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A outra margem do rio

National Geographic, set. 2009, p. 44-61
Autor: MILANEZ, Felipe
30 de Set de 2009

A outra margem do rio
Na calha norte do rio Amazonas, em terras paraenses, projeta-se uma floresta intocada que só agora os cientistas começam a decifrar.

Por Felipe Milanez
Foto de Adriano Gambarini

O latido parou. Com a decepção estampada no rosto, o biólogo Marinus Hoogmoed senta-se em uma pedra ao lado da corredeira, decide descascar laranjas e esperar o tempo passar. Guiado pela fraca luz de uma lanterna de cabeça, o biólogo permanece atento. A noite na Amazônia é submersa em sons misteriosos. Há grunhidos ritmados de insetos, como a percussão de grilos, e uma orquestra melódica de rãs, sapos e pererecas que coaxa insistentemente atrás de sexo. Os machos, excitados depois do longo período de seca, competem em serenatas para atrair parceiras logo após as primeiras chuvas de inverno.

O biólogo distingue cada ruído como se fosse um maestro. O latido poderia enganar um ouvinte leigo, mas não o experiente Hoogmoed: é de anfíbio e destoa de todo o resto, provocando sua imaginação. Ele está em dúvida sobre a classificação da rã que late - o que espera resolver assim que pegar o animal que ele persegue há quatro noites. Escondido no vão de uma pedra, o bicho decide se calar. Mesmo cansado, Hoogmoed prossegue. Desiste de retornar ao distante acampamento. Guarda a esperança de que a rã volte a se excitar e a latir, denunciando em alto e bom som sua localização exata.

Estamos sobre uma montanha de rochas vermelhas, cercada por uma vegetação áspera. O ar é fresco e úmido, a temperatura está agradável. Não chove, a lua é minguante e o céu está estrelado. Marinus Hoogmoed, pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi e ex-curador do Museu de História Natural da Holanda, ouve essa escuridão com atenção. Depois do crepúsculo, à noite é o melhor momento para encontrar anfíbios. "Estes rochedos no meio da floresta, rodeados de savanas, possuem uma fauna particular", comenta ele entusiasmado. O bicho que late é preto com bolas vermelhas. Restam poucas dúvidas de que se trata de um Leptodactylus myersi, um tipo de rã-pimenta. O latido que escutamos agora é o primeiro registro científico da espécie no estado do Pará. Hoogmoed permanece em busca do espécime até altas horas - quando enfim consegue capturá-lo.

A nosso redor estende-se uma floresta gigante e intocada, a Amazônia do planalto das Guianas, na margem setentrional do rio Amazonas. Em uma linha imaginária, estamos próximos ao Suriname; a localidade mais perto é Brownsweg. Os rios que correm por ali não são navegáveis. Cachoeiras e montanhas cortam qualquer percurso. A população indígena é pequena e esparsa, tendo o povo zo'é ao centro geográfico. Há relatos de índios sem contato. Nunca brotaram seringueiras, o que deixou de atrair colonos para a coleta de borracha ao longo do século passado. Pela foz do rio Trombetas, escravos fugidos no século 19 formaram quilombos e hoje colhem castanhas na época das chuvas. Garimpeiros escavam a várzea dos rios Jari e Maicuru, em direção ao Amapá, enquanto alguns madeireiros furam as matas próximas ao rio Amazonas. Não há mais gente além dessa população que, em cálculo aproximado, indica menos de 5 mil pessoas em um território do tamanho do estado de São Paulo.

Essa região, conhecida como "calha norte" do Pará, em referência a sua localização ao norte do rio Amazonas, intacta devido à barreira natural de acidentes geográficos, começava nos últimos anos a sofrer grilagem e exploração predatória e preparava-se para receber grandes mineradoras. Hoje é, ao menos no papel, um território de preservação. Em dezembro de 2006, um decreto estadual criou cinco unidades de conservação, com suas fronteiras emendadas de forma contínua a terras federais e reservas indígenas, no que se constituiu o maior mosaico de floresta tropical preservada no mundo. As áreas protegidas totalizam quase 22 milhões de hectares.

Para que essas unidades sejam implantadas, é preciso a realização de pesquisas que descrevam, mesmo que na forma de amostragem, a ecologia da calha norte. Os estudos devem servir de fundamento aos planos de manejo. As sete expedições planejadas são a primeira chance de biólogos estudarem, no Pará, a região de endemismo conhecida como Guiana - uma das oito áreas da Amazônia que, divididas por grandes rios, desenvolveram fauna e flora únicas. A logística foi financiada pela mineradora Rio Tinto como compensação pela prospecção e pelo estudo da existência de bauxita por lá. Coube ao Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) a análise socioeconômica e cartográfica, enquanto a da biodiversidade ficou a cargo do Emilio Goeldi, ambas instituições de Belém.

Ora em ziguezague, ora enfrentando a cortina úmida, o helicóptero faz seu percurso por blocos de chuva que caem de forma esparsa. A floresta vai até onde os olhos alcançam. A mata é densa e lembra um gigantesco campo de brócolis. Ela ergue-se sobre o relevo, debruça-se em rochas expostas em desfiladeiros e esparrama-se no meio de vales. Em terras de solo mais pobre surgem as manchas claras dos campos de savanas. Os rios são finos, marrons, caudalosos e encachoeirados. Espumas brancas das corredeiras marcam os cursos, e as margens são tomadas por uma vegetação ainda mais consistente.

Alexandre Aleixo, biólogo especialista em aves, está a meu lado. É o chefe das expedições científicas. Ao contrário de mim, deslumbrado, ele observa com um olhar blasé o tapete verde - essa é sua sétima expedição. Agora, Aleixo quer descansar. Em campo, ele caminha ao menos 10 quilômetros por dia em trilhas abertas por mateiros e coordena as outras equipes de biólogos, cerca de 30 pessoas.

"Esta é a única parte da Amazônia aonde o Estado veio antes do problema", explica Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon. O "problema", no caso, é o avanço da fronteira de ocupação predatória que recentemente começou a se estabelecer na calha norte do rio Amazonas. A demora no desembarque de colonos deu-se graças ao terreno intransponível. Isso ocasionou a desistência de projetos públicos anteriores de colonização, especialmente os megalomaníacos do período militar. A ideia de fazer a estrada perimetral Norte, que ligaria o Amapá a Roraima e atravessaria de ponta a ponta essa região, ou uma possível ampliação da BR-163 de forma a abrir uma via de acesso a esse lado do rio Amazonas, teria sido fatal para a floresta. Mas os projetos ao menos não saíram do papel. "Em nossas pesquisas, constatamos a existência de uma estrutura de grilagem no mesmo modelo do conflituoso sul do Pará", aponta Veríssimo. "Mas era incipiente; e, com a criação das unidades de conservação, os títulos de terra falsos foram declarados nulos. Isso cessou um processo inicial de desmatamento."

Definir a titulação das terras como unidades de preservação foi uma negociação política hábil. O objetivo dos ambientalistas era preservar a maior área possível de florestas. No papel, por enquanto, conseguiram. A mineradora Rio Tinto pressiona, ainda hoje, por uma fatia da Estação Ecológica do Grão-Pará para prospectar bauxita. De acordo com o gerente de exploração da empresa, Marcos Diógenes, o fato de ser uma "estação ecológica", de preservação total, inviabiliza o uso do que pode ser uma das maiores jazidas de bauxita do Brasil.

A logística é um empecilho para a fronteira econômica, e é possível que continue assim. Às florestas estaduais, em que são permitidos a mineração e o uso sustentável, o acesso é difícil. Levar a produção até o Amazonas, o eixo de transporte, implica atravessar um relevo acidentado. E o preço da madeira e do minério no mercado internacional pode não justificar o investimento. Já nas áreas próximas do Amazonas, em que a taxa de desmatamento é crescente, o problema será controlar a indústria madeireira.

São 5 da madrugada. Faz frio. Está escuro e a floresta, em raro silêncio, ainda dorme. Aleixo tem fome. Ele devora seu café da manhã com disposição. A marmita do almoço, preparada por um sonolento mestre-cuca, virá com linguiça frita e arroz. O biólogo carrega 2 litros de água filtrada - "sinto muita sede", diz. Seu equipamento, que inclui espingarda, microfone e amplificador, tocador de MP3, cartuchos, capa de chuva e mais uma série de coisas, está separado desde a noite anterior. Aleixo é metódico.

Ao longo de 5 quilômetros, vamos subir morros íngremes, atravessar terrenos secos de savana e pedras e seguir por uma mata densa até culminar em um banhado. A floresta começa a despertar ao som agudo de insetos até que o canto melódico dos pássaros anuncia a claridade. O dia está nublado, e as folhas, molhadas do sereno. Em um universo invisível a nossos olhos, o ornitólogo aprende a "ver" com os ouvidos e a distinguir a comunicação de cada animal cantor, seja inseto, seja anfíbio, seja ave.

A menos de mil metros do acampamento, um som fino se desvia através da vegetação densa. Aleixo identifica no aparelho iPod o nome científico da espécie para reproduzir no alto-falante. É um Hemitriccus inonartos, um passarinho que se mostra indignado com a pirataria do som de algum outro espécime. "A natureza é sexo e guerra", reflete Aleixo. "Não é à toa que eles são descendentes de dinossauro", brinca. A ave não suporta dividir seu território com outros machos, e vem rapidamente em nossa direção disposta a um enfrentamento. Canta a plenos pulmões e se mostra agressiva. Aleixo anota a hora e o local em sua caderneta. Seguimos adiante.

Sob o sol suave da tarde, em um campo de árvores baixas, Aleixo ouve um canto especial. O som agudo lhe confere um momento singular de alegria. Não por sua beleza - não é propriamente a estética o que atrai a atenção de biólogos -, mas pela raridade. Em voz baixa, para não assustar o passarinho, ele comenta: "É uma espécie que só era conhecida no alto rio Negro. O Neopelma palessi. Era uma das aves mais raras da Amazônia, com uma das menores distribuições conhecida, candidata a ser ameaçada de extinção", diz. "Agora tudo mudou."

Compreender a composição dessa floresta primária é um desafio instigante para os biólogos. A vegetação varia conforme a quantidade de luz e a composição do solo - e, em cada uma dessas variantes, há uma fauna particular. Entre duas serras, nesse percurso, penetro em uma mata colossal, irrigada pela água que escorre dos morros em um solo fofo. A copa das árvores é tão alta que mal consigo enxergar o topo. O dossel é dominado pelo angelim, espécie gigantesca, ouro verde para a indústria madeireira. A poucos passos dali, ao subir um rochedo de solos pobres, a vegetação torna-se uma savana seco e áspero como no centro-oeste brasileiro. O chão rochoso é ácido e rico em bauxita.

A análise botânica indica que há muito mais áreas de campos e savanas antigos espalhados pela Amazônia do que se pensava, o que comprova a chamada "teoria de refúgios florestais" de que a floresta aumentou depois de um período prolongado de secas. Enquanto algumas partes de mata densa contêm cerca de 150 espécies de árvore, com copa como a do angelim, que ultrapassa os 60 metros de altura, em outras, mais áridas, há longos trechos em que foram encontradas menos de 40 espécies distintas em 1 hectare - e que, em média, sua copa não passa de 20 metros de altura. Há ainda, além desses vastos campos, um tipo de floresta que se assemelha a uma campina, um pouco mais úmido que a savana. As pesquisas ainda são embrionárias, e os cientistas a classificaram como uma "campinarana", do mesmo modo que as matas em solo arenoso localizadas no distante alto rio Negro. Nesse tipo de ambiente, ao olhar o horizonte, distinguem-se árvores finas de uma mesma espécie lado a lado, onde uma luz suave filtrada pelas folhas faz lembrar um bosque europeu.

Nem tudo são flores, luzes e cantos na região. Garimpos pipocam no leste do mosaico, com maior concentração na Reserva Biológica Maicuru e na Floresta Estadual do Paru. Estima-se em mil pessoas a população garimpeira local. São homens com idade média de 42 anos, solteiros (48%), com um a três filhos - deixados em casa, para onde vão uma vez por ano. Dados do Imazon mostram que 40% dessa gente é natural do Maranhão e 31% do Pará. São migrantes pobres. Após o decreto que protege as áreas entrar em vigor, eles terão de abandonar a extração de ouro. A atividade passa a ser ilegal, assim como a exploração madeireira. E não há muitas opções a quem vive na margem norte do rio Amazonas.

É o caso de Louro, de 29 anos, natural de Monte Alegre, importante cidade da região, mateiro e ajudante de campo da equipe de botânica. Filho de um pequeno agricultor, até o início das expedições estava desempregado. "Para ganhar algum, às vezes vendemos madeira de nossa terra. Mas o Ibama fechou as serrarias", lamenta.

Historicamente, o isolamento propiciou refúgios e esconderijos. Negros escravos que trabalhavam com cacau em cidades antigas, como Santarém e Óbidos, subiam o rio Trombetas para formar quilombos no século 19. Hoje há mais de 30 comunidades, por exemplo, no entorno da cidade de Oriximiná. Algumas, como Ariramba, estão em conflito com a Floresta Estadual de Faro. "Essas novas unidades de conservação envolvem parte do território tradicional, e eles não concordam", explica a antropóloga Lúcia Andrade. O que perturba os quilombolas é que as florestas estaduais podem ter exploração econômica, e eles vão ter de discutir com todos os que vivem e exploram a mata - no caso, aguarda-se a chegada de madeireiras e mineradoras. Para usarem sua terra, os quilombolas agora terão de negociar com pessoas de fora da comunidade.

Cai uma chuva leve. Sigo a equipe de Hoogmoed em mais uma coleta. A chuva é bem-vinda aos herpetólogos, assim como aos ictiólogos - os calmos pescadores que coletam peixes silenciosos durante o dia em rios e pequenos igarapés.

Descemos das rochas e marchamos dentro de um igarapé. Ali não há latidos, mas outros coaxos mais melódicos. Nosso objetivo é seguir o som de microchips amarelos e pretos do tamanho de um dedão. São sapos Atelopus hoogmoedi. O animal, bem conhecido da equipe, foi batizado em homenagem ao biólogo que caminha comigo na água. "Nunca tinha visto tantos juntos", diz Hoogmoed. "Há muito canto de machos. Deve ser um período de reprodução."

O espanto de Hoogmoed é compartilhado com todos os cientistas ali. "Tenho certeza de que nunca um biólogo esteve aqui por onde estamos caminhando; tudo é praticamente desconhecido", comenta. Foi assim que comemorou a coleta de uma rã de cor azul, a Dendrobates tinctorius, que ele conhecia em suas pesquisas no sul da Guiana e no Suriname. Mas a distribuição era imprecisa no Brasil. "A pele dela contém um veneno que dá uma sensação desagradável quando entra na boca e nos olhos, mas não chega a ter efeito mortal nos homens", alerta. Na mesma noite em que perseguiam a rã que latia, a Leptodactylus myersi, a equipe de Hoogmoed encontrou uma cobra vermelha endêmica dali, a Pseudoboa coronata. Pequena, é um belo animal com toda aparência de ser peçonhenta. "Ela faz parte de um grupo de espécies de cobra da Amazônia que usa o mesmo padrão de cor, um vermelho forte, para assustar predadores", explica. "É só um disfarce, ela não é venenosa."

Pisar num terreno que é um "vazio" para a ciência - sim, ainda existem áreas desconhecidas - fascina exploradores. Enquanto os biólogos espalham armadilhas, eu passo a revirar folhas nas margens de um igarapé. "Quem sabe descubro o menor sapo do mundo?", pergunto a Hoogmoed. "Nada impede", diz. Nessa busca, distingo um inseto no chão. Parece uma formiga, mas é um microssapo. Coleto e mostro ao biólogo, na esperança de um feito relevante. "Ele é muito pequeno", diz ao examinar minha pretensa descoberta. "Mas é só um filhote de Bufo margaritifer. Vai crescer até uns 10 centímetros", conclui ele.

Apesar de as novidades saltitarem cantantes pela floresta, foi uma estranha e discreta cobra-de-duas-cabeças o que mais surpreendeu Hoogmoed. "Encontramos uma nova espécie", diz. O animal da família Amphisbaenidae, répteis parentes de lagarto, tem uma "cabeça" coniforme e um "rabo" que seria, diz ele, "bem diferenciado de outras espécies daquela família". Após o espécime ser coletado, um minucioso processo de pesquisa é feito nos laboratórios por taxonomistas. Só então a espécie é considerada "nova".

Muito além de relatórios para planos de manejo, o que move o ímpeto desses biólogos é a chance de descrever a fauna e a flora de um vazio científico - trabalho que ainda vai levar tempo nos laboratórios. Cada equipe de especialistas, seja de mamíferos, seja de aves ou répteis, deve descrever cerca de cinco espécies novas. Mas o principal, eles comemoram, são as informações inéditas que obtiveram da área. "Agora temos conhecimento mais completo da distribuição das espécies no norte amazônico", explica o ornitólogo Aleixo. "O material coletado vai alimentar uma discussão de novas espécies e revisão taxonômica de grupos durante décadas."

Igualmente surpreendente é a sensação de aterrissar na Terra Indígena Zo'é. Ela fica no centro geográfico do mosaico das unidades de conservação - e, por ser terra federal, ficou de fora das recentes pesquisas ecológicas. É um universo singular em que transparece a harmonia do ser humano com a floresta pouco conhecida pela ciência. Os índios zo'és foram contatados por uma missão religiosa americana, em 1987, que tinha o objetivo de evangelizá-los. Nos primeiros anos, 30% da tribo foi aniquilada por epidemias de gripe. A missão foi expulsa, e o povo recuperou-se demograficamente - hoje somam 246 pessoas. A terra indígena, originalmente com mais de 2 milhões de hectares, foi reduzida a cerca de 600 mil por um laudo da própria Funai, e ainda não foi homologada. Parte do território suprimido está localizada dentro do que se tornou a Estação Ecológica do Grão-Pará, rica em bauxita e reivindicada pela mineradora Rio Tinto. A exploração do minério poderia trazer impactos à vida dos zo'és ainda mais fortes que a frustrada experiência missionária. A bauxita espalha-se pela superfície e exige a supressão da cobertura vegetal para sua extração, assim como é necessária a construção de complexa malha logística. João Lobato, funcionário local da Funai, está preocupado: "Hoje, a única garantia à sobrevivência dos zo'és é preservar a floresta".

Em uma das aldeias, a índia M'Bossoi, mãe adotiva de um jovem casal de gêmeos cuja mãe biológica morreu no parto, canta para mim músicas que me lembram um fado. Está em sua rede com os olhos mareados fitando o horizonte. As crianças, ao lado, escutam atentas. O ambiente é calmo. Eu não entendo o que ela diz. A expressão é melancólica - mas não deve cantar algo triste. Na poética voz de M'Bossoi, penso no destino desse paraíso. As ameaças podem estar distantes como a margem de um rio.

O avião decola, e o gigante campo de brócolis floresce novamente abaixo. Mas bastam 25 minutos para aparecer as primeiras clareiras na planície. A partir dali vejo quadrados pretos de queimadas cada vez maiores, agora cortados pela cicatriz de uma estrada. Quando avisto o rio Amazonas, já há núcleos urbanos e pequenas cidades. Dessa margem até a outra beira, em Santarém, o avião precisa dos mesmos 25 minutos que levou da aldeia zo'é até eu avistar os focos de devastação. A fronteira de mundos tão diferentes é como a calha de um rio. Como se a harmonia dos zo'és e desse ecossistema ainda incógnito para a ciência estivesse em uma margem. E na outra, justamente em frente, a fronteira colonizadora que avança sobre a água.

National Geographic, set. 2009, p. 44-61

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