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Os refúgios contra-atacam

FSP, Mais, p. 9
18 de Mar de 2007

Os refúgios contra-atacam
Pai de teoria que explica a diversidade biológica da Amazônia diz que foi mal interpretado

Eduardo Geraque
Da reportagem local

N ão. A teoria dos refúgios não está superada. Muito pelo contrário.
O ornitólogo alemão Jürgen Haffer, 74, continua a defender o modelo que explica a alta biodiversidade da Amazônia, proposto por ele no fim dos anos 1960 e desenvolvido de forma paralela, na mesma época, pelos cientistas brasileiros Paulo Vanzolini e Aziz Ab'Sáber, ambos da USP (Universidade de São Paulo).
"Os dados geocientíficos (estudo dos pólens fósseis, geomorfologia etc), nos quais a teoria dos refúgios está alicerçada, nunca foram refutados", afirmou o cientista à Folha.
Segundo Haffer, que escreveu um artigo traduzido no Brasil em 2002 absolutamente a favor dos refúgios -e que não mudou de opinião até hoje-, existem muitas incorreções nas interpretações feitas sobre o modelo dele.
Para alguns pesquisadores, como José Maria Cardoso, da ONG Conservação Internacional, os refúgios já foram descartados nos anos 1980. A afirmação é feita com base em trabalhos desenvolvidos na floresta tropical pelo próprio pesquisador brasileiro e por colegas.
Segundo explicação do próprio Haffer, "a teoria dos refúgios propõe que as mudanças na vegetação seguiram reversões climáticas em virtude dos ciclos naturais durante algum período da história da Terra, causando fragmentação dos centros de origem das espécies e o isolamento de parte das respectivas biotas em refúgios ecológicos separados entre si".
Ou seja, mudanças ambientais milhares de anos atrás dividiram a floresta em partes, isolando as populações em fragmentos-e facilitando, portanto, a especiação.
A partir desse cenário, algumas espécies se extinguiram, outras sobreviveram sem alteração e outros grupos ainda sofreram diferenciação. Esse processo ocorreu em nível de espécie ou subespécie.
"O efeito total dos períodos climáticos secos na distribuição das vegetações de floresta e de não-floresta na zona neotropical durante o fim do Terciário e do Pleistoceno (os últimos 5 milhões de anos) continuam desconhecidos dos cientistas", afirma o pesquisador.
Os críticos do modelo dos refúgios não discordam que a proposta da teoria seja viável. O problema é que uma série de levantamentos feitos até agora por esse grupo não conseguiu achar as tais zonas secas.
Outro problema apontado é que análises de DNA mostraram que algumas espécies da Amazônia são muito antigas, com milhões de anos de idade -portanto, elas não teriam sido afetadas pelas tais mudanças climáticas que fragmentaram a floresta no Pleistoceno.
"É provável que o tamanho dessas manchas de floresta úmida durante os períodos secos fosse maior e bem menos definido do que é mostrado em muitos mapas que ilustram a localização de refúgios na floresta pluvial tropical", explica Haffer, talvez até fazendo uma pequena correção de rota.
No artigo publicado no Brasil pela revista "Estudos Avançados", Haffer descreve 12 pontos, espalhados pela Amazônia, que mostram que pelo menos naquelas áreas o clima já esteve mais seco em algum momento.
Além disso, ele lista várias interpretações feitas sobre a teoria dos refúgios que, segundo ele, nunca foram enunciadas pelos autores do modelo.
"A maioria das pessoas que afirma que a teoria está morta faz essa referência com base em dados moleculares, em estudos de DNA. Esses trabalhos, com freqüência, mostram que existem espécies com mais de 2 milhões de anos na Amazônia. Será que essa diferenciação de espécies não é fruto das mudanças climáticas e de vegetação que ocorreram no final do Terciário?", indaga Haffer. "Existem alguns trabalhos recentes, feitos com DNA, que vão ao encontro dos refúgios", disse o pesquisador alemão.

Debate atual
A disputa em torno dos refúgios está longe de ser uma controvérsia ultrapassada. A teoria foi debatida, por exemplo, no 1o Simpósio Brasileiro de Mudanças Ambientais Globais, encerrado na última segunda-feira, no Rio de Janeiro.
Para o professor Paulo Oliveira, da Universidade de Guarulhos, autor da apresentação, não há evidência de que a Amazônia tenha sofrido redução. Um dos trabalhos dele analisou a região do pico da Neblina, nos últimos 40 mil anos. Talvez, agora, seja uma questão temporal e não mais cartográfica.
Ou quem sabe, toda essa discussão seja fruto de um problema semântico. "Nossos dados indicam alterações climáticas pelo menos em áreas localizadas e razoavelmente regionais. É claro que extensas áreas de floresta pluvial (que é muito antiga) sempre existiram na Amazônia", afirma Haffer.

NA INTERNET - Leia artigo publicado por Haffer em 2002 www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0103 40142002000300014&lng=pt &nrm=iso&tlng=pt

FSP, 18/03/2007, Mais, p. 9

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