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Para ambientalistas, Amazônia está entregue ao crime

Valor Econõmico - https://valor.globo.com/
Autor: CHIARETTI, Daniela
17 de Jun de 2022

Para ambientalistas, Amazônia está entregue ao crime
Entidades socioambientalistas cobram justiça, apuração dos assassinatos, proteção aos indígenas e pessoas da região e culpam governo Bolsonaro pelo avanço do crime na Amazônia

Daniela Chiaretti

17/06/2022

"Na Amazônia, a bala que mata jornalistas, ativistas e indígenas é comprada com o dinheiro da grilagem, do garimpo ilegal e da madeira roubada. Sob Bolsonaro, esses crimes aumentaram seus negócios, seu poder e sua atuação e hoje estão mais preparados do que nunca para eliminar quem atravessa seu caminho", disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em nota à imprensa sobre os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na Amazônia.

Ontem, dia seguinte à confirmação dos assassinatos, entidades ambientalistas e de direitos humanos assim como personalidades brasileiras e estrangeiras soltaram comunicados pedindo justiça, apuração dos crimes, punição aos culpados e aos mandantes, proteção a indígenas e aos habitantes da região.

Ao saber que a Polícia Federal confirmava as mortes, Alessandra Sampaio, mulher de Dom, cobrou justiça. "Agora podemos nos despedir" declarou. "Embora ainda estejamos aguardando as confirmações definitivas, este desfecho trágico põe fim à angústia de não saber o paradeiro de Dom e Bruno. Agora podemos levá-los para casa e nos despedir com amor."

"Hoje, se inicia também nossa jornada em busca por justiça. Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível", seguiu. Agradeceu o empenho de todos que se envolveram nas buscas, especialmente os indígenas, e os que se mobilizaram para exigir respostas rápidas. E se solidarizou com a antropóloga Beatriz Matos, mulher de Bruno, e os outros familiares de Dom.

Sian, irmã de Dom, seu irmão Gareth e outros parentes agradeceram todos que ajudaram nos mais de 10 dias de buscas.

Beatriz Matos se manifestou pelo twitter: "Agora que os espíritos do Bruno estão passeando na floresta e espalhados na gente, nossa força é muito maior".

O comunicado do Observatório do Clima seguiu com críticas duras ao governo Bolsonaro. "Pela omissão nas buscas ou pelo estímulo aos criminosos, o governo Bolsonaro tem todas as digitais impressas nesta tragédia que entristece a todos nós", continuou Astrini.

"A necropolítica, marca do atual governo, também está presente nas mortes de Dom e Bruno", segue o comunicado do Observatório do Clima, rede fundada em 2002 por entidades socioambientalistas que trabalham com a agenda climática.

"O Brasil, um dos países que mais matam ativistas ambientais no mundo, vê repetir no Javari a tragédia de Chico Mendes, Dorothy Stang, João Cláudio e Maria e tantos outros que confrontaram e confrontam os criminosos que atormentam os povos e saqueiam a floresta na Amazônia", lembrou a nota do OC.

"No governo Bolsonaro, porém, a barbárie tem cúmplices no Palácio do Planalto e nas Forças Armadas. Além de ter deliberadamente entregue a Amazônia ao crime, o regime de Jair Bolsonaro reagiu ao desaparecimento com a mesma crueldade com que tratou as centenas de milhares de brasileiros mortos na pandemia: o Exército adiou o quanto pôde o início das buscas; o presidente da Funai, que havia exonerado Pereira porque este cumprira seu dever de proteger os indígenas em Roraima, lavou as mãos; e o Presidente da República culpou as vítimas, que segundo ele, haviam embarcado numa 'aventura não recomendável'", citou o comunicado do Observatório.

A eurodeputada alemã Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu para o Brasil, disse em nota que os assassinatos de Bruno e Dom Phillips são "também uma consequência da difamação dos ativistas humanos e ambientais pelo presidente Bolsonaro e do desmantelamento da legislação ambiental e de direitos humanos".

A política dos Verdes pediu que as autoridades brasileiras investiguem "imediatamente os antecedentes destes assassinatos e levem os responsáveis à Justiça".

Recomendou, ainda, que este governo e o futuro façam "todo o possível para garantir que os ativistas de direitos humanos, ambientais e climáticos sejam mais bem protegidos".

Em editorial chamado "Pesar e Revolta", o Instituto Socioambiental (ISA) manifestou "indignação e revolta contra a violência e a impunidade que tomam conta da Amazônia, com a cumplicidade de autoridades e de órgãos policiais que têm a obrigação de proteger os povos da floresta e os seus apoiadores".

"Repudiamos as tentativas do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do presidente da Funai, Marcelo Xavier, de transferir às próprias vítimas a responsabilidade pelos crimes hediondos que sofreram", segue o editorial. Os indigenistas lembraram ainda que a violência sofrida por Bruno e Dom "soma-se a dezenas de outras praticadas contra lideranças indígenas, extrativistas, jornalistas e ambientalistas durante o atual mandato presidencial".

Os indigenistas lamentam "a omissão de instituições essenciais do Estado, como a Procuradoria-Geral da República e o Exército, diante de reiteradas evidências do avanço da atuação do crime organizado na Amazônia". "Nos colocamos ao lado das organizações e populações indígenas que não mediram esforços no apoio aos familiares, na busca dos desaparecidos e das respostas para o caso."

Entidades nacionais e internacionais de imprensa, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Repórteres sem Fronteiras manifestaram sua indignação e cobraram ação do governo na apuração do crime. "Não aceitaremos que o horror e as trevas dominem o Brasil", disse a nota da Abraji.

A Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) considerou os assassinatos de Bruno e Dom "inadmissíveis". Em comunicado, a entidade lembrou que "a região sofre com a ausência de fiscalização e controle, que nos últimos anos se refletiu no aumento do desmatamento e de atividades ilegais de pesca, caça, garimpo e narcotráfico".

"As mortes de Pereira e Phillips são um alerta e motivo de forte preocupação da sociedade", seguiu a Raps, entidade apartidária que desde 2012 busca contribuir para a melhora da democracia e do processo político. Tem 750 membros de 29 partidos políticos.

A Raps pediu que as investigações "contem com todo o empenho e recursos necessários para que a justiça seja feita, além de enfatizar a necessidade de políticas públicas efetivas que garantam a segurança da região, uma vez que não se trata de caso isolado".

O WWF-Brasil, por seu turno, lembrou que "o nível de violência aplicada a Bruno e Dom explicita como a Amazônia está à mercê da lei do mais forte, sob a qual a brutalidade é a moeda corrente. Isso eleva nossa indignação com a situação na qual os povos da floresta e seus defensores foram deixados pelo Estado brasileiro".

"Enquanto nos discursos oficiais 'a Amazônia é nossa' e 'não abrimos mão da soberania', na prática vemos assassinatos brutais sem esclarecimento ou punição e o domínio territorial, baseado na coerção e na violência, por diversos criminosos: narcotraficantes, garimpeiros, grileiros, madeireiros ilegais, caçadores e pescadores ilegais", seguiu o WWF-Brasil.

"As declarações reiteradas do presidente da República de que é preciso escolta para transitar numa região onde há forte presença militar há muitos anos confirma que a tão proclamada soberania não existe: o Estado abandonou a Amazônia por conta de um projeto sem sentido de destruição da floresta e de extermínio de seus povos", disse o WWF-Brasil. "A Amazônia morre a cada dia de forma cruel e desumana, diante dos nossos olhos, assim como aqueles que a protegem, aqueles que cuidam e se esforçam em manter a floresta em pé", seguiu o texto.

Em maio, os números de queimadas e desmatamento já bateram novos recordes na Amazônia. As queimadas tiveram 184% de crescimento em relação à média do mês nos nos últimos 10 anos.

A perda de florestas entre janeiro e maio bateu recorde de devastação pelo terceiro ano consecutivo. "Nunca estivemos tão perto do ponto a partir do qual a floresta não consegue mais se sustentar", disse o WWF.

Pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), lembraram que "a sociedade brasileira quer um desenvolvimento na Amazônia economicamente próspero, livre de destruição florestal, ilegalidade e violência". A nota do Ipam cobrou "punição exemplar dos culpados". "Ou estaremos dando aos criminosos da região o sinal de que tudo podem, incluindo ceifar a vida daqueles que se posicionam contra o interesse dos que vêm saqueando o maior patrimônio dos brasileiros."

"O que tem se tornado o Brasil, afinal?", questionou o comunicado do Greenpeace-Brasil. "Nos últimos três anos, nosso país vem se configurando cada vez mais em uma terra em que a única lei válida é a do 'vale-tudo'".

"Vale a invasão e grilagem de territórios; vale a proliferação do garimpo; vale a extração ilegal de madeira; vale todo e qualquer conflito territorial. E vale matar para garantir que nenhuma dessas atividades criminosas sejam impedidas de acontecer. E tudo isso alimentado pelas ações e omissões do governo brasileiro", seguiu o comunicado à imprensa do Greenpeace-Brasil.

"Graças às ações e omissões de um governo comprometido com a economia da destruição, ficamos órfãos de dois grandes defensores da Amazônia e, ao mesmo tempo, reféns do crime organizado que hoje é soberano na região", disse Danicley de Aguiar, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.

"Já basta. O mundo tem de acordar e tomar as medidas necessárias para pôr fim à violência e à repressão intoleráveis que assolam a Amazônia. A maior homenagem que podemos prestar a Bruno e Dom é continuar o seu trabalho vital até que todos os povos do Brasil e as suas florestas estejam totalmente protegidos", disse Pat Venditti, diretor executivo do Greenpeace Reino Unido.

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