à exploração de gás natural. "Houve um incentivo à utilização de gás no início da década, e a demanda cresceu muito mais do que a oferta", disse Narciso.

FSP, 01/11/2007, Dinheiro, p. B8

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