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Autor: TONI, Ana
06 de Set de 2024
País já enfrenta eventos extremos previstos para 2035, diz Ana Toni
Secas, incêndios e inundações deste ano fazem parte de quadro amplo de transformações climáticas, aponta secretária de Mudança do Clima
Marcos de Moura e Souza
06/09/2024
A temporada intensa de seca em grande parte do Brasil e os números recordes de focos de incêndio não eram para estar acontecendo agora. Eventos climáticos extremos como esse estavam previstos para se tornarem mais frequentes e agudos daqui a alguns anos. É o que diz a secretária nacional de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni.
"Estamos chegando a 'tipping points' [fases críticas das mudanças do clima] muito claros. E este momento chegou muito mais cedo do que a ciência previa. As projeções apontavam que esse tipo de evento extremo, com calor, fogo, inundações, passaria a ser visto mais em 2030, 2035. E estamos em 2024", afirmou ela em entrevista ao Valor.
Neste ano El Niño e La Niña (fenômenos que alteram a temperatura das água do Pacífico e que provocam secas e fortes chuvas em vários regiões do mundo) afetaram fortemente o Brasil.
A propensão é que esse quadro piore se a gente não fizer nada"
- Ana Toni
Mas a atual forte seca associada a incêndios assim como as enchentes no Rio Grande do Sul em maio não são fruto apenas dos fenômenos nos oceanos. E, sim, de um quadro mais amplo de transformações do clima.
"Não necessariamente a gente pode falar que tudo o que a gente viveu neste ano vai continuar nos anos seguintes", disse ela. "Agora, a propensão é que isso piore se a gente não fizer nada."
Ela cita, no entanto, o Plano Clima, documento que deverá nortear as políticas do país relacionadas a clima até 2035. O plano está sendo preparado com a participação de 22 ministérios, de especialistas e com discussões com setores produtivos.
As conversas começaram no fim de 2023 e ganham agora um pano de fundo trágico em função da seca extrema e dos incêndios florestais sem precedentes em muitas regiões brasileiras.
Dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram o quanto este ano os focos de incêndio ultrapassaram muito as marcas que vinham sendo registradas até então. A série histórica usada pelo Inpe começa em 1998.
No Estado de São Paulo, o máximo de focos de incêndio florestal registrados por imagens de satélite até então nos meses de agosto tinha sido de 2.444. Essa foi a marca de 2010. Em 2022 e em 2032, o número de focos no Estado não passou dos 400 em agosto. Mas em agosto deste ano atingiram o recorde de 3.612, segundo os dados do Inpe.
Agosto e setembro são os meses mais críticos para queimadas devido ao tempo seco.
Em Mato Grosso, o número de incêndios em agosto voltou ao que era registrado no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. Foram 14.617 focos. No ano passado, haviam sido registrados 2.626.
Outro Estado muito afetado pelo fogo neste ano, o Amazonas teve em agosto 10.328 focos, segundo os dados do Inpe. Nunca, pelo menos desde 1998, incêndios tinham sido tão numerosos. A pior marca no Amazonas até então era a de agosto de 2021: 8.558 focos.
Os dados do fogo no Brasil como um todo também são alarmantes. Em agosto deste ano, o Inpe registrou com imagens de satélite 68.635 focos de incêndio florestal. Em 2023, tinha sido 28.065 focos.
Seca e fumaça são uma combinação deletéria para qualidade do ar. E uma ameaça para setores da economia que dependem diretamente do meio ambiente.
Em uma carta enviada esta semana a Ana Toni, representantes e instituições ligadas ao agronegócio realçaram o quanto o setor está sendo afetado pelas mudanças do clima.
"O setor vive da natureza. É o primeiro a sofrer com o que já vem ocorrendo", aponta o texto assinado por representantes de exportadores de soja, de produtores rurais, pecuaristas e frigoríficos. "Dependemos do clima. A intensificação do efeito estufa resultou no aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos e em alterações nos padrões de precipitação e temperatura."
Segundo o texto, "o setor é o perdedor pelo que ocorre". Entre os signatários, estão André Nassar (Abiove, que reúne exportadores de soja), Fernando Sampaio (Abiec, exportadores de carne), Marcello Brito, do Centro Global Agroambiental, Pedro de Camargo Neto (pecuarista) e Sérgio Bortolozzo (Sociedade Rural Brasileira).
O setor de energia hidrelétrica também sofre com os alterações do clima. Por um lado, chuvas e ventos muito intensos põem em risco as fiações de postes nas cidades, com riscos constantes de queda de energia. Por outro lado, períodos muito pronunciados de seca são uma ameaça para geração de energia devido à redução do nível dos reservatórios de água das hidrelétricas.
"Em 2021, por exemplo, a gente teve um cenário muito crítico, com uma seca tão forte que afetou o nível dos lagos a ponto de algumas usinas terem precisado para sua produção", lembra Alexei Vivan, diretor-presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica.
"Neste ano, o Operador Nacional do Sistema Elétrico e o Ministério das Minas e Energia estão sendo conservadores e antes que os reservatórios cheguem a níveis preocupantes decidiram já despachar as usinas termelétricas para segurar a água nos reservatórios", disse ele.
A energia gerada pelas usinas termelétricas é sempre uma opção mais cara para o consumidor - e mais poluente.
Em agosto, em entrevista ao Valor, o cientista Carlos Nobre, referência nos estudos sobre clima no Brasil, disse que hoje todos concordam sobre as causas das mudanças climáticas, todos entendem que é preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas que a discordância começa quando se trata de definir o que cada setor produtivo precisa fazer para reduzir suas emissões e quais políticas - e custos - governos têm de assumir.
Na carta que enviou ao Ministério do Meio Ambiente, representantes do agronegócio expuseram uma dessas discordâncias.
Enquanto o governo federal estuda como construir meios de zerar -- ou quase zerar - o desmatamento ilegal e também o desmatamento legal até 2030, representantes do agro questionam a viabilidade de uma meta como essa. O governo também estuda medidas para outros setores produtivos.
Marcos Freitas, professor da Coppe - Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -, lembra que, apesar de compromissos e de esforços de governos e de setores empresariais, a temperatura global e a concentração de CO2 na atmosfera seguem em níveis preocupantes. Ele concorda com Ana Toni e também diz o planeta parece estar vivendo uma antecipação da ocorrência de eventos climáticos extremos.
"Esses eventos estão chegando de forma brutal", define ele. E lidar com isso exigirá mudanças mais aceleradas em diversas áreas. "Temos de nos adaptar."
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/09/06/pais-ja-enfrenta-even…
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