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Palhaçada amazônica

FSP, Mais, p. 11
Autor: LEITE, Marcelo
22 de Mai de 2005

Palhaçada amazônica

Marcelo Leite
Colunista da Folha

Com perdão -pela franqueza- de Marina Silva e de João Paulo Ribeiro Capobianco, seu secretário de Biodiversidade e Florestas, que sempre foram pessoas decentes, alguém precisa dizer que eles estão fazendo papel de bobos no governo Lula. Caso contrário, tornarão a cada dia mais verossímil a conclusão de que já se passaram para a legião dos que pensam que vão fazer o país inteiro de bobo.
A taxa de desmatamento da Amazônia anunciada quarta-feira, de mais de 26 mil km2, é um escândalo. Eles sabem disso, e o público também. Esse número sombrio deveria cobrir de vergonha qualquer cidadão com um vestígio que seja de apreço por civilização. Tudo indica que há cada vez menos pessoas com tal virtude na administração do PT.
Capobianco, em entrevista publicada nesta Folha duas semanas antes do anúncio, tentou fazer isso. De resto sóbrio, o ambientalista se inflamou: "É uma vitória", proclamou, comentando uma suposta estabilização da taxa de destruição.
Claro, naquela altura ele ainda assegurava que a cifra não passaria de 24,4 mil km2 -quase 2.000 km2 a menos, um errozinho igual a mais de um município de São Paulo. Ou o secretário estava muito mal-informado, e não deveria então ter cravado o número, ou tinha muita fé nos meandros da metodologia que tanto discutiu com os técnicos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) nas últimas semanas e dias.
A taxa de desmatamento é um escândalo. Eles sabem disso, e o público também
Em agosto começa a nova temporada de desmatamento e queimadas na Amazônia. O programa de combate anunciado no ano passado por um compenetrado José Dirceu, ora escafedido da cena incendiada, não decolou. No ano que vem, o último deste governo Lula, números iguais ou piores virão. A dinâmica amazônica nada tem a ver com os corredores de mármore de Brasília.
Considere o exemplo de Vila Rica, no norte de Mato Grosso, Estado governado por Blairo Maggi, o antigo rei da soja e agora do desmatamento. A casa alugada para ser uma base do Ibama está abandonada há meses. O mato -no mau sentido- cresce para todos os lados.
No microaeroporto, comem seus pastéis de carne quatro "proprietários" na chamada Terra do Meio, onde o governo federal criou unidades de conservação após a morte da freira Dorothy Stang. Um deles dá o nome de Marcelo Zamora. Para outros, declina o de Moura, mas é chamado de Santiago pelos colegas. Paulista de Presidente Prudente, diz que a área de 3.000 km2 já estava parcialmente desmatada quando um grupo de 60 forasteiros a adquiriu de posseiros.
Segundo a organização não-governamental Greenpeace, a área desmatada por eles, conhecida como Revólver (pelo formato do polígono na imagem de satélite) abarca 62 km2 e foi identificada pelos sensores espaciais em junho de 2004. Outra menor, perto dela, tem 24 km2 e apareceu nas telas um mês depois. Zamora, Moura ou Santiago seria um desses 60 proprietários, com apenas 44 km2 seus. Diz que é uma das melhores terras do Brasil e que ninguém vai sair dali só porque a terra foi declarada estação ecológica.
"Tirou hoje, amanhã está de volta", desafia. [O governo] não vai pôr um soldado em cada casa." Isto, sim, é a Amazônia.

FSP, 22/05/2005, Mais, p. 11

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