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Oscar, um medico para 23 mil indios

OESP, Vida, p.A21
07 de Ago de 2005

Oscar, um médico para 23 mil índios
Cirurgião é responsável pela saúde dos indígenas numa área de 110 mil km2, percorridos de barco com ou sem motor ou a pé
Liège Albuquerque
Um médico é o único responsável pela saúde de cerca de 23 mil indígenas nas aldeias dos arredores de São Gabriel da Cachoeira, a 858 quilômetros de Manaus. O número de pacientes parece grande, mas é uma realidade comum no Amazonas, onde, segundo o Conselho Regional de Medicina (CRM), dos 62 municípios, pelo menos 20 não têm sequer um médico.
O gaúcho Oscar Espellet Soares, de 40 anos, trabalha há seis anos cobrindo uma área de aldeias de cerca de 110 mil quilômetros quadrados. De barco sem ou com motor ou a pé, pela mata. Há dois anos é o único médico, embora com uma equipe de 22 enfermeiros, todos em contratos terceirizados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) com a Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn).
"Quando cheguei, éramos oito médicos, mas foram diminuindo rapidamente", conta. O principal motivo das desistências, acredita, é a falta de adaptação aos costumes das populações indígenas.
Para ele, o profissional da medicina que se dispõe a trabalhar com indígenas tem de se despir de vários dogmas e estar mais disposto a aprender e ouvir do que ensinar. "É em busca de conhecimento que trabalho e só tenho enriquecido em conhecimento real da medicina, trabalhando muitas vezes junto com os pajés e os tradicionais fitoterápicos", conta. Enriquecimento financeiro não passa perto: o salário mensal não chega a R$ 8 mil.
DOENÇA ESQUECIDA
Com a falta de outros médicos, o cirurgião Oscar faz até consulta dermatológica. Mas é realizando cirurgias de tracoma que o médico diz estar "realmente exercendo a medicina". O tracoma é uma espécie de conjuntivite crônica que leva à cegueira. "Fui a Ribeirão Preto, em São Paulo, fazer um curso para poder operar os indígenas depois que conheci Carlos Eduardo", conta.
Carlos Eduardo era uma criança isolada de um grupo que brincava. Chamou a atenção do médico em uma de suas primeiras visitas a uma aldeia da etnia Hupdá, em São Gabriel. Chegando mais perto dele, o médico pôde constatar que a criança tinha os olhos grudados, por uma doença esquecida, o tracoma.
"Os cílios da pessoa crescem por dentro, arranhando a córnea. Como a doença é tida como praticamente extinta, os livros de medicina contam só até aí. Mas depois de tanto arranharem a córnea, acabam vazando o olho da pessoa", conta o médico.
Depois do curso, Carlos Eduardo, de 8 anos, foi o primeiro beneficiado pela cirurgia. Até agora, segundo o médico, 86 pessoas foram operadas e todas voltaram a enxergar. Para as cirurgias, o médico conta sempre com uma platéia: toda a aldeia quer assistir à operação.
"Eles querem ter confiança no que está ocorrendo, não me oponho", diz. Às vezes, por conta dos mosquitos, o médico precisa operar embaixo de um mosquiteiro.
OESP, 07/08/2005, p. A21 (Vida)

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