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Os transgenicos, o juiz e o ex-ministro

FSP, Mais, p.18
Autor: LEITE, Marcelo
18 de Abr de 2004

Ciência em Dia Os transgênicos, o juiz e o ex-ministro
Marcelo Leite editor de Ciência
O melhor alvejante é a luz do Sol, costumam dizer os defensores da ausência de restrições ao trabalho da imprensa na vigilância das instituições. Por vezes, porém, a revelação por jornalistas de algo que permaneceria soterrado pode ter efeitos colaterais imprevisíveis para o público, como narrou Josias de Souza na Folha, domingo passado, a respeito da querela sobre transgênicos que opôs um ex-ministro e um juiz federal. O efeito colateral, no caso, assumiu a forma de R$ 501.982,22 espetados na conta da União. É o valor arbitrado num processo de defesa da honra que o juiz Antônio Souza Prudente moveu contra Luiz Carlos Bresser Pereira por declarações em junho de 1999, quando Bresser era ministro da Ciência e Tecnologia e assim se referiu a um trecho de sentença de Prudente: "Isso não é direito nem ciência. É ficção científica alucinada". Em causa estava a decisão de Prudente de conceder liminar sustando os efeitos da autorização dada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (a famigerada CTNBio), quase um ano antes, para plantio em escala comercial da soja transgênica Roundup Ready, da Monsanto. O juiz havia acatado o argumento de que a CTNBio não tinha o poder legal de dispensar a realização de avaliação de impacto ambiental (pasme: os recursos prosseguem, e até hoje não há decisão final da Justiça sobre a soja RR). O ex-ministro não se referia decerto ao mérito jurídico da decisão, mas a um trecho da sentença citada no pé de uma reportagem desta Folha no dia anterior. Cabe repeti-lo aqui, para que o leitor o julgue por si mesmo: "Creio que a velocidade irresponsável que se pretende imprimir nos avanços da engenharia genética [...], guiada pela desregulamentação gananciosa da globalização econômica, poderá gestar, nos albores do novo milênio, uma esquisita civilização de "aliens hospedeiros", com fisionomia peçonhenta, a comprometer [...] a sobrevivência das futuras gerações de nosso planeta". Bresser estava correto ao dizer que isso tem pouco a ver com ciência, ao menos -e muito com a percepção da tecnociência, em particular da engenharia genética, pelo público. A visão um tanto catastrofista foi forjada em parte pelos próprios aprendizes de engenheiro genético quando, em meados dos anos 70, temerosos de efeitos imprevisíveis da recém-inventada tecnologia do DNA recombinante, se impuseram uma moratória para certas pesquisas e diretrizes draconianas de biossegurança nos laboratórios. De lá para cá, muita coisa mudou. A engenharia genética se tornou rotina em muitas áreas, a maioria distante do público (como a produção de insulina humana recombinante por bactérias geneticamente modificadas). Quando chegou à mesa de todos, na forma de soja e milho, o eco ressoou mais uma vez. É um ruído benigno. Obriga os cientistas a se explicarem em público sobre a sua reforma da natureza, assim como ex-ministros e juízes devem -ou deveriam- explicar-se em público pelo que falam ou escrevem. A luz do sol é o melhor alvejante, embora possa ofuscar. Injustiça Foi cometida uma aqui, na semana passada. Na tentativa de ilustrar a enormidade dos números do desmatamento na Amazônia, comparando o ajuste na cifra de 2001-2002 com a área da cidade de São Paulo, o texto sugeriu a muita gente que teria havido maquiagem nos dados -o que não é o caso.

FSP, 18/04/2004, p. 18

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