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Paisagem refeita

Valor Econômico, Especial, p. F1
27 de Mai de 2013

Paisagem refeita

Por Sergio Adeodato
Para o Valor, de São Paulo

Após a definição do novo Código Florestal, as atenções se voltam agora para as oportunidades de negócio geradas pelos 21 milhões de hectares de passivo ambiental que equivalem ao tamanho de quase todo o Estado de São Paulo e precisarão obrigatoriamente ser restaurados com vegetação nativa nas diferentes regiões brasileiras.
Da coleta de sementes à produção de mudas e manutenção de plantios, a cadeia produtiva florestal se movimenta para ocupar nichos e recompor a paisagem. Novos mecanismos de gestão, como a Cota de Reserva Legal, criada para que a floresta excedente de um produtor seja utilizada para compensar o déficit de outra propriedade no mesmo bioma, abrem frentes promissoras de receita e podem agregar valor à terra conservada.
"Um mercado de compra e venda de cotas de terras florestadas poderá se viabilizar", projeta Britaldo Silveira, pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais. O modelo de compensação tem potencial para reduzir em até 55% as atuais pendências de reserva legal, ou seja, as áreas nativas que as propriedades são obrigadas a conservar dentro de percentuais mínimos que variam conforme o bioma. O restante deverá ser recuperado. "Na expectativa de novos negócios, o avanço dos projetos florestais não entrará em conflito com o uso agrícola porque o alvo principal será a grande extensão de terras inadequadas à produção de alimentos", prevê Silveira, autor de recente diagnóstico sobre os impactos da nova legislação, encomendado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, do governo federal.
De acordo com o diagnóstico, o território brasileiro tem 530 milhões de hectares cobertos por vegetação nativa e a área de floresta que excede o mínimo determinado por lei soma 100 milhões de hectares. Na Mata Atlântica, esse ativo representa apenas 3% da cobertura original. "Somente na Região Sudeste, contando com a atual infraestrutura de viveiros de mudas, a adequação de todas as propriedades à lei vai demorar 60 anos e exigirá investimento total de R$ 46 bilhões", calcula Aurélio Padovezi, coordenador de estratégias de restauração na The Nature Conservancy (TNC).
Ao longo desse período, o custo anual para o conserto da paisagem, em torno de R$ 773 milhões, é semelhante ao orçamento do Ministério do Meio Ambiente para 2013. A conta é conservadora, pois considera que apenas 20% do passivo precisará ser reflorestado. A maior parte pode se regenerar naturalmente, sem plantio. Projeta-se a necessidade de 1,5 bilhão de mudas até 2075 com geração de 3,2 milhões de postos de trabalho.
A revisão do Código Florestal reduziu em mais da metade a área passível de restauração prevista nas regras anteriores. Mas foram criados instrumentos para a obrigação sair do papel e ser fiscalizada. É o caso do Cadastro Ambiental Rural (CAR), onde todas as propriedades rurais e suas reservas deverão estar registradas, no prazo de dois anos.
"Só então teremos uma clara evidência do tamanho do desafio", afirma Padovezi. A lei prevê mecanismos de fomento e será possível monitorar os acordos definidos nos Projetos de Recuperação de Áreas Degradadas (PRADs).
"Chegou a hora de dar o grande salto e usar as oportunidades com inteligência", recomenda Bernardo Strassburg, diretor do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). Em sua análise, a restauração não deve ser aleatória, mas otimizada, planejada no sentido de gerar o máximo de benefícios: "Prioridades devem ser definidas para reduzir custos e atingir economia de escala, atraindo investidores".
A barreira está no crédito de longo prazo, segundo análise do executivo, também membro do Pacto para Restauração da Mata Atlântica, rede de organizações que planeja nas próximas décadas recompor 15 milhões de hectares para dobrar a vegetação nativa que restou no bioma. "É preciso mudar a lógica de que recuperar paisagem significa apenas custos", diz o executivo.
O desafio inspira o mapeamento da cadeia de negócios da restauração florestal, iniciado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) como suporte às decisões de governo e empresas. O objetivo é identificar oportunidades e entraves frente à demanda que está por vir, além de posteriormente medir o potencial de geração de renda local. "O plantio de espécies nativas pode ser um negócio lucrativo e balizar estratégias de conservação da biodiversidade", avalia Ana Paula Moreira, pesquisadora que coordena o estudo com apoio do Ministério do Meio Ambiente e do IIS.
Em vinte anos, o passivo florestal em recuperação terá capacidade de absorver em torno de 1 bilhão de toneladas de carbono, o que corresponde a cinco vezes a emissão brasileira anual de gases do efeito estufa pelo desmatamento. Existem 90 milhões de hectares inaptos à agricultura no país, equivalentes à área de todo o bioma Mata Atlântica, também um filão para negócios com carbono.
"Mas é urgente uma política de governo para o setor aproveitar o potencial econômico", adverte o pesquisador Ricardo Rodrigues, da Universidade de São Paulo em Piracicaba. Ele coordena experimentos que demonstram a viabilidade da exploração de madeira de lei e outros produtos florestais na reserva legal plantada com espécies nativas. A alternativa rende por hectare até 10 vezes mais que o gado.
A mitigação de obras de infraestrutura, obrigadas a compensar impactos ambientais por meio de reflorestamento, acelera a demanda. No Rio de Janeiro, a estimativa é o plantio de 24 milhões de mudas por conta dos jogos olímpicos de 2016.
"Há problemas, como a baixa diversidade das espécies, informalidade e deficiência técnica", revela Beto Mesquita, diretor do Programa Mata Atlântica, da Conservação Internacional, entidade que orienta viveiristas para a melhor gestão do negócio.
Plantios que não vingam significam desperdício de recurso genético. "A qualidade é duvidosa quando empresas não adotam critérios e buscam mudas baratas apenas como obrigação de compensar impactos", admite Gustavo Abaurre, presidente da Pró-Mudas Rio, a associação dos produtores de sementes e mudas do Rio. Ele lamenta: "Hortos do governo subsidiados por recursos públicos produzem mudas com o dobro do custo e as despejam no mercado gratuitamente como doação, para projetos de reflorestamento, concorrendo em vantagem com os privados". A alternativa é verticalizar a produção para ocupar nichos, com especialização em espécies nobres e raras.
Em São Paulo, mais da metade da produção de mudas está concentrada em apenas 20 viveiros empresariais, segundo levantamento da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Há riscos: poucos adotam a prática de trocar sementes, importante para o aumento da diversidade genética das espécies. ONGs e comunidades gerenciam 46 viveiros. Um dos maiores se localiza em Itu, mantido pela SOS Mata Atlântica com capacidade de produzir 750 mil plantas por ano, financiadas por doações de empresas na internet.

Valor Econômico, 27/05/2013, Especial, p. F1

http://www.valor.com.br/brasil/3139106/paisagem-refeita

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