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Os indios a as armas

JB, Coisas da Politica, p.A2
Autor: SANTAYANA, Mauro
09 de Jan de 2006

Os índios e as armas
Mauro Santayana
Duas notícias ocuparam os jornais de domingo: a morte, ainda misteriosa, do general Bacellar, em Porto Príncipe, e o treinamento militar de índios da Amazônia. O fim do general, qualquer que tenha sido a causa, mostra os riscos que correm os soldados, em todos os momentos. Se o oficial estava de tal forma tenso, diante de sua responsabilidade e dos problemas que enfrentava no comando da força de paz, ou em sua vida pessoal, e tenha sucumbido à tentação do suicídio, ele não terá sido o primeiro. A farda não blinda a alma, nem a formação militar retira do homem a essencial fragilidade. Como morreu em missão, o general merece todo o respeito de seus companheiros e da nação. Se o Brasil errou ao enviar o contingente a Porto Príncipe, é outro problema, que não cabe discutir agora.
O que nos parece incorreto é criticar as Forças Armadas por treinar os índios amazônicos para a defesa de nosso território. Da forma em que as coisas se encontram no mundo, esse adestramento teria que ser universalizado no Brasil. Todos os cidadãos válidos deveriam conhecer o manejo das armas e as táticas da guerra de resistência.
As boas almas defendem a preservação dos índios em seu meio como defendem os animais da selva em seu ecossistema. Mas os indígenas, ao contrário do que pregavam alguns teólogos do século 16, pertencem à espécie humana; não são bichos de estimação. Alega-se que é necessário preservar-lhes a cultura, mas essa preservação depende da vontade que eles tenham de conservá-la, e não da nossa conveniência estética ou de remorso histórico. E louve-se a forma com que as Forças Armadas republicanas se relacionam com os nossos autóctones. Desde a frase histórica de Rondon - morrer, se preciso for, matar nunca - ninguém tem cuidado melhor dos índios do que os soldados. São eles os que os assistem, nos casos de enfermidade e de perigo. As lanchas militares que percorrem os rios e os igarapés, e os aviões da FAB que cortam os céus turbulentos, os recolhem e os conduzem aos hospitais. Não há casos de seqüestro de militares por índios armados, o que é freqüente no caso de funcionários da Funai. Se as Forças Armadas não se encontrassem tão desprovidas de recursos, seria o caso de encarregá-las da proteção oficial aos brasileiros das selvas. Da proteção oficial, porque da proteção efetiva pelas três armas eles podem contar.
O que não se pode aceitar é a rápida inclusão dos índios na vida moderna, sem preparação cuidadosa. A sua civilização pode ser superior, no que se refere às relações internas das comunidades tribais, mas é impossível mantê-los isolados, com a desculpa de que é preciso conservar sua cultura. Eles a preservarão se quiserem preservá-la. Podemos dar-lhes os instrumentos para isso, e o primeiro deles é a educação. Mas não os podemos condenar a viver à margem do mundo. Prepará-los para a defesa do território não é perturbar-lhes a vida, nem instigá-los à agressividade. Eles conhecem imemorialmente as armas, como o arco e a flecha, os dardos venenosos, a borduna e as plantas que paralisam e matam, e sempre foram inclementes nas guerras. Trata-se de apenas dotá-los de armas mais práticas, para a defesa do solo pátrio - eventualidade que, a cada dia, se torna mais provável. Temos que contar com a sua ajuda, como senhores da selva, para resistir a quem se sinta estimulado a tomá-la pela força das armas. Já estamos sendo saqueados pelos que a invadem com a Bíblia e a moto-serra, que despem as matas, e roubam exemplares animais e vegetais de nossa fascinante biodiversidade.
Respeitar o índio não é mantê-lo, para o prazer científico dos antropólogos, na idade da pedra, nem contaminar a sua cultura, ocupando-lhes as terras e levando-lhes o álcool e a fome, como ocorreu sempre, e ocorre hoje aos caiovás do Mato Grosso.
Fariam melhor as piedosas almas, que protestam contra seu adestramento militar, se procurassem reintegrar à sociedade as novas tribos dos excluídos, que se refugiam e se armam com bazucas e mísseis, na periferia selvagem das grandes metrópoles.

JB, 09/01/2006, p. A2

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