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Pacto nacional contra o trabalho escravo

CB, Opiniao, p.21
Autor: GRAJEW, Oded
23 de Jun de 2005

Pacto nacional contra o trabalho escravo
Oded Grajew
Presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e do Comitê Brasileiro do Pacto Global

Relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho), divulgado em maio, examinou o trabalho forçado contemporâneo e apontou que ainda existem, no mundo inteiro, 12 milhões de seres humanos vítimas desse tipo de exploração. E não se trata de algum tipo de coerção estatal. Quatro de cada cinco trabalhadores em regime de escravidão atuam para agentes privados atuando, principalmente, na economia subterrânea ou informal. Trata-se de um grande negócio que movimenta mais de 32 bilhões de dólares anualmente, soma que ultrapassa o PIB de 100 países. O Brasil integra o relatório com um ponto negativo – ainda há pelo menos 25 mil brasileiros submetidos a condições de trabalho análogas à escravidão; e um ponto positivo – o relatório aponta nosso país como o que vem adotando medidas mais eficazes de combate a essa prática vergonhosa. Iniciativas governamentais, como a Portaria MTE 540 / 2004, de 15/10/2004, a fiscalização móvel de propriedades, a criminalização de empregadores e o resgate da cidadania das vítimas dessa exploração, têm sido fundamentais para o combate à prática. Mas, o que também vem dando relevância internacional ao Brasil é o compromisso voluntário e vigoroso do empresariado nacional em combater o trabalho escravo nos diversos setores da economia. Trata-se de um exemplo para o mundo, pois em nenhum outro país as empresas mobilizaram-se para estabelecerem diretrizes que visam a dignificar, formalizar e modernizar as relações de trabalho.

Vale lembrar como tudo isso começou. Em meados de 2004, a ONG Observatório Social publicou uma revista com fotos e relatos das condições de trabalho (ou da falta delas) a que estavam sujeitos os empregados das fazendas produtoras de carvão vegetal no norte do Brasil. O Instituto Ethos, junto com a OIT, procurou, então, as siderúrgicas que compravam o carvão desses produtores para articular um pacto que pusesse fim ao descalabro. Assim, em agosto de 2004, na Procuradoria Geral do Trabalho, em Brasília, foi assinada uma carta-compromisso pelo combate ao trabalho escravo no setor siderúrgico da região norte do país, tendo como signatários a Asica – Associação das Siderúrgicas de Carajás, o Instituto Ethos, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Federação das Indústrias do Paraná, Confederação dos Metalúrgicos da CUT, Sindicato da Indústria do Ferro-Gusa do Estado do Maranhão (Sifema) e Instituto Carvão Cidadão, Conatrae – Conselho Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, entre outros.

No entanto, outra ONG, a Repórter Social, pesquisou durante meses as cadeias produtivas de diversos setores econômicos, para rastrear onde havia trabalho escravo. Depois, durante outros tantos meses, o Instituto Ethos, junto com a OIT, negociou com grandes empresas, líderes em diversos setores, e com suas organizações associativas, um pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo que incluía medidas como: restrições comerciais e financeiras às empresas ou pessoas empregarem pessoas em condições análogas à escravidão; regularização das relações trabalhistas nas cadeias de valor; monitoramento das iniciativas adotadas e avaliação dos resultados dentro de um ano. Esse pacto foi assinado em Brasília, na Procuradoria Geral da República, em maio último. Grupo Pão de Açúcar, Votorantim Celulose e Papel, Coteminas, usineiros de açúcar e álcool, Petrobras, Cia. Suzano, Belgo Mineira e outras 60 empresas e entidades associativas assinaram o pacto voluntariamente, já estão combatendo o trabalho escravo e, com isso, os crimes que a ele podem ser associados, como desmatamento, grilagem de terras, contrabando, pirataria.

Os possíveis prejuízos financeiros iniciais da adesão – afinal, muitos fornecedores conseguem preços competitivos” justamente por utilizarem-se de trabalho forçado – serão amplamente compensados pelo apoio da opinião pública brasileira e internacional, e a garantia de não perder mercado interno e externo. Infelizmente, ainda é comum lermos opiniões que associam o combate ao trabalho escravo a teorias conspiratórias internacionais, visando a manchar” a imagem e os produtos brasileiros. Combater o trabalho forçado e outras formas de injustiça social são iniciativas que devem integrar as práticas das empresas socialmente responsáveis, porque garantem negócios sustentáveis ao promover a interação das empresas com as principais reivindicações da sociedade civil. Trata-se, então, de oportunidade ímpar de contribuir para o fortalecimento e a ampliação da democracia participativa, a única maneira de diminuir a grande chaga de nosso país – a secular desigualdade social que não diminui nem mesmo em períodos de crescimento econômico —, e promover uma cultura de paz.

CB, 23/06/2005, Opinião, p.21

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