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País não cumpre meta nacional de proteção à biodiversidade marinha

OESP, Vida, p. A16
03 de Out de 2010

País não cumpre meta nacional de proteção à biodiversidade marinha
Apenas 1,5% dos ecossistemas costeiros e marinhos está protegido por lei - o objetivo estipulado para este ano era de 10%. Resultados serão apresentados este mês em Nagoya, no Japão, na reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU

Herton Escobar

Às vésperas da divulgação do maior estudo global já feito sobre a biodiversidade dos mares e faltando apenas duas semanas para o início da mais importante conferência sobre a biodiversidade do planeta, o Brasil ainda enfrenta enormes dificuldades para conhecer e proteger seus vastos ecossistemas oceânicos.
Estima-se que menos de 10% das espécies marinhas brasileiras sejam conhecidas. E apenas 1,5% dos ecossistemas costeiros e marítimos do País está protegido por lei - muito abaixo da meta de 10% estipulada para este ano. 'De fato, houve pouco avanço', reconhece o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Braulio Dias. 'A zona marinha é a que tem a menor proporção de áreas protegidas no Brasil.'
A meta de 10% foi estipulada em dezembro de 2006 pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), como parte do esforço brasileiro para o cumprimento dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas, que realizará sua décima Conferência das Partes (COP 10) no fim deste mês, em Nagoya, no Japão.
A meta para a Amazônia (30%) foi cumprida. Mais de 40% da floresta está sob alguma forma de proteção, dentro de terras indígenas ou unidades de conservação estaduais e federais. Mas a da 'Amazônia Azul', como se costuma chamar os 4,2 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro que estão cobertos de água, afundou no esquecimento.
A maior parte do 1,5% protegido está, na verdade, em ambientes terrestres associados à zona costeira, como restingas, praias e manguezais. E, ainda assim, a lacuna de proteção é grande.
Segundo o Panorama da Conservação dos Ecossistemas Costeiros e Marinhos no Brasil, um estudo inédito que deverá ser lançado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) até o fim do ano, somente 18% dos estuários (áreas onde os rios encontram o mar), por exemplo, estão em áreas protegidas. Esse índice cai para quase zero (0,2%) quando se considera apenas as unidades de proteção integral, onde não são permitidas atividades de exploração econômica.
No caso dos manguezais, um ecossistema crítico para a reprodução de várias espécies marinhas, o porcentual total de proteção chega a animadores 75%, incluindo áreas de proteção ambiental (APAs) ocupadas por fazendas de camarão e outras atividades comerciais. Mas cai para desanimadores 13% quando se considera apenas as unidades de preservação integral.
No ambiente estritamente marinho, a proteção é mínima, sempre limitada às áreas próximas da costa ou ao entorno de ilhas. Não há nenhuma unidade de conservação 100% marinha. Segundo o relatório do MMA, o bioma marinho representa 'a grande lacuna' do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), 'demandando medidas urgentes visando ao planejamento de sua conservação'.
O único consolo, talvez, é que o Brasil não está sozinho nessa história. Globalmente, também, menos de 1% dos oceanos está protegido, apesar da meta da Organização das Nações Unidas de chegar a 10% até 2012.
Lacuna científica. O problema não é só político. A falta de informações científicas sobre o que vive debaixo d'água também dificulta a elaboração de estratégias e políticas de proteção marinha. 'Fazer conservação sem informação é muito complicado', diz a bióloga Monica Peres, especialista na avaliação de espécies marinhas ameaçadas.
Com 10,8 mil quilômetros de costa, estendendo-se desde 4 graus de latitude norte até 34 graus de latitude sul, o Brasil tem uma das maiores e mais diversificadas combinações de ecossistemas costeiros e marítimos do planeta. Apesar disso, sua biodiversidade marinha conhecida é relativamente pobre, comparada à de outros países.
Segundo o biólogo Antonio Marques, porém, a maior falta não é de espécies, mas de pesquisas e pesquisadores suficientes para estudá-las. Proporcionalmente, segundo ele, o Brasil tem cerca de 15% das espécies conhecidas de vertebrados no mundo e 13% das de insetos. No grupo dos 'invertebrados não insetos' - a maioria dos quais vive no mar, como águas-vivas, polvos, lulas, caranguejos, lagostas, mariscos, esponjas e corais - essa proporção cai para 6%.
'Seis por cento das espécies do mundo num único país não é pouca coisa, mas não há como negar que a nossa biodiversidade marinha é amplamente desconhecida', afirma Marques, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. 'Eu considero isso uma vergonha.'
O conhecimento disponível, segundo ele, além de insuficiente, está altamente concentrado no litoral de São Paulo, Rio e Santa Catarina. 'Sobre o Nordeste ainda sabemos muito pouco. E sobre o Norte, quase nada.'
Estudos mostram que a composição de espécies marinhas pode variar muito de uma área para outra, mesmo entre regiões próximas da costa, por causa de variações de corrente, temperatura, composição química da água e tipo de substrato.
'Temos muitas espécies, certamente. O que não temos é uma concentração tão forte quanto a que ocorre em outros locais, como no Caribe', avalia Antonio Solé-Cava, diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

80% dos estoques de pesca estão perto do colapso, segundo estudo
Efeitos são nocivos tanto para a indústria pesqueira quanto para a conservação da biodiversidade

As espécies marinhas mais estudadas - e mais ameaçadas- costumam ser as de maior valor comercial. Entre 1995 e 2006, o Brasil realizou o Programa de Avaliação do Potencial dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva (Revizee), uma espécie de versão nacional do Censo da Vida Marinha internacional. O programa foi mais voltado para a avaliação de estoques pesqueiros do que para o conhecimento da biodiversidade, mas o resultado foi alarmante para ambas as áreas. Cerca de 80% das populações de espécies pescadas comercialmente foram consideradas sobre-exploradas ou plenamente exploradas.
'Em outras palavras, ou está no limite, ou já passou do limite do que essas populações são capazes de repor naturalmente', diz o pesquisador Jose Angel Alvarez Perez, do Grupo de Estudos Pesqueiros da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, que participou do Revizee e do Censo da Vida Marinha.
De 2006 para cá, segundo ele, a situação não melhorou. Os resultados do Revizee, apesar de alarmantes, não resultaram em políticas públicas eficientes de manejo e controle da pesca, que poderiam garantir a recuperação desses estoques. 'A gestão pesqueira no Brasil está um caos', resume Perez.
Enquanto o Ministério da Pesca dá incentivos para a ampliação e modernização da frota pesqueira, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) se esforça para controlar a intensidade da pesca e proteger a reprodução das espécies. As regulamentações são confusas. 'O pescador não sabe que regras ele precisa seguir', diz Perez. 'Na dúvida, ele continua pescando.'
O secretário de Biodiversidade do MMA, Braulio Dias, reconhece que há interesses conflitantes no governo. 'Se quisermos recuperar os estoques para ter mais peixe no futuro, temos de ampliar os esforços de conservação, não os de pescaria', argumenta. 'No curto prazo, isso significa impor restrições à pesca, mas é muito difícil a indústria aceitar isso.'
'A criação de áreas protegidas é fundamental, tanto para a pesca quanto para a biodiversidade', diz a coordenadora da Campanha de Oceanos do Greenpeace Brasil, Leandra Gonçalves.
Na região dos Abrolhos, no litoral sul da Bahia, a criação de áreas protegidas fez a população de badejos triplicar em apenas quatro anos. Não só dentro das reservas, mas fora delas também. 'Há um efeito de transbordamento desses estoques para as áreas de entorno, onde é permitido pescar', aponta Guilherme Dutra, diretor do Programa Marinho da ONG Conservação Internacional.
Predadores. As espécies que mais sofrem são as de grande porte, como as garoupas, os chernes e tubarões. São os predadores 'topo de cadeia', que, além de grandes, costumam ter vida longa e produzir poucos filhotes a cada ano. 'Essas espécies são extremamente vulneráveis porque, uma vez pescadas, leva muito tempo para recompor sua população', explica Monica Peres, coordenadora científica das avaliações de peixes marinhos junto ao ICMBio.

OESP, 03/10/2010, Vida, p. A16

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