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País retomará construção de Angra 3

OESP, Economia, p. B1, B3-B4
26 de Jun de 2007

País retomará construção de Angra 3
CNPE decidiu que as obras começam ainda este ano e a usina deverá entrar em operação no início de 2013

Leonardo Goy e Gerusa Marques

Depois de anos de análises e seguidos adiamentos, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou ontem a retomada da construção da usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro. Se tudo correr dentro dos planos do governo, as obras começarão este ano e a energia de Angra 3 entrará no mercado em 2013. Especialistas do setor privado dizem que antes disso será necessário aumentar a quantidade de energia gerada no País para evitar um novo apagão.

Ao todo, sete dos oito ministérios que compõem o CNPE votaram pela aprovação da usina. O único voto contra foi o do Ministério do Meio Ambiente, contrário ao projeto principalmente por conta da destinação dos rejeitos nucleares. A ministra Marina Silva não participou da reunião de ontem. Ela foi representada por seu secretário-executivo, João Paulo Capobianco. A secretária de Saneamento e Energia de São Paulo, Dilma Silva Pena, que também integra o CNPE, também foi favorável à construção da usina. Assim, no total, foram oito votos a favor.

Antes do início das obras pela Eletronuclear, será preciso obter licença ambiental do Ibama. O ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, disse que o processo já foi iniciado e lembrou que Angra 3 será construída na mesma área de Angra 1 e 2, o que, segundo ele, facilita o processo.

Hubner disse que o governo decidiu retomar o projeto porque há necessidade de ampliar a base de geração de energia térmica no Brasil e 'Angra 3 é a alternativa de menor custo e não emite gás carbônico'. Segundo ele, o preço a ser pago pela energia produzida pela usina será rateado entre as distribuidoras de energia do País, num modelo semelhante ao da hidrelétrica de Itaipu.

A usina de Angra 3 terá capacidade para gerar cerca de 1.350 megawatts (MW). O governo estima investimento de R$ 7,2 bilhões na sua construção.

O Ministério de Minas e Energia fará um estudo detalhado de todos os custos que envolvem a construção da usina, inclusive a destinação dos resíduos, para definir quais serão as tarifas. O ministro interino disse que terão de ser atualizados estudos feitos em 2006 que apontavam para um valor de R$ 140 por MW/hora. Hubner, entretanto, disse que as condições econômicas do País, e de financiamento, são hoje mais favoráveis.

Ele ressaltou também que o governo pretende executar dentro do País todas as etapas do ciclo de processamento do urânio, de modo a não ser mais necessário realizar parte do enriquecimento do minério fora do Brasil. 'Angra 3 vai permitir que tenhamos necessidade de um volume de combustível que justifique a implantação de todas as fases do ciclo de processamento do urânio dentro do País', disse.

Investimentos na usina vão atingir quase R$ 8 bilhões
Especialistas calculam que, antes mesmo de a obra
começar, governo terá de aplicar R$ 600 milhões
Nicola Pamplona
Batido o martelo sobre a conclusão de Angra 3, o governo terá de deslanchar investimentos da ordem de R$ 600 milhões, além dos R$ 7,2 bilhões previstos para a usina, no sistema de produção do combustível nuclear e no reaparelhamento da Nuclep, estatal responsável pelos equipamentos pesados para a central. A conta, ainda não fechada, faz parte de um trabalho em elaboração pelo setor para driblar os gargalos que surgirão com a expansão do parque nuclear brasileiro.

'Já temos um balanço das dificuldades e propusemos um conjunto de ações para serem tomadas até 2010', informa o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Dias Gonçalves. Em um primeiro momento, o governo precisa desenvolver o ciclo de produção de energia nuclear, cuja tecnologia já existe no País, mas ainda não é usada em escala industrial.

O projeto inicial prevê investimentos de pelo menos R$ 500 milhões para tornar a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) apta a enriquecer um volume de urânio suficiente para abastecer 60% das necessidades das usinas de Angra 1 e 2 até 2010.

A produção de combustível nuclear é composta por cinco etapas. O Brasil não domina apenas duas: o enriquecimento de urânio e a conversão do minério em gás. Há tecnologia para as duas, mas a escala de consumo com duas usinas não animava o governo a investir nos equipamentos. Com a perspectiva de uma terceira usina, a situação mudou.

Segundo o presidente da INB, Alfredo Tranjan, os investimentos devem ser iniciados ainda neste ano, em pequena escala, já que não estavam previstos no orçamento. A origem dos recursos, aliás, ainda é uma incógnita, admite Gonçalves, da Cnen.

O governo estudava exportar urânio para financiar o projeto, mas ainda não há definição. Tranjan diz que, após 2010, a INB passará a gerar caixa suficiente para aportar recursos na próxima etapa: atingir escala para abastecer as três usinas.

A etapa de conversão do minério para gás só deve começar a receber recursos a partir de 2012. Tranjan diz que não é preciso antecipar essa etapa, pois é a parte mais barata do processo.

Em outra frente, o governo terá de reaparelhar a Nuclep, criada para construir os equipamentos pesados do primeiro programa nuclear. A empresa passou anos desativada e hoje opera na construção de cascos para plataformas da Petrobrás.

'Nuclear é opção de desespero', diz Goldemberg
Andrea Vialli
O professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg, é um ferrenho opositor da energia nuclear. 'E olha que eu sou do ramo', diz o físico nuclear por formação. 'Energia nuclear é opção de desespero. A Alemanha vai desativar seu parque nuclear até 2020. Estão trocando pela matriz eólica, mais limpa e barata.'

Para Goldemberg, a energia nuclear é viável em países de territórios menores, sem abundância de recursos naturais. 'O Brasil tem outras opções. Podemos explorar o potencial imenso da biomassa da cana, por exemplo.'

Segundo ele, o aproveitamento da cana para produzir energia é uma opção cada vez mais viável. ' Brinco que, se houver apagão no Brasil, não vai haver em São Paulo, por causa da cana.'

Falta de mão-de-obra é obstáculo, dizem analistas
O governo deve lançar um programa de qualificação de mão-de-obra para a usina nuclear de Angra dos Reis. A proposta é do presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro, e tem como objetivo resolver um dos principais gargalos à expansão do parque nuclear brasileiro, na opinião de especialistas do setor.

'Se não começarmos a treinar pessoas no ano que vem, não vai ter gente para operar Angra 3', diz o coordenador do programa de engenharia nuclear da Coppe/UFRJ, Aquilino Senra. Ele estima que serão necessários 150 engenheiros, que precisam de cinco anos de preparação.

Em palestra na semana passada, Pinheiro afirmou que há tempo hábil para a qualificação dos profissionais, uma vez que as obras da usina devem durar seis anos. Estima-se que, entre todos os profissionais, a operação de Angra 3 gere 600 empregos. O executivo afirmou que vai procurar instituições de ensino para negociar o desenvolvimento de cursos.

A necessidade de formação tende a aumentar à medida que o governo se decidir pela construção de novas usinas no País, conforme prevê o Plano Nacional de Energia 2030, da Empresa de Planejamento Energético. A Eletronuclear já estuda a construção de duas novas centrais, com capacidade para até seis usinas cada.

O desenvolvimento do setor vai demandar cérebros não apenas para a operação, mas para pesquisa e desenvolvimento, ressalta o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Gonçalves. 'Formar gente para a operação é fácil. O problema maior é produzir massa crítica para o desenvolvimento do setor.'

Gonçalves lembra que a idade média dos empregados no setor nuclear brasileiro é de 52 anos e, por isso, há grande contingente de profissionais se aposentando a cada ano. A Cnen vai propor ao MCT a criação de cursos de especialização no setor em parceria com órgãos estatais de fomento à pesquisa, como Finep e CNPq.

Angra 3 põe Brasil em nova onda de expansão de usinas nucleares
Estudo do Instituto de Engenharia mostra que existem 30 unidades em construção em todo o mundo

Renée Pereira

A decisão do governo de retomar o projeto de construção de Angra 3 põe o Brasil na nova onda de expansão de usinas nucleares desencadeada no mundo. Estudo recente do Instituto de Engenharia (IE) de São Paulo mostra que hoje existem 30 unidades em construção, 74 planejadas e 182 propostas, que representam 255 mil megawatts elétricos (MWe).

'Durante algum tempo houve uma demonização da energia nuclear, mas é uma opção a outras fontes mais poluentes', afirma o diretor do IE, Miracyr Marcato, responsável pelo trabalho 'A quem vamos recorrer quando faltar energia?', perguntou ele.

Marcato se refere ao movimento antinuclear que levou ao abandono da opção pela energia nuclear na Itália, na Alemanha e em outros países industrializados. Mas, destaca ele, esses países continuam dependentes da energia nuclear. 'A Itália, por exemplo, deixou de expandir seu parque, mas importa energia da Suíça e da França, onde a produção é nuclear.'

Segundo o levantamento do instituto, os países com maior número de usinas em construção são os emergentes com taxas elevadas de crescimento. A Índia tem seis usinas de 2.976 MWe, a Rússia, cinco de 2.720 MWe, e a China, quatro de 3.170 MWe. Juntos esses países têm 35 unidades planejadas para construção.

Segundo informações recentes, para diversificar as fontes energéticas e reduzir o gasto de carvão e petróleo, a China pretende atingir uma capacidade nuclear de 40 mil MWe. Para tanto, teria de construir dois reatores de mil megawatts por ano nos próximos 15 anos.

No Brasil, além de Angra 3, há propostas de outras quatro unidades, diz Marcato. Na avaliação dele, a energia nuclear vai contribuir para dar maior confiabilidade ao sistema elétrico nacional, cuja produção é predominantemente hídrica e tem grande dependência das chuvas.

Além disso, Angra 3 vai dar algum fôlego ao governo, que não tem conseguido contornar com agilidade as questões ambientais na construção de grandes hidrelétricas, como o Complexo do Rio Madeira e Belo Monte.

Marcato lembra ainda que a nova geração de hidrelétricas não tem capacidade de armazenamento de água, como as usinas antigas de grandes reservatórios. Essa tem sido uma saída para amenizar os impactos ambientais causados pelas inundações de florestas. 'A outra alternativa é o gás, mas não temos oferta abundante para a produção de energia elétrica', diz ele.

O diretor destaca no estudo que, para garantir um crescimento da economia de 4% ao ano, o País precisará duplicar a oferta de energia per capita até 2020. A capacidade terá de aumentar em 13 mil MW até 2010, 27 mil MW entre 2010 e 2015 e 65 mil MW entre 2015 e 2030. Isso significa cerca de 5 mil MW/ano de forma continuada a partir deste ano, destaca o estudo, que será apresentado quinta-feira em evento do IE, em São Paulo.

Números
30 usinas estão em construção hoje em todo o mundo, sobretudo nos países emergentes com altas taxas de crescimento econômico

74 usinas estão sendo planejadas para serem construídas

255mil MW é o quanto de capacidade produtiva de energia será
adicionada quando todas estiverem prontas

Marina nem foi à reunião do CNPE
Ministra já sabia que perderia a votação, que terminou em 8 a 1
João Domingos
A decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de aprovar a construção da Usina Nuclear de Angra 3 estava prevista desde a segunda quinzena de abril. Foi quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a informação de que o Ibama não concederia as licenças prévias para a construção de duas hidrelétricas no Rio Madeira até 31 de maio.

Mesmo assim, de acordo com um auxiliar do presidente, a decisão de Lula, comunicada a pouquíssimos ministros, aguardou um pouco para ser tornada pública. Ele optara por esperar mais um pouco, na esperança de que o Ibama concedesse as licenças para as Hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio.

Como esperou em vão, na segunda quinzena de maio Lula comunicou que tiraria Angra 3 da gaveta. O presidente decidiu, na mesma época, que marcaria uma reunião do CNPE. Como havia problemas na agenda, Lula a marcou para um mês depois, mas não pôde participar.

Da parte da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a certeza de que a decisão de retomar as obras de Angra 3 era tão grande que ela resolveu nem participar. Alegou que tinha encontro no Rio de Janeiro com representante da Câmara de Comércio Brasil/Estados Unidos e mandou seu secretário-executivo, João Paulo Capobianco, representá-la. Capobianco foi o único a dar o voto contrário, na goleada de 8 a 1.

Marina limitou-se a dizer ontem, no Rio, que a posição de seu ministério é contrária à construção de usinas nucleares por entender que o Brasil tem condição de optar por outras fontes de energia mais baratas e menos perigosas. Mas Marina não moveu uma palha para tentar reverter o voto dos conselheiros.

Tudo o que antecedeu a reunião do CNPE apontou para o desejo do governo de retomar a construção de usinas nucleares, tanto que a previsão é de que Angra 3 entre em operação por volta de 2012. Mas o Brasil necessita de energia já em 2009. Portanto, mais que a correria atrás de fontes de energia a qualquer custo, a decisão de construir Angra 3 indica uma política de governo.

No início, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, resistiu à idéia de construir Angra 3, não por questões ambientais, mas por motivos econômicos. Ela dizia que a energia nuclear é muito cara. Mas, diante da necessidade do Brasil de ampliar urgentemente a matriz energética, cedeu. Até porque fontes alternativas de energia levantadas por Marina, como a solar e a eólica, estão com preços iguais ou superiores ao da energia nuclear.

O trabalhos de revisão do programa nuclear ficaram prontos em junho de 2006, na véspera do início da campanha eleitoral.

Opiniões

Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente
'Sobre Angra 3, se queremos crescer 5%, temos de dizer aos investidores que vamos garantir energia a partir de 2012. E não tem porque não usar energia nuclear, que não tem emissões e a tecnologia brasileira é boa' (15/6/2007)

Marina Silva
Ministra do Meio Ambiente
"Nos últimos 15 anos, nenhum país fez usinas nucleares porque há muitos problemas com o resíduo nuclear. Nós temos outras fontes, um grande potencial hidrelétrico e formas limpas de energia nas quais devemos investir"(10/5/2007)

Dilma Rousseff
Ministra da Casa Civil
"A questão da geração nuclear é uma das possibilidades ... Não acredito que tenhamos muitas alternativas porque, do ponto de vista técnico, as energias solar e eólica não são alternativas reais para um país em crescimento"(8/5/2007)

OESP, 26/06/2007, Economia, p. B1, B3-B4

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