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Para Aldo, mudança na legislação não pode acelerar a fuga do campo

Valor Econômico
Autor: REBELO, Aldo
17 de Fev de 2010

Para Aldo, mudança na legislação não pode acelerar a fuga do campo

O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) está em um périplo de audiências públicas pelo país para escutar as divergências no debate sobre o Código Florestal. Ele ainda tem muitas dúvidas sobre o tema que terá que relatar em breve e tem ideias bem polêmicas. "A legislação ambiental é concentradora de renda e expulsa o homem do campo para as cidades", acredita.

Entrevista: Aldo Rebelo
Daniela Chiaretti - Valor

O senhor tem intimidade com questões ambientais?

Nunca me especializei no tema, mas sempre acompanhei este conflito. Sou um homem do campo, vi a devastação no interior de Alagoas, o desaparecimento de espécies no agreste, uma coisa lamentável. Muitas desapareceram pela atividade predatória do homem. Vi também o esforço de sobrevivência da agricultura, principalmente da pobre, com desinformação e ausência do Estado. Mas não integro a bancada ambientalista, nem a agropecuária.

O sr diz que reserva legal é conceito do qual não abre mão.

É um conceito que aprovo. Vem de José Bonifácio, que preconizava a destinação de um sexto das propriedades rurais para a preservação das matas. Além da finalidade ecológica, havia a econômica: madeiras para os barcos de guerra da marinha portuguesa e barcos de transporte, construção civil, combustível para engenhos de açúcar.

E este conceito, agora?

Agora precisa ver como fazer isso. Faz por propriedade ou não? A partir de qual módulo? Há quem defenda que a reserva legal tem a destinação de reproduzir uma cadeia biológica mais ou menos complexa. Para ter bichos, tem que ter água e ser de determinado tamanho. Talvez a reserva legal por propriedade pode ser algo que não diz nada.

Já tem este ponto claro?

Não. Acho que uma matinha em qualquer lugar faz um bem danado, mas não pode ser o meu ponto de vista. Uma ideia é fazer a reserva legal por bioma e Estados, não por propriedade. A legislação nacional obriga que São Paulo, por exemplo, arranje 20% de reserva legal no bioma onde está situado. Não tem jeito de não ser por propriedade de alguma forma, porque bacias e microbacias estão ali dentro, mas o critério seria outro. Todo este debate é complexo e nos impõe duas exigências.

Quais são?

A primeira é com a defesa do meio ambiente. Temos um compromisso civilizatório de ter uma sociedade ecologicamente equilibrada. Somos quem mais preservou. A Europa detém apenas 0,01% das florestas do planeta enquanto o Brasil, sozinho, dispõe de 29%. E a segunda é a do desenvolvimento, da elevação do padrão de vida do nosso povo. Precisamos da agricultura e da pecuária.

E as dificuldades?

A negligência com relação ao ambiente não é uma ficção e explica, em parte, a radicalidade dos movimentos ambientais. Mas há no movimento ambientalista uma antiga corrente conservadora que nega aos seres humanos o direito ao desenvolvimento. Com o debate sobre aquecimento global e a disputa entre a agricultura dos países ricos e a dos pobres, ela surgiu na forma de organizações ambientalistas.

Como assim, pelas ONGs?

Não são ONGs porque são financiadas com dinheiro público dos países ricos. Têm a visão de que é preciso encontrar reservas florestais importantes que já não existem na Europa e nos EUA, e se põem a serviço de uma guerra comercial, de uma agricultura frágil que não depende mais do mercado, mas de subsídios de governos. Eu me preocupo. Até o Al Gore disse que a luta em defesa do meio ambiente está para a atualidade como a luta contra o comunismo, que justificou todo tipo de atrocidades. A luta pelo ambiente também vai justificar aos ricos este grau de intervencionismo?

O sr. realmente acha isso?

Sim, acho.

O que pensa da ideia de estadualização?

A maioria das Prefeituras não têm nem secretarias de meio ambiente e em alguns Estados a estrutura é primária. Eu me inclino sempre pela centralização porque é a forma que se tem de equilibrar um país tão desigual. Mas vejo que a legislação ambiental não foi centralizada a partir dos interesses nacionais. O MMA sofreu um tipo de intervenção política na qual prevaleceram interesses externos e, contraditoriamente, os interesses nacionais vieram a se manifestar nos interesses dos Estados. É este conflito que preciso administrar.

E sobre a regionalização?

De que forma? Pode regionalizar por biomas, bacias, microbacias, formar corredores de APP e de reserva legal. Há vantagens e desvantagens em todas propostas.

Quais diferenças o senhor observou entre os produtores?

Vi mais inclinação das pessoas da Amazônia em aceitarem os 80% de reserva legal do que as pessoas de São Paulo com os 20%. Em São Paulo, existe uma agricultura consolidada, que já desmatou. Então a solução é confiscar terra produtiva? Ribeirão Preto tem agricultura intensiva em capital, tecnologia e concentração de renda. Em Assis, há pequenos proprietários, uma agricultura mais vulnerável à legislação ambiental. Paradoxalmente, a legislação é concentradora da propriedade da terra e inviabiliza pequenos e médios que não sabem nem o que é averbar. Ela expulsa o homem do campo.

E quanto aos grandes que desmataram e não querem repor?

É por isso que foi criada a figura da compensação. Mas precisa ter cuidado porque pode se criar também um conflito. Uma agricultura forte em capital e em tecnologia querendo desantropizar paisagens de agricultura fraca. O sujeito que está ali com sua roça dentro do mato vira um estorvo.

Por que há assentados temorosos com as mudanças?

Eles receberam incentivos para desmatar. O sujeito recebia uma gleba, ia no banco atrás de empréstimo, mas a garantia era a terra cultivada. Ele voltava com uma foice e fazia o serviço. Na Amazônia, quem não desmatasse não tinha o título do Incra. De repente, eles viraram proscritos e se exige que reflorestem. É assim que a legislação expulsa o homem do campo. Ele troca a pequena propriedade por uma Brasília usada e um barraco na periferia da cidade.

Mas é o Código Florestal que vai resolver estes impasses?

Não, mas ele não pode acelerar o processo de desagregação.

Valor Econômico, 17/02/2010

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